biografia
Dona Hilda
Autor(es): Elisa Urbano Ramos
Biografado: Hilda Bezerra Barros
Nascimento: 1950
Povo indígena: Pankararu
Terra indígena: Entre Serras
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia
Tags:Pankararu, Pernambuco; Feminino
Dona Hilda é um grande exemplo de mulher pelo legado construído na trajetória de luta e conquista dos direitos indígenas, tanto para os Pankararu, quanto atualmente para os Pankararu de Entre Serras. Dona Hilda Bezerra Barros é liderança, cacique e, sobretudo mulher, figura feminina de destaque com uma história de importante contribuição na vida do povo.
Nasceu no dia 11 de outubro de 1950 na Aldeia Serrinha, município de Petrolândia, lugar onde nasceram seus pais e avós. Chega a este mundo com a missão de contribuir ativamente com o projeto de futuro de um povo. Faz parte de uma família indígena numerosa que sobrevivia da agricultura em um tempo de bastante dificuldade para garantir a subsistência das famílias, pois o território Pankararu não estava livre dos invasores. Conforme afirma Dona Hilda, “nasci numa casinha de palha, quando a chuva vinha molhava tudo, tudo era muito difícil naquele tempo”.
Diariamente as pessoas da aldeia chegam à casa de “Dona Hilda” ou “Tia Hilda”, como é chamada, e a cumprimentam com carinho e respeito, e ela, com uma ternura de quem está à frente de uma grande família, abraça a todos e todas, ao corresponder as saudações já encaminha a busca de solução dos problemas na comunidade. É assim que a esposa de Domingos e mãe de Zenaide, Antônio, Mauricio e Zenailde vive o seu cotidiano na aldeia.
A vivência dela é ligada ao território, sua trajetória de vida e sua história estão relacionadas a esta
terra. Pois, sendo o território Pankararu localizado no Sertão, Dona Hilda enfrentou inúmeros períodos de seca. Ela conta que mesmo que fosse período chuvoso, para uma família numerosa sobreviver naquele
contexto, era necessária a colaboração de todos. Desde
criança trabalhou na roça para ajudar seus pais a criar
seus irmãos, então, na fase de criança e adolescente
ela trabalhou na enxada limpando e ciscando mato,
plantando feijão, milho e mandioca; e ainda, com uma
dificuldade maior que era a da terra não estar na posse dos indígenas, o que resultava para os mesmos em arrendar terra aos não índios, ou seja, aos posseiros.
Como afirma Dona Hilda: “eu trabalhava cinco dias na semana de alugado. Trabalhava alugado quando a gente cresceu, trabalhava e dava a minha mãe para ir para a feira, era todo mundo, a gente ralava a mandioca, roçava e ciscava mato”.
E na condição de mulher agricultora trabalhava “de alugado”, da mesma forma que trabalhavam os homens, realizando o mesmo trabalho e já havia a desvalorização financeira, pois como explica “sempre as mulheres ganhavam menos que os homens”. Nós Pankararu somos por tradição agricultores/as e, antes da retomada do território, havia vários tipos de acesso à terra: arrendada, trabalho alugado nas propriedades alheias e cultivo em pequenas propriedades. O que significa que as dificuldades não eram ocasionadas por falta de coragem para trabalhar e sim pela falta de terra. Acontece que falar
da terra é referir-se a um contexto de fé e envolvimento com a tradição por meio da qual a história de lutas e conquistas sobrevive, pois não estamos falando apenas de sustentabilidade física, mas também espiritual.
A LIDERANÇA HILDA BEZERRA BARROS
Foi convivendo com essa realidade de negação de direitos que a mulher Hilda constatou que alí se firmava uma realidade que era inaceitável. Desde a sua infância ouvia dos seus antepassados quais eram os limites tradicionais do território do nosso povo. Sendo assim, a partir da indignação de ver os posseiros explorarem a necessidade dos índios de ter acesso à terra, se firmou como liderança juntamente com as demais lideranças na década de 1970. A retomada das terras sempre foi a
principal bandeira de luta de nossas lideranças.
Além do foco na reconquista do território físico, há outras características destas lideranças, pois a maioria delas são pessoas que zelam pela preservação dos rituais e da tradição, estão intrinsecamente envolvidos/as no cotidiano da aldeia e na forma de vida Pankararu.
Dona Hilda se tornou uma importante liderança porque detém duas características muito importantes para se firmar como líder em nosso povo: o dom de captar os ensinamentos dos nossos ancestrais para buscar as forças espirituais e o entendimento para contornar as problemáticas internas; a disposição de buscar soluções externas quando for o caso. As soluções externas são as buscas incessantes por resoluções administrativas referentes à terra, à saúde, à educação e à sustentabilidade,
ou seja, negociação com as instituições do Estado e parcerias com organizações não governamentais.
A participação na conquista da terra é um dos elementos que fazem parte da história de Dona Hilda como algo vitorioso e para entender sua trajetória precisamos falar do contexto histórico. Na atualidade a etnia Pankararu é dividida administrativamente em duas terras, a primeira tem 8.100 hectares homologados em 1987, mas não foi satisfatório, pois na memória do povo a área total correspondia
a um quadrado perfeito, com 14.294 hectares doados pelo Império. Essa informação está nas histórias e ensinamentos deixados pelos nossos antepassados, passado de geração para geração. Todavia, o governo foi ardiloso e naquela ocasião, década de 1980, trinta e três lideranças acabaram
concordando com a Funai em relação aos 8.100 hectares, portanto renunciaram à demarcação do total da área.
Diante dessa injustiça na primeira demarcação, foi dada continuidade à luta pela terra. Um grupo de
lideranças que discordou da proposta da Funai deu continuidade à luta por esse complemento da terra e neste grupo estava a guerreira Hilda.
Por ser uma mulher muito sábia, foi à casa de uma grande liderança do nosso povo, João Tomaz,
hoje falecido, e começaram a trabalhar no sentido de recuperar o restante da terra. A partir daquela decisão, resolveram mandar seis índios para Recife, onde era sediada a Diretoria Regional da Funai e na aldeia entraram em ação os demais índios abrindo as picadas pelos limites da terra. Depois, foram à Brasília, falaram com o presidente da FUNAI e ele mandou uma equipe para identificar a área. A ida à Brasília foi um sofrimento grande, pois as lideranças passaram frio e fome, mas hoje, quando aquele momento é lembrado, há um alívio: “valeu a pena”. Depois que a equipe veio e identificou a área houve a demarcação nos anos 2006/2007 e depois o presidente da República assinou a portaria da homologação da terra, assim explica a segunda Terra Indígena chamada Entre Serras de Pankararu com 7.294 hectares. Isso tudo com o acompanhamento constante das lideranças – algumas delas
já não estão entre nós – como Zé Luzia, João Tomaz entre outros. A luta atualmente é para a Funai concluir a extrusão do território, retirar todos os posseiros.
Na Terra Indígena Entre Serras há trezentas famílias e nossa cacique não esconde a satisfação de ver
as terras de nossos ancestrais em nossas mãos e diz: “tenho muito orgulho de ser Pankararu”, pois, apesar de serem duas terras e duas organizações sociais, essa conquista de Entre Serras nos deixou mais fortes politicamente e em relação à tradição.
O fortalecimento da nossa tradição está em primeiro lugar: “Meu envolvimento com a tradição é muito
forte, tenho muita fé. Me sinto muito forte porque as crianças estão na tradição, no futuro quem vai ficar são as crianças e que continuem com a tradição! ”, diz Dona Hilda. Esse é o maior ensinamento da nossa líder, Dona Hilda deposita na Educação Escolar Indígena uma perspectiva de futuro muito grande quando afirma: “Como boa lembrança tenho a terra, a tradição, a educação e a parte da saúde, embora temos nossos pajés e nossa terra tem ainda muitas ervas medicinais. Que os professores de arte ensinem as crianças, que todos conheçam cada planta e para que serve. Que as professoras ofereçam
uma educação de qualidade”.
Dona Hilda mora há dez anos na aldeia Mundo Novo, mas não se sente segura, pois é constantemente
alvo de ameaças devido à luta pela terra. Ela está no Programa Estadual de Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos de Pernambuco: “quando eles me veem, falam que estou na mira. Eu nestes tempos me recuso até a ir à feira, porque eles não me olham com bons olhos” diz referindo-se aos invasores da nossa terra.
Quando ouvimos a história de vida de Dona Hilda acessamos uma trajetória de 45 anos de liderança, é
uma história de vida muito importante. Por isso, se faz necessário a cada dia repetir a história de luta e conquista, contar para as crianças, relembrar para os adultos, qual a importância da terra para o Povo de Entre Serras. Nossa cultura é atravessada pela herança patriarcal do machismo, Dona Hilda bem como outras guerreiras indígenas, são exemplos ao romper com esses maus costumes adquiridos na relação de contato com o colonizador. Portanto, ela é admirada e respeitada por homens e mulheres. Quando perguntamos o que ela acha do papel da mulher na sociedade e na aldeia, ela diz: “Eu quero que elas sejam guerreiras igual a mim”. Define como importante o movimento de mulheres, pois apenas as mulheres sabem o que querem para si e como nossos ancestrais, Dona Hilda valoriza o lugar e a luta
da mulher no nosso contexto social.
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