biografia
Aristides da Silva e Ana da Silva
Autor(es): Maria Dorothea
Biografado: Aristides da Silva e Ana da Silva
Povo indígena: Guarani Mbya
Estado: Santa Catarina
Categorias:Biografia, Etnias, Guarani Mbya, Estado, Santa Catarina
Tags:Guarani Mbya, Masculino, Santa Catarina
Trajetórias de Aristides da Silva e Ana da Silva
“Em direção à Morada de Tupã
Vamos erguer as mãos
Em direção à Morada do Karaí
Vamos dançar
Na direção onde nasce o sol
Vamos caminhar.”[1]
A conjunção território-territorialidade-territorialização é construída com base no movimento e experiências pessoais e familiares que transformam permanentemente Yvy rupa[2] e são por ele transformadas. O movimento oeste – leste de múltiplas famílias e grupos familiares, a ocupação litorânea, a proximidade do mar atlântico, os esforços para a vivência de nhande reko[3] e para o alcance de aguyje[4] e de Yvy maraey[5], se efetiva com as suas interpretações e ações.
A trajetória aqui relatada tem o propósito de amalgamar pensares e fazeres singulares, pertencentes a tempos e lugares diferenciados. Consubstancia experiência exemplar ao entendimento quanto à tradicionalidade dinâmica de grupos familiares Guarani Mbya no litoral de Santa Catarina.
Aristides da Silva, casado com Ana da Silva[6] e posteriormente a sua morte com Jurema da Silva[7], oferta quatro décadas de história no litoral brasileiro, assumindo proeminência o de Santa Catarina. Ocupou o local posteriormente nominado Tekoa[8] Tarumã (localidade de Corveta, município de Araquari/SC) em meados da década de 1990 – após ocupação da área na década anterior, inscrevendo textura constituída de drama e perseverança.
As famílias de Luiza e Milton da Silva (irmãos de Ana e Jurema da Silva) imprimiram atualidade ao evento-movimento mitológico-cosmológico de recriação do mundo, ontológico de superação da condição humana e temporal de postergação do tempo futuro, ocorrido a partir de Tekoa Mirĩ Ju (localidade de Amâncio, município de Biguaçu/SC), em 2002.
Escrever sobre Aristides da Silva e Ana da Silva, assim como a família extensa das irmãs Ana e Jurema, significa imergir na e fazer emergir a distintividade mbya ante a sociedade envolvente.
Conheci Aristides e Ana, assim como Jurema e Miguel Veríssimo[9] em 1996, no contexto do mapeamento guarani no litoral de Santa Catarina[10] (UFSC) e do Estudo de Impacto Ambiental da duplicação da BR 101, trecho norte[11]. Aristides da Silva apresentou-se então com idade aproximada de 61 anos e com o nome Aparício, embora posteriormente tenha esclarecido chamar-se Aristides. Explicou que Aparício era o nome do irmão já falecido, mas que passara a usá-lo. Nunca mencionou outro sobrenome, mas em relatório da Funai da década de 1980 no RS está designado com o sobrenome Benites. Não se trata de uma exceção, visto que ocorrem trocas de nomes e sobrenomes, seja em português ou espanhol, sobrenomes de parentes escritos nas duas línguas[12], parecendo ser esse um aspecto secundário,[13] o oposto do que ocorre com relação ao nome-alma guarani, esse sim essencial, advindo das divindades por intermédio dos karai rezadores. Também os apelidos possuem sua importância, pois que caracterizam e distinguem as pessoas nos grupos e entre os grupos, dado que o repertório de nomes guarani é bastante reduzido.
Wera Mirĩ, o nome-alma de Aristides é proveniente da divindade Tupã Ru Ete (cuja morada situa-se a oeste). Kerechu, o nome de Ana, é originário de Karai Chy Ete (cuja morada situa-se a leste). A relação entre nome-alma, sua região/morada de origem e função social foi elaborada por Ladeira (1992), segundo a qual: “O êxito de um casamento depende também das almas dos cônjuges. A escolha dos parceiros deve ser feita segundo a proveniência da alma” (idem:133). Os Mbya “articulam o sistema de atribuição dos nomes em função das necessidades sociais e políticas de cada tekoa. Para prosperidade do tekoa, para reconhecê-lo como yvy apy, para se atingir yvy maraẽy é preciso (…) empenho coletivo, empenho este que está de forma bastante nítida relacionada com a origem das almas dos integrantes de cada família, e do tekoa como um todo” (idem:136). É demonstração de complementaridade.
Os diferentes papéis masculinos e femininos (…) são regulados pelos próprios Nheẽ ru ete e nheẽ xy ete (pais e mães das almas respectivamente) que retêm as almas em sua região, conforme o sexo. As características pessoais como traços de personalidade, certas habilidades e a função social do indivíduo são condicionados pelos pais e mães das almas de cada região de onde é proveniente a alma-nome e são peculiares e compatíveis, de acordo com a região, tanto às almas femininas como às masculinas (idem:141).
Com entrada situada à beira da BR 101 (km 64-65), em Araquari, a pequena aldeia, que passou a ser conhecida como Corveta (homônimo da localidade), chamou atenção pela localização e dificuldade de acesso em dias chuvosos, quando havia necessidade de ser percorrido um trecho alagado. Em 1998 passou a ser denominada Tekoa Tarumã, nome dado por Aristides em razão da existência de uma árvore tarumã, ao lado da qual construiu sua casa, denotando a sua inscrição no lugar, a decisão de permanência. A maneira discreta e afável de receber fazia parte desse lugar, o que sucede até o presente momento, após a ocupação de outra família extensa, os Moreira.
A morte de Ana, ocorrida em dezembro de 2001, trouxe consigo a perplexidade, acentuando a reflexão sobre e vulnerabilidade dos Guarani Mbya na região. Atropelada na BR 280, em frente à aldeia Piraí, Ana partiu repentinamente, entalhando inconformismo, impotência e saudade, que permanece. Jurema, a filha que a acompanhava, testemunhou o acidente. Em período final de gestação, no dia seguinte deu a luz ao menino Antonio sem a ajuda de sua mãe-parteira.
Pouco tempo depois Aristides casou com Jurema e duplicava-se nessa união forte cumplicidade e reciprocidade. Ambos ampararam-se e fortaleceram-se em proposições e ações concernentes inclusive ao processo de regularização fundiária da área.
1998 – Ana da Silva e Aristides da Silva/ 2001 – Ana e Jurema da Silva/ 2003 – Jurema e Aristides
As vidas de Ana, Aristides e Jurema traduzem o permanente esforço para vivência da tradicionalidade mbya. São existências embebidas em esperança de efetividade das crenças em meio à acentuada precariedade material cotidiana, indefinições e também recomposições. Representam a tenacidade em meio à adversidade.
Aristides e Ana, nos encontros, eram atenciosos. Participaram com solicitude de trabalhos como o mapeamento da presença Guarani em Santa Catarina e das pesquisas de campo para o relatório do Estudo de Impacto Ambiental da duplicação do trecho norte da BR 101 em 1996, acolheram os participantes do encontro de representantes e lideranças em abril de 1997, colaboraram nos trabalhos de campo do GT da Funai de 1998[14], esperançosos por definições governamentais. Em 2002 e 2003, quando dos estudos anteriores ao segundo GT e os trabalhos de campo deste[15], Aristides e Jurema atuaram em conjunto, prestimosos. Estavam sempre prontos para atuar com equipes com distintas pretensões ou objetivos, atentos e incansáveis salvaguardadores dos seus direitos territoriais e étnicos.
Aristides costumava participar de reuniões e encontros no litoral de Santa Catarina, inclusive os relacionados à duplicação da BR 101, ou mesmo em aldeias mais distantes, avaliando as dificuldades da atualidade, as perspectivas do tempo porvir. Em 2001, por exemplo, Aristides e Ana participaram do I Encontro sobre Educação Escolar Guarani da Região Sul – Litoral[16], oportunidade em que ambos reencontraram vários parentes.
No inverno de 1998, no contexto dos trabalhos de campo do GT de identificação, propus a Aristides e Ana relembrarem e compartilharem sua trajetória, o que descortinou um exercício de reflexão compartilhado: para ambos em termos de memória e oralidade, para mim como estudo-aprendizagem.[17] Apesar de somente Aristides falar em português, era perceptível que ambos estavam preparados para uma narrativa uníssona, pois que Ana acrescentava suas lembranças em guarani e também era indagada por Aristides[18]. Lado a lado, cresciam em intensidade nas memórias e demonstravam a complementaridade masculina e feminina presente em sua trajetória. Falaram de suas andanças, da procura de áreas de ocupação e da insegurança diante das dificuldades para permanência e plantio, sentimento comum a tantas outras famílias Guarani Mbya conhecidas. A trajetória foi recriada e refletida com expressiva afinidade entre ambos. “A narrativa, como atividade reflexiva, é um processo de conhecimento que emerge da ação e da experiência e busca dar sentido a eventos anteriores” (Ciccarone, 2001:146).
Aristides e Ana nasceram no oeste de Yvy rupa, em localidades próximas ao rio Peperi-guaçu, difíceis de definir com exatidão, mas arroladas por eles como sendo São Miguel d’Oeste e Itapiranga, ambos municípios do extremo-oeste de Santa Catarina, fronteira com a Argentina. Aristides não sabia precisar se o pai nascera no Paraná ou em Santa Catarina, mas relatou que quando criança já se deslocava com sua família, e lembrou de aldeias situadas nas TIs Mangueirinha (PR) e Guarita (RS)[19], onde conheceu Ana. Recordou também que trabalhavam na colônia, o que ocorre com famílias Guarani no extremo oeste catarinense.[20] Uma de suas viagens ao oeste tinha o objetivo de reencontrar o pai que morava em área próxima ao rio Peperi-guaçu. Nessa região casou-se posteriormente com Ana, que então já era mãe de Teresa (falecida). Não demorou a terem o primeiro filho, Algemiro, criança de colo quando Antonio da Silva, pai de Aristides, adoeceu. Antonio, antes de “ir embora pro Nhanderu”[21], lhes explicava que não poderiam ficar ali, que precisariam sair e chegar perto do mar, yy guachu (água grande), como expressou, mas que para isso tinham que se preparar. De acordo com Aristides, os Guarani que viviam no oeste comentavam da existência de “terras do governo” ou “terras públicas” situadas a leste do território, terras que teriam que procurar e que poderiam ocupar de acordo com os seus preceitos. Terras nas quais “era para viver o Guarani”. A avaliação dos Guarani naquele tempo era a de que no litoral não havia perigo para ocupar e morar. E que poderiam “viver separadinho”[22] na Mata Atlântica.
Esses dados lhes compunham um imaginário propício e nutriam a esperança de existir na costa de conformidade com o nhande reko. À razão mito-cosmológica fortalecida pelo pai, certamente se somaram outros fatores deflagradores do deslocamento, como os crescentes desmatamentos e avanço da presença dos não indígenas, aspectos que dificultavam a permanência dos Guarani no oeste. Aristides guardou as orientações do pai e seus posteriores sonhos como basilares em sua decisão.
Após a morte do pai, Aristides teve clareza que estava destinado a iniciar a caminhada oeste-leste, que tinha que ser “devagarzinho”. Pararam em Guarita por cerca de três anos. “Lá fizemos a igrejinha[23], igrejinha só para nós assim (…) para rezar para o Deus. O pai também mandou mesmo assim, então não esqueço para levar a vida, a vida boa, a vida da criancinha também, que está sofrendo, (…), porque a gente reza para o Deus, pede para andar certinho, levar bem a vida, isso que nós temos no pensamento.” As mensagens oníricas foram conferindo-lhes maior certeza da orientação de Nhanderu, antecipada pelo pai.
Neste ínterim, reuniu-se a eles em Guarita a família dos pais de Ana: Liberato da Silva (Karai) e Macimiana Esquivero (Tatati)[24], reencontrando-se Ana também com os irmãos: Júlio, Jurema, Lúcia, Luiza, Sueli e Milton, todos nascidos na região do rio Peperi-guaçu, entre Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Misiones.[25]
Teresa da Silva, a filha mais velha de Ana, relatou em 1987[26] que seus avós maternos deixaram a Argentina porque havia sido derrubado muito mato e que não queriam se misturar com o “branco”. “De fato, constata-se que até o início da década de 70 os Mbyá puderam manter-se praticamente isolados nas selvas missioneiras (…). A partir deste período percebe-se uma rápida mudança na paisagem geográfica e humana da região” (Garlet, 1997:67).
Somam-se a essa conjuntura provavelmente as notícias advindas de parentes que migraram ao litoral brasileiro, dificuldades de subsistência e autonomia em áreas kaingang (como é o caso de Guarita) e nos aldeamentos fora delas, sobressaindo-se os contundentes motivos de ordem mito-cosmológica, ocorrendo a multifatorialidade deflagradora para o deslocamento oeste-leste, como avaliado por Garlet (1997) em relação aos grupos Mbya.
Em Guarita a família extensa seguiu plantando “milho, melancia, tudo o que nós temos” e rezando. Ali nasceu Jurema, filha de Aristides e Ana. Liberato e Macimiana também sonhavam com a orientação para o leste e para concretizá-la produziram artesanato com o objetivo de juntar dinheiro para a viagem. Seguiram para Porto Alegre e de lá para a aldeia Cantagalo (Viamão/RS), onde viveram. “Não tinha dinheiro para viagem longe. Os sogros vieram na frente e nós ficamos atrás. Jurema [irmã de Ana] veio junto com os pais. A sogra mandou ir atrás. Juntar o trocadinho para ir. Não tem passagem livre, é a nossa custa. O sogro também mandou um pouco de dinheiro para juntar, ir até Porto Alegre.”[27]
Aristides e Ana ainda permaneceram em Guarita por mais um ano e seguiram na mesma direção. Era provavelmente o ano de 1974 quando aconteceu o que foi comum a outras famílias extensas: o reencontro familiar no litoral rio-grandense e o encontro com a esperança de conseguir viver em “terras do governo”, “terras públicas”. Ana deu curso à matrilocalidade, seguindo e/ou acompanhando sua família extensa, ocorrendo movimento recíproco, uma vez que, por vezes, o restante ou parte do grupo se integrava e acompanhava a família nuclear de Aristides e Ana.
Francisco Timóteo Kirimaco e Benito de Oliveira[28] já circulavam pelo litoral do Rio Grande do Sul na época, mencionados por Aristides e Ana como “caciques fortes”, apontando também as famílias dos irmãos Atanásio e Feliciano Benite já vivendo no litoral gaúcho. Gradativamente as áreas de Cantagalo, Pacheca e Barra do Ouro passaram a ser referência aos Guarani que efetivaram o deslocamento oeste-leste.
A chegada dessas famílias Mbya na parte leste do território passou a descortinar uma infinidade de inesperadas dificuldades e sofrimentos, relacionados, sobretudo, às dificuldades de ocupação de áreas florestadas e de plantio. Estar e viver no litoral impôs provações anteriormente impensáveis, a iniciar pela constante insegurança alimentar. Ainda assim não houve em décadas qualquer intenção de retorno ao oeste, exceção feita quando de visitas. A permanência no litoral era-lhes irreversível, determinada pelos motivos mito-cosmológicos. Essas famílias extensas, assim como tantas outras anterior ou posteriormente a essa época (início da década de 1970), principiaram esforços no leste para viver de conformidade com os antepassados, com autonomia, em áreas florestadas. Ensejaram contatos e ações junto aos “brancos” no Rio Grande do Sul para o cumprimento desse objetivo. “Vantagens ou desvantagens a parte, quem sai da Argentina não tem a menor intenção de regressar. E, realmente não há retornos, embora comumente visitem os seus parentes do outro lado da fronteira. Da mesma forma, as famílias que se dirigem às regiões mais ao norte do Brasil, excepcionalmente voltam para o Rio Grande do Sul com o objetivo de se restabelecer” (Vietta, 1992:165).[29]
De acordo com Venzon (1990-1993), a presença mbya no RS data do século XIX, assinalando várias áreas ocupadas, dentre elas o Toldo Santa Rosa e o Toldo Santo Christo, discriminados pelo Estado para índios Guarani Mbya provenientes de aldeias do Paraguai ou de Misiones.
A destinação das terras Guarani-Mbyá à colonização – polonesa, em Santo Christo, cabocla, alemã e italiana em Santa Rosa (SIMONIAN, 1980) –, possivelmente em função da recusa dos índios ao abandono de sua vida tradicional, resultou na ‘fuga’ de parte dos Guarani de Santo Christo para Guarita e Argentina, em data desconhecida; e na expulsão em 1922 dos Guarani de Santa Rosa, que tomaram os mais diversos destinos, como Paraíso (na Argentina), Mangueirinha e Rio das Cobras (no Paraná) ou mesmo Guarita. O primeiro cacique Guarani de Guarita é Atanásio Oliveira (que antes residia em Santa Rosa) (idem, ibidem), tornando-se esta área, desde então, ponto obrigatório de passagem aos indígenas provenientes de Misiones, à procura de seus parentes (GOMES, 1989) (idem:170).
Venzon sublinha a intensificação do fluxo migratório oeste-leste dos Mbya em fins da década de 1960, quando diversos grupos seguiram as rotas de migração do início do século XX. Ladeira (1991) observa que esse fluxo havia se mantido, mencionando que
os movimentos migratórios têm se acelerado ultimamente e atraído, ao litoral do Brasil, muitos Mbya de Misiones (Argentina) e do Rio Grande do Sul que consideram a Mata Atlântica o lugar ideal para se estabelecerem. Para alguns Mbya que já definiram seu lugar há algum tempo, esses novos movimentos são extremamente religiosos, revelando certo fanatismo, se pensarmos que algumas famílias acampam meses seguidos em lugares altamente perigosos como à beira da estrada BR 101, conhecida no país como a Rodovia da Morte devido aos inúmeros acidentes fatais, sem água potável e condições de plantar (idem:22).
O deslocamento de Aristides e Ana foi um desses movimentos e integrou o cenário no RS, apontado por Vietta (1993): nas décadas de 1960-1970 os Mbya eram menos de cem pessoas, no início da década de 1990 já somavam cerca de mil pessoas, uma ampliação derivada, sobretudo, das migrações de Misiones ao litoral do RS.
Sentados no pátio de sua casa, Aristides e Ana buscavam recompor a vida pregressa, transportavam-se em pensamento, presentificavam-na no momento presente. Rememoraram que entre Cantagalo e Gruta viveram debaixo da ponte do rio Capivari, local de nascimento da filha Rosana. Dali retornaram a Cantagalo, de onde se deslocaram para Itapoã, na Lagoa dos Patos, tida como “terra do governo”, onde estava Benito de Oliveira, que mandou chamá-los. Lá “… tem muito pindo [palmeira], tem caça, tatu, paca, é bom para viver, mas só que para plantar era muito vento (…) todo dia quase não pára o vento, aí resolveu meu sogro que tinha que mudar de novo.” Santos (1975), ainda que não tenha mencionado nomes de lideranças políticas ou religiosas, referiu a presença de grupos Guarani em Cantagalo em 1973 e na Lagoa dos Patos em 1974, anotando Luiz como um dos moradores, nome que Aristides e Ana mencionaram várias vezes durante seu relato, pois era cunhado, o primeiro marido de Lúcia.
Da Lagoa dos Patos voltaram para Cantagalo e logo ocuparam novamente a ponte do rio Capivari. Das duas vezes que ali permaneceram, viveram em completa penúria: “Puxa vida, aquele tempo de chuva e frio, e não tinha lenha.” E lembraram da enchente: “… a água está pertinho, já vai alcançar onde tem que fazer um fogo, a cama, assim, e vento e frio, não dá para vender balaio, já não tem mais alimento…” Em Osório nasceu o filho Albino da Silva, que veio a falecer oito meses depois.
A família extensa de Liberato e Macimiana em várias ocasiões se dispersava para se reunir algum tempo após: diante de dificuldades de várias ordens, as famílias separadamente procuravam áreas para prover sua subsistência, comunicavam-se e chamavam os parentes quando reuniam melhores notícias e perspectivas de vida. Essa tarefa geralmente cabe a um componente da família, nesse caso, muitas vezes desempenhada por Luiz. Segundo o relato, quando estavam debaixo dessa ponte pela segunda vez, uma senhora se dispôs a revender sua cestaria em maior quantidade. Aristides explicou-lhe que teria dificuldade de trabalhar e manter o artesanato em boas condições debaixo da ponte, em razão da umidade, e indagou da possibilidade de um lugar para viver. Passaram então a ocupar um “galpão do prefeito”, como se referiram às cocheiras do Parque de Rodeios, em Osório, pois que essa pessoa lhes dizia ser funcionária da prefeitura municipal. Aristides e Ana a princípio queriam que a condição de acampamento fosse provisória e diante da permanente instabilidade, medo e privação nos diferentes locais de ocupação, entenderam ser fundamental investir esforço político para a garantia de área para viver. Procurou conversar com o prefeito para assim lhe expor: “Porque nós somos Guarani, nós precisamos algum pedaço de terra, algum canto de terra, um pedacinho de área assim. (…) Porque Guarani sem plantar não passa, nós temos sementes do Guarani, então essas que não posso perder.”
Os contatos junto ao poder público municipal de Osório resultaram na possibilidade de ocupação da localidade denominada Gruta, em Osório (hoje município de Maquiné). Na Gruta, situada “em frente ao extremo nordeste da TI Barra do Ouro” as famílias “foram acolhidas por moradores locais até reunirem as condições para subir o morro e estabelecerem-se nas terras indicadas pelo governo do Estado. Este lugar tornou-se importante para as famílias que chegaram à TI Barra do Ouro, dela saíam, ou, ainda, buscavam trabalho nas lavouras dos agricultores do vale do Maquiné. O local, portanto, está intimamente vinculado à TI Barra do Ouro” (Darella, Garlet & Assis, 2000:159). A partir de Gruta ocorreu a ocupação de Barra do Ouro com concessão do governo estadual, passando a testemunhar presença ininterrupta de famílias Mbya desde 1977, marcada por conflitos com grupos empresariais e/ou pretensos proprietários.[30]
Ao litoral do RS deslocavam-se mais e mais grupos provenientes do oeste e no final da década de 1970 já se registravam atuações da ANAÍ[31] junto aos Mbya. Posteriormente a Funai encetou iniciativas em relação ao acompanhamento dos grupos familiares ali aldeados e ao processo demarcatório de algumas áreas. Ebling (1981) relata a respeito de duas áreas: Gruta e Pacheca (Camaquã). Nele explicita que na primeira vivia um grupo composto por vinte e uma pessoas, liderado por Aristides que lhe expôs a necessidade de garantir a área como indígena. Mais de vinte anos depois desse contato, Aristides lembrou e confirmou essa postura. Na segunda área vivia a família extensa de Benito de Oliveira, na qual: “Os índios foram peremptórios em afirmar que não querem viver em P.Is [Postos Indígenas], nem que a FUNAI demarque a área em que estão porque não sabem por quanto tempo ali vão ficar (estão em processo de movimento messiânico)” (idem:4).
Parece que à medida que os Guarani Mbya alcançavam o litoral, mas não seus intentos religiosos em curto espaço de tempo, começaram a perceber e paulatinamente expressar a necessidade de garantia/demarcação de áreas, sinônimo de segurança para permanência em locais de mata visando períodos mais dilatados. Essa postura ainda angariava exceções, pois algumas lideranças religiosas continuavam resistindo ao processo, como o próprio Benito, que até o momento não se envolve com a regulamentação das áreas que ocupa, embora concorde ser uma tarefa a ser realizada pelas gerações descendentes. A postura em prol da regularização fundiária para os Mbya no RS se conecta às atuações da ANAÍ, CIMI[32] e PMG[33] nas décadas de 1970, 1980 e 1990.
Da Gruta ocorreu, portanto, a entrada e permanência em Barra do Ouro, de onde os pais de Ana tomaram a direção de Morro dos Cavalos, no litoral de SC, onde viveram por algum tempo. Aristides e Ana seguiram para o litoral paulista provavelmente em 1983, passando por algumas áreas guarani como Rio Branco (Itanhaém, São Vicente, São Paulo), Itariri (Itariri), Rio Silveira (São Sebastião, Bertioga) e Boa Vista (Ubatuba), em visita e à procura de parentes de Aristides. Lembraram do apoio recebido na época por integrantes do CIMI.
Reencontraram os pais de Ana em Ubatuba, aldeia na qual, segundo Teresa[34], houve um episódio de “brancos” quererem que as mulheres ficassem nuas para a televisão e fotografias, lembrando que a mãe e a avó se esconderam no mato para não se submeterem a isso. Relatou também que os “brancos” davam cachaça para as mulheres.
De Ubatuba/SP, Ana e Aristides saíram diretamente para as cercanias da cidade de Tubarão/SC e seguiram para a localidade de Morro Azul, em Jaguaruna, município próximo, no litoral sul catarinense, não mais retornando ao RS. Aristides explicou que Sueli (irmã de Ana) e seu marido Dionísio haviam encontrado aquele lugar, passando assim a ser referência também para a ocupação de familiares. Em Jaguaruna, assim como em vários outros locais, o grupo se ampliou em razão da vinda de mais famílias. Aristides e Ana disseram que não gostaram de viver no litoral de São Paulo, contaram que se sentiam mais alegres no de Santa Catarina, por identificarem-se com o litoral.
Os sogros de Aristides seguiram do litoral paulista em direção norte e viveram na aldeia Boa Esperança (Tekoa Porã), em Aracruz/ES, também regressando posteriormente ao litoral catarinense. Milton e Luiza, irmãos de Ana, viveram alguns anos em Tekoa Porã.[35] Luiza morou também em Sapukai (Angra dos Reis/RJ) durante algum tempo. Em 2002, quando estava em Araçá, Milton contou sobre esse percurso, lembrando que haviam parado ainda na aldeia Barragem (São Paulo/SP). Permaneceu no ES e visitou os pais quando esses moravam no local denominado Corveta 2[36], em Araquari/SC.
O reencontro de boa parte da família extensa de Liberato e Macimiana ocorreu às margens do rio Piraí, em Araquari/SC, possivelmente entre 1986-1987. Tinham a referência do local habitado por Francisco Timóteo Kirimaco em 1983 – a aldeia Piraí, mas desocupado naquela época. Ocuparam uma ilhota fluvial e a seguir o espaço debaixo da ponte, onde ocorreu enchente. Dali passaram ao local denominado Piraí/Tiaraju, onde também estiveram Luiza e Milton. Aristides e Ana seguiram então para a Ilha da Cotinga (Paranaguá/PR), aldeia liderada por Jorge Rodrigues, parente de Aristides, retornando para Santa Catarina e morando um período juntamente com os pais de Ana em Corveta 2, para onde Liberato e Macimiana tinham sido levados por Terezinha e Iberê Duarte[37] e onde permaneceram por mais de dois anos, entre 1987 e 1989.
Corveta 2 em realidade era Tekoa Kuri’y,[38] denominação de Liberato em razão da existência de um pinheiro (Araucaria angustifolia). Kuri’y e Tarumã, duas árvores, dois lugares, duas aldeias em tempos diferentes, duas nominações feitas por homens.[39] Há nominações de aldeias feitas por mulheres: Maria Candelária, Tatati, havia designado sua aldeia no Espírito Santo como Tekoa Porã (aldeia boa, bonita) e Para’i (Maria Guimarães) nomeara a TI Cachoeira dos Inácios como Tekoa Marangatu (aldeia bem-aventurada, aldeia da harmonia). Nestes casos de nominação efetivada por mulheres kunha karai ocorreu o uso de adjetivos. Ciccarone (2001) sublinha que a nomeação remete ao rito feminino de dar a vida, de fundar a aldeia, de originar o mundo terreno através da caminhada.
De Tekoa Kuri’y, Aristides e Ana seguiram novamente para a Ilha da Cotinga.[40] Não estavam, portanto, em Tekoa Kuri’y em abril de 1989, local e época de atrocidades cometidas contra o grupo que ali vivia, que somava também a família de Artêmio Brizola, Carlos Lima e outras. No local ocorreram aliciamentos de mulheres, violências, queima das casas e expulsão das famílias.[41] De Balneário Barra do Sul/SC, onde foram literalmente despejadas de caminhão, as famílias dispersaram-se para locais situados em São Francisco do Sul/SC, Araquari/SC, Joinville/SC e outros, vivendo em condições de exacerbada precariedade. Corveta 2 foi o último local onde a família extensa se reuniu, após épocas de dispersão e confluência, um movimento em busca de sobrevivência e autonomia (o viver “separadinho”). Disse Aristides: “Aí depois já não parava mais certo, só parava um pouquinho, pouco tempo, um mês. E a gente nem sabendo estava, pensei que eles estavam bem, mas estavam sem terra, estavam sofrendo, puxa vida.”
Liberato da Silva e Macimiana Esquivero, Imagens do Vídeo Araquari, 1988.
Em 1996, no contexto dos trabalhos de campo para o EIA do trecho norte da duplicação da BR 101, Aristides e Artêmio Brizola (falecido) falaram dessa ocupação, mostraram os locais de suas casas e as cercas de taquara feitas por eles. Era a primeira vez que retornavam ao local após os acontecimentos de 1989, quando a área foi adquirida pela Companhia Têxtil Karsten[42] para plantio de eucaliptos, destinados ao funcionamento dos fornos da indústria. Em 1998, Aristides e Rogério da Silva Borges[43] indicaram exatamente onde fora construída a casa de reza, descrevendo-a e mencionando que Liberato era “rezador, curador, batizava as crianças”. Mostraram também onde fora edificada a casa dos seus sogros/avós, assim como a de Lúcia (responsável por zelar pelos pais e pela casa de rezas), de Sueli, de Júlio e de outras, os locais das roças, os caminhos, os lugares de pesca no rio Una[44]. Enquanto ali caminhava com os componentes do GT da Funai, Aristides constatou várias mudanças: “Naquele tempo não tinha cerca. (…) Em Corveta 2 tinha mais espaço, eram casas espalhadas e próximas às casas, as roças. Tudo era mato. O Guarani vai entrando em tudo que não tem cerca, no mato, para tirar bambu, taquara, madeira, e agora… O Guarani precisa de mato. Não tinha eucalipto plantado. (…) Nós estamos proibidos, eu não posso passar a cerca, o bicho não é assim.”[45]
Desde o oeste do RS, vários locais foram palco da reunião temporária da maior parte dessa família extensa como Guarita, Cantagalo, Itapuã, Barra do Ouro (RS), Ubatuba (SP), rio Piraí (SC), sendo Corveta 2 o último deles. Liberato e Macimiana, após a expulsão e novos deslocamentos, chegaram à Ilha da Cotinga, onde estavam Ana e Aristides, vindo Liberato a falecer pouco tempo depois, em 1990. É possivelmente o local e a época da morte do filho Algemiro, com mais de 20 anos. Algemiro sofrera anteriormente um acidente em Morro dos Cavalos, permanecendo com seqüelas, motivo de sua morte, segundo Aristides.
Buscaram novamente Santa Catarina. Entre Paranaguá/PR e Araquari/SC, a família extensa reuniu pessoas de quatro gerações, que acamparam debaixo da ponte do rio Sete Voltas (Garuva/SC) e posteriormente no lugar identificado como Curva do Arroz[46] (Joinville/SC). À beira da BR 101, em exígua área de domínio público, nesse lugar viveram também Francisco Timóteo Kirimaco, Artêmio Brizola e outros Mbya com suas famílias. Aristides e Ana lembraram que tiveram dificuldades com o pretenso proprietário do “potreiro” limítrofe, uma vez que este constantemente os ameaçava. Aristides a ele assim se reportou: “Ele assim: ‘se não sair vou amassar todo o barraco.’” Ao que Aristides respondia: “‘Não, calma que vamos, saímos.’ (…) ‘Não, calma que não vou levar a terra, a terra vai ficar para o senhor.’”
Curva do Arroz. É esse o local mencionado em dois artigos jornalísticos de 1993: “Guaranis vivem de forma precária na 101” e “Famílias ocupam áreas do DNER às margens da 101”, cujas fotografias retratam Jurema e seus filhos (filha e netos de Aristides e Ana). Seus textos notificam: “Ao longo da BR-101, muitas famílias de índios guaranis estão alojadas de forma precária. (…) Próximo a Joinville, duas famílias vivem nos 20 metros que separam a BR-101 e uma cerca de arame farpado de uma propriedade particular. ‘É um lugar meio ruinzinho para parar. A gente precisa de um lugar maior para poder plantar’, diz Aparício Silva , 62 anos”[47]. “O Cacique Aparício Silva estava bastante nervoso e com medo de ser expulso do local. Ele contou que no último sábado dois homens estiveram na área ameaçando seus familiares e determinando que saíssem”[48].
Saíram, como é comum entre os Guarani quando há pressão e ameaça. Da Curva do Arroz, Ana e Aristides seguiram novamente para a ponte do rio Piraí (BR 280) e posteriormente para Corveta (BR 101), local cedido por Terezinha e Iberê Duarte, a exemplo de Corveta 2, onde a família “entrou” em 1994 e viveu até o ano 2013. Passaram, portanto, a habitar nas proximidades da área onde haviam vivido e da qual foi expulsa a família extensa no final da década de 1980.
A trajetória da família extensa de Liberato da Silva e Macimiana Esquivero pode ser ilustrada com a apresentação do local e ano de nascimento de alguns de seus descendentes, como apresentado no seguinte quadro:
Percurso da família extensa de Liberato da Silva e Macimiana Esquivero entre Misiones/Argentina e Tarumã/SC a partir de nascimentos de integrantes no período de quatro décadas
Nome | Descendência de Liberato e Macimiana | Local nascimento | Ano nascim. |
Teresa da Silva | Neta | Misiones/Argentina | Desc. |
Algemiro da Silva | Neto | Misiones/Argentina | Desc. |
Jurema da Silva | Neta | Guarita/RS | 1970 |
Rosana da Silva | Neta | Osório/RS | 1974 |
Natália da Silva | Neta | Cantagalo – Viamão/RS | 1974 |
Márcia da Silva | Neta | Osório/RS | 1978 |
Sandra da Silva | Neta | Osório/RS | 1981 |
Joel Ramirez | Neto | Osório/RS | 1981 |
Rogério da Silva Borges | Bisneto | Osório/RS | 1981 |
Patrícia | Neta | Cananéia/SP | 1983 |
Adílio da Silva | Neto | Mboi Mirim – São Paulo/SP | 1984 |
Sonia Ramirez | Neta | Piraí – Araquari/SC | 1985 |
Ronaldo | Neto | Piraí – Araquari/SC | 1986 |
Cláudia da Silva | Neta | Piraí – Araquari/SC | 1987 |
Cristina | Neta | Corveta 2 – Araquari/SC | 1987 |
Cláudio | Neto | Corveta 2 – Araquari/SC | 1988 |
Euzébio | Bisneto | Jaguaruna/SC | 1988 |
Nélson Ramirez | Neto | Corveta 2 – Araquari/SC | 1989 |
Marçal | Neto | Reta – São Francisco do Sul/SC | 1989 |
Roberto da Silva | Bisneto | Ilha da Cotinga – Paranaguá/PR | 1991 |
Rafael da Silva | Bisneto | Rio Piraí – Araquari/SC | 1994 |
Luiza Ramirez | Neta | Corveta/Tarumã – Araquari/SC | 1994 |
Adilson Gonçalves | Bisneto | Rio Piraí – Araquari/SC | 1996 |
Fábio Oliveira | Neto | Corveta/Tarumã – Araquari/SC | 1996 |
Marisa | Bisneta | Corveta/Tarumã – Araquari/SC | 1996 |
Marina G. da Silva Borges | Tataraneta | Mbiguaçu – Biguaçu/SC | 1997 |
Cristiana | Bisneta | Tarumã – Araquari/SC | 1998 |
Rodrigo | Bisneto | Tarumã – Araquari/SC | 1999 |
Flávia | Bisneta | Tarumã – Araquari/SC | 2001 |
Antonio | Bisneto | Tarumã – Araquari/SC | 2001 |
Lucas | Bisneto | Tarumã – Araquari/SC | 2003 |
De um total de trinta e um nascimentos de descendentes de Liberato e Macimiana dos anos 1970 ao início dos anos 2000, dois ocorreram em Misiones/Argentina e vinte e nove no Brasil. Desses, vinte e oito ocorreram no litoral sul-sudeste: seis no RS, dois em SP, um no PR e dezenove no de SC, dos quais três em Tekoa Kuri’y (Corveta 2) e oito em Tekoa Tarumã (Corveta), a aldeia onde Aristides da Silva viveu durante cerca de 20 anos.
Tarumã, com o passar do tempo, passou a constituir polo da presença guarani no litoral norte catarinense, região de onde se alastrou nova expansão e fortalecimento da ocupação guarani, assim como acontecido com Massiambu (Palhoça/SC) no litoral centro-sul, com Augusto da Silva (falecido) e Maria Guimarães.
Após viverem em dezoito locais situados na costa leste do RS, SP, SC, PR, SC, PR e novamente SC, sendo que em alguns por mais de uma vez, Aristides e Ana enfatizaram a pretensão de permanecer no litoral de Santa Catarina. A indefinição fundiária somada aos problemas no âmbito do processo demarcatório constituíram o pano de fundo das inúmeras dificuldades atravessadas, sendo que aos poucos, em Tarumã, mesmo com todas as provações (mortes, incêndio, exigüidade da área, carência de mata e recursos florestais etc.), Aristides e Ana, e posteriormente, Aristides e Jurema, se fortaleceram na busca pela garantia de área para continuar Mbya. Assim, os tempos de estada embaixo de pontes, à beira da BR 101, de favor de proprietários, dentre outros, poderiam em algum tempo encontrar fim.
Em três décadas, de Misiones a Tarumã, Aristides e Ana empreenderam seu movimento no território, que pode ser traçado mentalmente na geografia guarani.
Em julho de 1996, vivia com Aristides e Ana a filha Teresa, que havia contraído AIDS e encontrava-se em estado terminal. Tinha procurado tratamento com xamãs, viajado para outras aldeias na tentativa de encontrar determinadas plantas medicinais que aliviassem seu sofrimento e, por fim, decidido morrer junto à família, na aldeia, ao invés de retornar ao hospital. No mês seguinte, agosto, Teresa já não se encontrava mais. “Desapareceu”, confirmou sua irmã Rosana, utilizando a expressão recorrente para a morte. Teresa vivera desaldeada por vários anos, ficou com “branco” e “misturou o sangue”, o que não foi aceito pela família, sendo-lhe tirado o nome guarani Kerechu. Tivera apenas o filho Rogério e ambos viveram temporariamente em Morro dos Cavalos em 1987, quando ali se encontravam as famílias de Rosalina, Lurdes e Nadir Moreira. No vídeo Índios Guarani no Morro dos Cavalos se vê brincar o menino Rogério, seu filho, que anos mais tarde, durante os trabalhos de campo do GT de 1998, acompanhou caminhadas, complementou dados, desenhou a aldeia de seus avós, onde passara a viver: Tarumã. Estava então com dezessete anos e era pai de Marina Gonçalves da Silva Borges, nascida no ano anterior quando a família extensa de Marcílio Gonçalves e Juliana da Silva Euzébio (avós maternos de Marina) viviam na aldeia de Mbiguaçu (Biguaçu/SC) e Rogério trabalhava nas obras da passagem subterrânea em frente à aldeia, parte do projeto de duplicação da rodovia BR 101.
Rogério da Silva Borges.
Tekoa Tarumã situa-se a 14 km do mar. Insere-se em região de relevo plano, muito baixa e inundável, com banhado e tabuleiros, de solo arenoso e baixa fertilidade, com mata secundária e distribuição regular de chuvas, conforme Paulo Spyer Resende (2000), agrônomo do GT de 1998. Está em área de predominância da unidade geomorfológica denominada Planície Marinha e formação florestal Restinga Arbórea ou Mata de Restinga no seu interior e entorno, com a maior parte dos ambientes classificados pelo grupo local como kaaguy karapeí (formações florestais em estágios médio, médio a avançado e avançado de regeneração) (Felipim, 2004). Nesse espaço ocorrem as atividades agrícolas “tradicionalmente manejadas dentro de um sistema de corte e queima (…), plantio, colheita, pousio e/ou abandono da área cultivada até que, novamente, a cobertura vegetal nativa se estabeleça de novo no local seguindo sua lógica sucessional natural” (idem:36).
Em 1996 Aristides sentia-se inseguro quanto à possibilidade de permanência no local, sentimento que se agravou com o incêndio de sua casa numa madrugada daquele inverno, conseguindo salvar as crianças que dormiam. Quando dos trabalhos do primeiro GT de identificação e delimitação da Funai, em 1998, e em parte devido a ele, estava mais fortemente investido da liderança política, com responsabilidade de garantir terra para sua família viver, reforçando então ser oportuna a demarcação de área maior, com mata, o que incluía Corveta 2, posição constante do relatório de Ladeira, Darella e Ferrareze (1996). “Eu quero ficar mesmo aqui nessa terra. Dá para segurar. Cada vez os índios estão aumentando. O Guarani agora sem terra fica atrapalhado, se tiver terra demarcada fica melhor. Nós queremos mato. (…) Demarcar é o mais importante para mim. Preciso de terra, aí dá para plantar o que eu preciso. Eu gosto de plantar.”[49] Falava também da importância de selecionar e conservar “as sementes do Guarani”, consideradas as sementes verdadeiras.
Encontrando-se a área em início de processo demarcatório, Aristides em 1998 usava apenas estreita faixa para as casas e roças[50], tendo dificuldades para as práticas da pesca, coleta, caça, manejo agroflorestal. Na época cultivavam milho, cana de açúcar, amendoim, melancia, feijão, mandioca, batata-doce, abóbora e tabaco, algumas plantas medicinais, frutíferas como bananeiras, mamoeiros, pitangueiras, laranjeiras e goiabeiras e plantas ornamentais. Para a sobrevivência somavam confecção/venda de artesanato, principalmente balaios de taquara, vendidos à beira da BR 101 ou em Joinville, Araquari, Itajaí e Jaraguá do Sul/SC; diminuta pesca pluvial (traíra, bagre, cará, piava); inexpressiva coleta de mel, cera, plantas medicinais, frutos, folhas, larvas, lenha etc.; pequena criação de galinhas; caça rudimentar de aves (inambu e jacu) com auxílio de arapuca e de pequenos mamíferos (tatu, cotia, quati, paca) com mundéu, armadilha; trabalhos ocasionais a regionais; eventuais doações ou cestas básicas.[51] As casas eram em número de três para o abrigo de cinco famílias, somando vinte e quatro pessoas. Logo começaram a construir mais duas com a utilização de madeira, taquara, barro, folhas de palmeira, cipó imbé.
A trajetória de Aristides e Ana registra penúria e sofrimento. Na mesma medida, comporta persistência e determinação. Aponta para a necessária, urgente e solicitada regularização fundiária, uma posição que amadureceu com o passar dos anos, cresceu desde os trabalhos do EIA em 1996 e requer garantias para o futuro. O casal permaneceu no mesmo local, apesar das indefinições e temores, sendo referência às múltiplas passagens, visitas e estadas de parentes e amigos, à mobilidade e segurança dos mais jovens, preocupação que cresceu em maio de 1998 com o assassinato de Claudemir Brizola (ex-marido de Rosana, filha de Aristides e Ana), por um “branco” que passara a noite na aldeia Piraí.[52] Esse caso amedrontou e indignou os Guarani sobremaneira, instando-os a refletirem com mais agudeza sobre sua situação de grande vulnerabilidade nas áreas.
Os Guarani foram convidados a entrar na área de Corveta/Tarumã e ocuparam-na tradicionalmente. Muitas vezes externaram suas inquietações face a esta situação de indefinição. Embora, por vezes, quisessem sair, não sabiam para onde. Sua permanência deveu-se em grande parte ao processo demarcatório, no bojo do qual avistavam novos horizontes de garantia de área com dimensões e condições mais favoráveis à existência.
Não somente as rodovias, principalmente as BRs 101 e 280, pulsaram na vida de Aristides nos últimos anos, mas também as relações intersocietárias (sociais, econômicas, políticas, jurídico-legais, administrativas), as intervenções de instituições governamentais e não governamentais na área. Entre 1996 e 2003 avolumaram-se acontecimentos relacionados ao processo de regularização fundiária da área Corveta-Tarumã, um tempo de incertezas em que a perspectiva de garantia da área foi tomando mais e mais vigor e no qual Aristides e Ana e, posteriormente, Aristides e Jurema, se posicionaram numa gradação que vai de prudência a desempenho com afinco e vigor. Em 2003, durante o novo GT de identificação da Funai, indagado sobre a importância de demarcar a terra de Tarumã, respondeu: “É para deixar reservado. Tem que demarcar terra para não ficar com medo, tem que ser terra do Guarani mesmo, para entrar caçar, pescar, não precisar tirar licença com o dono. Por que é nosso, qualquer lugar entra. Para não ficar com medo tem que ser terra que fica demarcada para mim. Aí fica bom para mim. Tem parente. Vou ficar aqui.” Indagado também sobre a razão de procurar o mar, falou: “Importante morar meio perto. (…) Dá pra dizer que é mais perto de Yvy Marã’eỹ, Yvy Porã, onde não acontece castigo.”
Em 2003, Adriana P. Felipim, ambientalista do GT, identificou os cultivos guarani de milho, cana, porunga, fumo, lágrima de nossa senhora, batata-doce. “Segundo informações do chefe da família local [Aparício], algumas plantas hoje mantidas na TI Tarumã foram repassadas pelos pais de sua ex-mulher e atual mulher, outras foram obtidas com parentes residentes em outras aldeias” (Felipim, 2004:39). A autora anota que “além dos cultivos ‘sagrados’, ‘verdadeiros’, muitas outras plantas cultivadas provenientes do ‘meio externo’ são plantadas nas aldeias Guarani. Na TI Tarumã pode ser visto nas áreas de roça os seguintes cultivares de origem externa: aipim, variedades de batata doce, abóbora, frutíferas em geral, entre outras” (idem:39).
Tekoa Tarumã, em agosto de 2003, contava com dezoito pessoas, compondo quatro famílias. Durante os anos anteriores, Aristides não construíra a casa cerimonial ou fabricara o rave (instrumento musical de corda, espécie de violino), efetivações então orgulhosamente apresentadas. A “rabequinha”, como carinhosamente denominou o instrumento, tinha sido esculpida em madeira para para’y.[53] Quis que eu escutasse músicas cantadas em guarani por Jurema e Júlio (cunhado), gravadas em fita k-7. Seu conteúdo centrava-se no mar e na Terra sem Males. Mencionei os CDs que conhecia. Aristides e Jurema denotavam serenidade e confiança, contaram que cantavam e rezavam à noite, um contexto distinto do de 1996, quando Aristides havia se queixado que não podiam cantar alto nos rituais noturnos, pois ouviam reclamações de vizinhos “brancos”. Temeroso de represálias ou chacotas se resguardou. Anos depois, voltavam a reacender-se não somente as vozes, mas também os preceitos culturais e a autoconfiança. No mesmo lugar, porém com novo ardor.
Naquele mês de novembro era possível verificar plantação de milho, abóbora, feijão, mandioca, batata-doce, fumo, além de banana, goiaba, mamão e laranja, dentre outros cultivos. Aristides e Jurema, embora consternados com a morte súbita de Artêmio Brizola (Piraí), a quem já conheciam há muitos anos, seguiam com ânimo e grande esperança de obtenção de resultados positivos em relação à demarcação de uma área extensa, vislumbrando melhor qualidade de vida em breve.
Em 2003 haviam passado sete anos desde a elaboração do relatório EIA, relativo ao projeto de duplicação da BR 101 trecho norte, trabalho no qual foi apontada a recomendação de que o local deveria ser regularizado como terra indígena, somando Corveta 1 (Tarumã) e Corveta 2 (Kuri’y), a partir do que Aristides e Ana se investiram de energia para essa concretização e aguardaram a chegada do GT de identificação da Funai, o que ocorreu em julho de 1998. Construía-se maior autonomia das famílias em relação a áreas ocupadas e crescia o intento de que as ocupações e os direitos territoriais dos Guarani fossem efetivamente reconhecidos no litoral. Os sentimentos de esperança e posteriormente de frustração no tempo de chegada no litoral do RS e a referência a “caciques fortes”, como Francisco Timóteo Kirimaco e Benito de Oliveira, para procurar terras e compartilhá-las com os demais Mbya, havia dado lugar a uma lenta e progressiva ideia realista de áreas separadas, de relativa autonomia, porém sempre interconectadas. A gradativa experiência de Aristides e Ana e posteriormente de Aristides e Jurema na conjuntura de disputa ocupacional da sociedade envolvente, contando com acompanhamento de profissionais e interessados de organizações governamentais ou não governamentais, ajudava a angariar confiança e mostrar-lhes a veemência da regularização fundiária e, para tanto, de sua efetiva participação e exposição dos próprios pontos de vista nos trabalhos de campo das equipes, bem como em outros eventos organizados dentro ou fora de sua pequena aldeia.
No inverno de 1998, quando do primeiro GT do litoral norte, Aristides e Ana (em Tarumã), Artêmio e Marta (em Piraí), Benito e Etelvina (na Tapera), dentre outros, foram ouvidos em razão do desencadeamento do projeto de duplicação da rodovia, em cujo contexto foi instigada a urgência quanto à regularização fundiária nessa região. Sua concretização significa dever do governo brasileiro na garantia dos direitos territoriais.
Se tomarmos quatro décadas de ocupações e deslocamentos no litoral sul-sudeste de Aristides e as pensarmos separadamente, temos, grosso modo, uma primeira década (cerca de 1974 a 1984) que inicia com sua estupefação diante do inusitado: o imaginário em torno de “terras do governo”, “terras públicas” foi pulverizado, pois sobreviver no leste de Yvy rupa provou ser incrivelmente difícil, necessitando de empenho e obstinação incomensuráveis. Somava-se a diferença de solo e clima: no oeste o plantio vingava mais facilmente, enquanto no leste foram grandes as dificuldades encontradas também nesse aspecto. Os grupos recém-chegados esperavam algum tipo de providência de lideranças que haviam migrado anteriormente. Entretanto, as necessidades eram comuns a todos e não havia áreas demarcadas, ainda que com o passar dos anos Cantagalo, Pacheca e posteriormente Barra do Ouro tivessem se tornado referenciais aos grupos migrantes. Para além disso, a demarcação não fazia parte das intenções políticas dos Guarani, que visavam apenas o usufruto de áreas florestadas. As estratégias sociais, econômicas e políticas foram basicamente comuns, como o seu resguardo, a procura de apoio junto ao poder público (prefeituras, delegacias), a confecção e venda de artesanato junto às rodovias e nas cidades, bem como a confiança e articulação com pessoas (de ONGs, da Funai e outros interessados) que buscavam compreender e auxiliar os grupos. Fato é que as famílias não deixaram o leste, com algumas exceções, e aqui começaram a moldar o processo de territorialização. Nessa década várias famílias deixaram o litoral do RS, tomando a direção norte, incluindo as de Liberato e Macimiana e de Aristides e Ana.
Durante a segunda década (cerca de 1984 a 1994), Aristides e Ana viveram em muitos locais no litoral dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, seja em aldeias já constituídas, locais de acampamento à beira de estrada, debaixo de pontes, propriedades particulares a convite dos proprietários. Em alguns locais reuniram-se à família extensa de Ana ou vice-versa, o mesmo ocorrendo em relação a outras famílias. Liberato e Maximiana deslocaram-se até o Espírito Santo, ali permanecendo seus filhos Luiza e Milton.
Nesse período, Aristides e Ana vivenciaram diversas realidades junto a variadas aldeias e parentes, percebendo que se lhes impunha “viver separadinho”. Outras famílias chegaram ao litoral catarinense, como é o caso de Artêmio e Marta em 1987, Artur e Maria com Júlia Campos e outras filhas em 1989, ocupando então locais com idêntico perfil aos de Aristides e Ana, seja em Araranguá, Itajaí, São Francisco do Sul etc. As estratégias dos Mbya inseridos nesse longo processo de desespacialização configuram na dispersão das famílias extensas em grupos atomizados, invisibilização desses grupos, reterritorialidade (ocupação de novos espaços) e mobilidade do tipo viagem-visita (Basini, 1999:164-169).
Especialmente a partir de 1988 a estratégia da invisibilidade mudou, como escrevem Assis & Garlet (2004). “Os Mbyá perceberam que, ao se fazerem visíveis e acessíveis, obteriam mais vantagem nas relações interétnicas, especialmente nas questões relativas ao acesso a espaços geográficos adequados a suas pautas culturais” (idem:40).
Uma confluência de novas e decisivas questões marca a terceira década de Aristides no litoral, tempo em que vive numa única área: Tarumã. Mesmo não se tratando de um local “ideal”, mas “possível”, utilizando classificação de Garlet (1997), definiu ali permanecer, expressando-o desde 1996, fortalecendo gradualmente sua postura em relação a essa pretensão. Aristides tinha plena convicção que o que “sobrou” para o Guarani eram áreas ruins, ou seja, não contemplavam sobretudo a mata, imprescindível ao seu modo de vida. Antes mencionava que precisava “um pedacinho para ficar sossegado”, posteriormente ressaltava necessitar de área grande, considerando a intenção de mais plantio e liberdade. Ao expor e defender seu ponto de vista materializava exemplarmente o “empoderamento” desta família procurando superar, ao menos parcialmente, a situação vivida: a demarcação é necessária para mudar a opy (casa de rezas) e as habitações de lugar, plantar num local mais distante da BR 101, para ter uma área de mata e ter oportunidade de “chamar” o kochi (porco-do-mato-queixada[54]), para poder incrementar o convite a parentes para visitas e, em caso de boa convivência, para sua permanência no espaço, dentre outros aspectos. A demarcação, enfim, substantivaria a sua autonomia, lhe ofereceria mais tranqüilidade para se centrar na vivência do nhande reko e alcance de aguyje.
O kochi, mencionado por Aristides, é animal de criação de Kuaray em Yvy Pyau (esta Segunda Terra, Terra Nova) e, por conseguinte, tido como fundamental pelos Mbya.[55] Segundo Aristides “tem que ter muito respeito porque kochi é do Nhanderu, não para comer com raiva, mas para ficar alegre.” Explica que o rezador pede para Nhanderu para encontrar o kochi, precisando fazer a armadilha. Então, ao meio-dia, o animal fica perto e cada pessoa da aldeia “tem que dar aguyjevéte”[56], isto é, saudar e agradecer ao “caçador”. O “encontro” com o kochi é bom sinal da divindade, pois que é o animal tido como enviado privilegiado, proveniente de Yvy Ju (terra áurea), e motivo de festa para os humanos, pois também é alimento físico. O kochi é para “comer assadinho, qualquer jeitinho que quer, dividido para cada um”, incluindo pessoas de outro tekoa. Os ossos são guardados no balaio e uma vez secos, são pilados e misturados, como antiplástico, na argila para confecção do petyngua, continuando assim a estar presente entre os Mbya nos rituais.
O pensamento sobre a estada em Yvy Pyau é envolvido de instabilidade e provisoriedade. Francisco Witt, indigenista da Funai, relembrando suas primeiras conversas com os Mbya no RS há cerca de quatro décadas, disse que eles afirmavam uma presença provisória na terra, tendo como objetivo principal chegar ao mar, razões pelas quais não queriam demarcação de áreas.[57] Como reiteradas vezes anunciado nas aldeias, o cataclismo não ocorreu no ano 2000 e as conjunturas externas continuaram a sofrer alterações, exigindo grande habilidade dos Mbya, o que Garlet (1997) denominou de plasticidade e dinamicidade da cultura e do território de domínio. A postergação provisória do cataclismo e a situação de permanente vulnerabilidade neste mundo fazem com que os Guarani teçam novas reflexões e estratégias nas aldeias, além das articulações entre aldeias e sociedades.
A terceira década de Aristides e Ana no litoral brasileiro congrega novos fatores e intervenções institucionais, dentre os quais o projeto de duplicação da BR 101 incrementa o processo de territorialização. O período entre a participação nos estudos para o EIA em 1996, o primeiro GT em 1998, o levantamento prévio da Funai em 2002 e finalmente o segundo GT em 2003 e posteriormente, período no qual a vida seguiu em meio à precariedade material, sobressaindo-se a insegurança alimentar[58], moldaram significativa experiência a Aristides e Ana – Aristides e Jurema, extensivo à família extensa e outros Mbya. Trajetória que vai de incerteza e amedrontamento iniciais ao robustecimento e afirmação de interesses e direitos étnicos e políticos. Encontros e mobilização entre índios Guarani auxiliaram a promover essa afirmação em Aristides, como é o caso das reuniões ocorridas no ano de 1997, em Tarumã e Mbiguaçu, em relação à duplicação da BR 101, e em Ubatuba/SP[59], com troca de informações quanto a situações e estratégias das aldeias litorâneas entre RS e ES. De um status inicial de acampamento temporário, denominado Corveta, as pessoas e o lugar se constituíram de dentro para fora, agregando posições de fora para dentro. Corveta passou a ser Tekoa Tarumã, nomeação não apenas de um local, mas de um estado de espírito, de uma atitude frente à realidade vivida.
Nessa terceira década, Aristides reforçou o posicionamento objetivando a demarcação de área.
Assim, a postura dos Mbyá quanto à garantia das terras tem sofrido uma grande mudança nos últimos anos. Se antes procuravam se desviar de qualquer processo de legitimação de espaços para si – por considerarem tanto a definição de espaços fixos, quanto o confronto com a sociedade englobante, aspectos contrários ao Mbyá reko, modo de ser Mbyá, diante do novo contexto, passam a reivindicar de forma sistemática e insistente a garantia e a legalização de espaços, cobrando dos organismos oficiais e dos poderes públicos o cumprimento de suas responsabilidades quanto a este quesito (Assis & Garlet, 2004:52).
De 1974 a 2004, de Cantagalo a Tarumã, Aristides empreendeu sua sobrevivência no litoral, de forma análoga a vários outros grupos e famílias. Pertenceu a um povo cuja cosmovisão é a de que este mundo não é seu lugar original e nem definitivo, mas que neste mundo contemporâneo necessita ver concretizados seus direitos territoriais, ou seja, o reconhecimento de uma territorialidade singular e a efetivação de uma territorialização igualmente singular. Chegou ao litoral brasileiro com três filhos pequenos, aqui tendo nascido outros dois e passando a ser avô de mais de quatorze netos, dentre eles duas netas falecidas. Não superou a condição humana, mas a cada dia buscou bravamente superar a condição quase subumana em seu pequeno espaço, no litoral de Santa Catarina, no leste do território guarani.
A demarcação de Tarumã, que abrange área com espaço florestado, lhes significava um passo importante para a obtenção de um anseio análogo à razão do deslocamento oeste-leste: o alcance da Terra sem Males. Acreditavam que as rezas e cantos entoados na opy fariam suplantar os males e a tristeza, restaurando permanentemente a alegria do viver e a possibilidade do atingir, sentimentos que lhe eram inerentes, por serem Mbya.
Passados vinte anos do relato oral de Aristides e Ana, cabe afirmar que Aristides seguiu sua determinação. Colaborou intrinsecamente com profissionais engajados na consecução dos direitos territoriais, ambientais e ainda outros, como os de saúde, educação diferenciada, sustentabilidade etc. Registro deve ser feito também a sua dedicação ao EIA da duplicação da BR 280, em 2007 e 2008, com relatório final datado de 2010 (Darella et al., 2010). Neste interstício o Ministério da Justiça exarou a Portaria Declaratória da TI Tarumã (Portaria n. 2.747, de 20.08.2009), definindo sua superfície aproximada de 2.1721 hectares. Ocorreu, todavia, a judicialização e em 24.08.2010, o Diário Oficial da União publicou a Portaria nº 2.564, de 23.08.2010, assinada pelo Ministro de Estado da Justiça, que suspendeu as portarias declaratórias das TIs Tarumã, Piraí, Morro Alto e Pindoty, de 2009 e 2010, do grupo indígena Guarani Mbyá, localizadas na região litoral norte de Santa Catarina, três assinadas pelo então Ministro da Justiça Tarso Genro e a última firmada pelo próprio Ministro. Tratou-se de um ato oficial de extrema gravidade e retrocesso, conforme explicita a Nota da Comissão de Assuntos Indígenas – CAI/ABA e se posiciona a carta da Comissão Guarani Nhemonguetá, documentos de outubro de 2010, ambas requerendo a revogação da portaria.
Mesmo com a efetivação da perícia judicial[60]efetivada a partir da decisão do juízo federal em Joinville, finalizada em 2014, a jornada processual seguiu contrária aos Guarani, dado que em 26.04.2017 o TRF 4ª Região julgou procedente o pedido para invalidação das Portarias MJ de número 2747/2009, 2813/2009, 2907/2009 e 953/2010, relativas às TIs localizadas no litoral norte de SC, assim como todos os atos delas decorrentes.
Tal decisão significou um baque inesperado aos Mbya, decisão que Aristides não teve a infelicidade de conhecer. Faleceu em novembro de 2016 quando morava na aldeia Tarumã Mirim, criada três anos antes por essa família e situada na mesma Terra Indígena Tarumã. Afastada da rodovia federal é, por conseguinte, silenciosa e longínqua do constante, ininterrupto e intenso ruído da BR 101.
Aristides, atento, posicionou-se afirmativamente ao processo ensino-aprendizagem com jovens e crianças, contribuindo com seu amplo conhecimento inclusive na Ação Saberes Indígenas na Escola[61] – Núcleo SC. Suas palavras e imagem também vigoram no Documento Base Guarani, parte essencial do livro intitulado Tape Mbaraete Anhetengua: Fortalecendo o Caminho Verdadeiro (no prelo), que compõe os trabalhos desenvolvidos em SC por e com professores e sábios (os xeremoi e xejaryi) guarani a partir de 2015.
Seu legado foi, é e será reconhecido, tendo como substrato seu conhecimento, suas decisões, sua perseverança, suas condutas a materializar o nhande reko.
Maria Dorothea Post Darella
Março de 2018
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Referências videográficas
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Notas
[1] Música Karaí Kuery Retã (A Morada do Karaí), Cd Yvy Ju, 2002.
[2] Como é denominado o território de ocupação tradicional guarani na América do Sul.
[3] Significa nossa maneira de ser, nossa cultura, nossa tradição.
[4] O estado de plenitude, perfeição, leveza.
[5] A terra sem males.
[6] Mulher de Aristides, falecida em 2001.
[7] Irmã de Ana da Silva. Seu nome ficará preservado, sempre que possível.
[8] Tekoa quer significar a aldeia e seu entorno, somando matas, rios etc.
9] Na época, marido de Jurema. Passou a viver na aldeia Barragem (São Paulo/SP) em 1998 e voltou ao litoral catarinense há dois anos, vivendo na aldeia Piraí (Araquari/SC), criada com a ocupação da família extensa Silva na década de 1980.
[10] Weber et al. (1996).
[11] Ladeira, Darella e Ferrareze (1996).
[12] A exemplo de Brizola e Brisuela e de Gonçalves e Gonzalez.
[13] Por outro lado, os nomes próprios se firmaram mais com os registros de nascimento, carteiras de identidade e CPFs, solicitação de benefícios governamentais, como é o caso das aposentadorias junto ao INSS.
[14] Relatório de Darella (1999).
[15] Que resultaram em Carvalho (2004) e Felipim (2004).
[16] Encontro ocorrido entre 27 e 31.08.01, em Florianópolis, organizado pela CAPI. Reuniu oitenta mulheres e homens Guarani das mais diversas aldeias que usufruíram a maior parte do tempo para debate e discussão da vivência do nhande reko na atualidade, sem a presença de não indígenas e em língua guarani, procurando avaliar necessidades e efeitos da educação escolar nas aldeias, fator recentíssimo aos Guarani Mbya situados no litoral.
[17] Relato constante em Darella (2004).
[18] O convite à narrativa havia sido externado no dia anterior.
[19] Mangueirinha, Guarita e Rio das Cobras são locais de referência para muitas famílias Guarani Mbya, neles ocorrendo vários nascimentos de homens e mulheres que vivem hoje no litoral de Santa Catarina, conforme levantamento em trabalhos como Darella (1999) e Darella, Garlet & Assis (2000).
[20] Quando do mapeamento guarani em Santa Catarina (Weber et.al., 1996), foi possível observar e constatar famílias Mbya que trabalhavam nas propriedades de descendentes de alemães e italianos durante a semana ou em determinados períodos (plantio, colheita), realizando a travessia do rio Peperi-guaçu.
[21] Nosso Pai Verdadeiro.
[22] Expressão de Francisco Timóteo Kirimaco (falecido), que significa a possibilidade de viver em locais possíveis para a prática dos preceitos culturais guarani mbya com liberdade, sem intromissão alheia.
[23] Trata-se da opy, casa de rezas e cerimônias.
[24] Nomes diferentes (como Ribeiro e Libelo para Liberato e Avelina Esquivel para Macimiana Esquivero) podem ocorrer em estudos. Liberato e Macimiana nasceram em Misiones e faleceram no início da década de 1990 no litoral do Paraná e de Santa Catarina, respectivamente.
[25] Não há como precisar o ano de nascimento de Ana (a filha primogênita) e seus irmãos, mas a idade em 2004 se acercava de 53, 51, 45, 43, 42 e 40 anos, respectivamente aos nomes apresentados acima.
[26] Vídeo Índios Guarani no Morro dos Cavalos, 1987.
[27] Alzira e Tarsila Gomes, mulheres Guarani que moraram muitos anos em Guarita e em 2002 viviam na aldeia Estiva (Viamão/RS), informaram a Rodrigo Venzon que o casal Avelina e Liberato eram procedentes da Argentina, seguindo para Guarita por volta de 1970, permanecendo ali por três anos e deslocando-se para Porto Alegre, viagem que não foi acompanhada por Júlio, irmão de Ana e Jurema, que em Guarita permaneceu até 1980. Júlio é lembrado como João Cego, face à deficiência visual. Comunicação eletrônica com Rodrigo Venzon em 12.09.02.
[28] Vive na aldeia Laranjeiras, TI Morro Alto (São Francisco do Sul/SC).
[29] Vietta refere-se ao tempo anterior à década de 1990.
[30] Ver breve histórico e ocupação Mbya em Barra do Ouro em Garlet & Assis (1998) e Darella, Garlet & Assis (2000). Vietta (1992) relata, em relação ao final da década de 1980, que esta área era ocupada pelo grupo de Juancito de Oliveira, irmão de Benito.
[31] Associação Nacional de Apoio ao Índio.
[32] Conselho Indigenista Missionário.
[33] Projeto Mbyá-Guarani, criado no RS.
[34] Depoimento no vídeo Índios Guarani no Morro dos Cavalos, 1987.
[35] Ver Ciccarone (2001).
[36] O local da aldeia foi assim denominado pelos pesquisadores no EIA do trecho norte (Ladeira, Darella & Ferrareze, 1996).
[37] Terezinha Duarte era vereadora de Araquari na época. Em combinação com o padre Luiz Facchini (de Joinville, recentemente falecido), que dispôs o local Piraí ao grupo de Francisco Timóteo Kirimaco, levou o grupo familiar à área posteriormente denominada Corveta 2. Ver Darella (1999).
[38] Kuri’y (pinheiro, pinhão-árvore). Kuriyty (Curitiba) é mencionada em narrativa como lugar fundado pelos Guarani Mbya e que se transformou em cidade (Ladeira, 1990 e 1992). A aldeia mbya atual situada na Grande Curitiba, denomina-se Karugua (município de Piraquara). Karugua Jy’y significa arco-íris (Cadogan, 1992:80).
[39] Em 1999 João Paulo Mariano nomeara o lugar de moradia de Yvyra Puru’ã (árvore, umbigo = jabuticabeira), em razão da existência de várias destas árvores no local, que passou a ser conhecido apenas com o nome em português: Jabuticabeira.
[40] Constam da genealogia elaborada por Ladeira (1990) quando de sua pesquisa nas aldeias do litoral do Paraná.
41] Darella (1999) e Pinheiro (2003) denunciam esse episódio. As agressões contra os Guarani foram causadas por escusos interesses imobiliários, acarretando sua expulsão e desestruturação social e econômica da família extensa de Liberato e Macimiana. Salvo melhor conduto, esse fato, de extrema gravidade, não teve atenção dos órgãos competentes e ainda requer devida investigação.
[42] Empresa industrial de grande porte com sede em Blumenau/SC.
[43] Filho de Teresa, neto de Ana da Silva.
[44] Una = preto (Boiteux, 1912:89), negro (Cunha, 1989:306).
[45] Gravação feita por Paulo Spyer Resende, ambientalista do GT da Funai que atuou em 1998. No projeto de reflorestamento da empresa Karsten constava a manutenção de 155 hectares de floresta, de acordo com o Código Florestal de 1965, dado constante no Registro Geral, Matrícula 153 do Cartório do Registro de Imóveis – 2a Circunscrição de São Francisco do Sul.
[46] A ponte do rio Sete Voltas e a Curva do Arroz, bem como vários outros locais de ocupação, foram visitados no transcorrer dos trabalhos de campo de 1996 (EIA) e 1998 (GT).
47] Jornal: A Notícia, 19.09.93, p.12. No dia 01.10.93 o presidente da Funai assinou a portaria de constituição do GT para identificação de Mbiguaçu e Morro dos Cavalos, não abrangendo outros locais onde estavam famílias Mbya, denominados Curva do Arroz (Joinville) e Rio do Meio (Itajaí), ambos situados à beira da BR 101.
[48] Jornal: Diário Catarinense, 05.11.93, p.24.
[49] Gravação feita por Paulo Spyer Resende, ambientalista do GT, em julho de 1998.
[50] De acordo com Resende (2000) a superfície de uso seria de 17 hectares.
51] Nessa época Aristides não recebia a aposentadoria, o que passou a acontecer em 2000.
[52] Matéria jornalística “Índio é morto e jogado em poço”. Joinville, A Notícia, 13.05.98.
[53] Jacaranda cuspidifolia, segundo Cadogan (1992:139), da Família Bignoniaceae (Lorenzi, 1998:38).
[54] Tayassu albirostris, Família Tayassuidae (Cimardi, 1996:78, 155, 223).
[55] A importância do kochi nas premissas culturais dos Mbya está descrita em Cadogan (1971, 1992) e Ladeira (1992, 2001), dentre outros autores.
[56] Aguyjevéte, saudação de agradecimento, de satisfação (Cadogan, 1992:21).
[57] Quando do GT Memória e Imaginário Guarani: Mito, História e Territorialidade, V Reunião de Antropologia do Mercosul, Ilha de Santa Catarina, 30.11 a 03.12.03.
[58] Matéria: Índios tentam sobreviver à miséria (A Notícia, 23.04.97).
[59] Encontro Guarani Mbya das aldeias da grande faixa litorânea da Mata Atlântica brasileira – ES – RJ – SP – PR – SC – RS. Novembro de 1997, organizado pelo CTI/SP.
[60] Vasconcelos et al. (2014).
[61] Programa da Secadi/MEC criado em 2013.
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