biografia
Dona Judite
Autor(es): Lucinéa Santos da Silva
Biografado: Judite Rodrigues Cavalcante de Almeida
Nascimento: 1940
Povo indígena: Xukuru
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Estado, Pernambuco, Etnias, Xukuru
Tags:Feminino, Pernambuco, Xukuru
Índia muito guerreira chamada Judite Rodrigues Cavalcante de Almeida, conhecida por Dona Judite, nasceu em 30 de março de 1940 na aldeia Gitó. Seus pais se chamavam Leopoldina Cavalcante Nunes e Genuíno Rodrigues de Mendonça. Sua família era constituída por 14 irmãos sendo cinco mulheres e nove homens, sua mãe ainda adotou cinco crianças, mais duas meninas e três meninos.
Ela conta que foi muito feliz na infância e juventude com sua família e na aldeia em que nasceu, porque
fica no alto da serra e parecia que estava perto do céu.
Escutava diversos sons que vinham da mata e aproveitou bastante cada lugar brincando e tomando banho nos lajeiros que havia em sua comunidade.
Seu pai, um homem de grande espiritualidade, sempre sabia quando ia morrer algum índio devido
aos sinais que vinham da natureza, ele sabia interpretar todos. A família era muito religiosa e junto dos seus irmãos foi educada dentro da religião católica, mas foi através de mãe, que frequentava o Toré na aldeia em que morava, que aprendeu os rituais de seu povo.
Quando pequena, uma dificuldade era o fato da escola que frequentava ser muito distante de sua casa, e tinha que ir a pé, pois nessa época não existia transporte escolar. Não havia merenda escolar, nem material, a escola não tinha estrutura, era uma casa abandonada.
Naquela época, viviam da agricultura e todos ajudavam cultivando milho, feijão, mamona, sabugueira, café, goiaba, entre outros. Junto com seus irmãos e irmãs gostavam de tirar as flores dos cafezais para brincar e esses momentos marcaram sua relação com as flores e toda a natureza. Acredita muito na cura das plantas medicinais, sua mãe curava algumas doenças através do chá que dava para os filhos e filhas: chá de sabugueira, arruda, graviola, hortelã, e vários outros.
Sua mãe descobriu, por acaso, que a graviola servia para tirar a febre, seja da folha ou do fruto, foi quando os filhos estavam com muita febre decorrente do sarampo e pediram para comer a graviola, algumas horas depois da ingestão estavam todos sem febre.
No intenso contato com as matas Dona Judite, ainda pequena, começou a buscar na mata e na reza
ajuda para a cura dos índios que apareciam doentes.
Ela aprendeu com sua família a sabedoria da cura através da natureza, tornando-se, assim, uma importante benzedeira na sua comunidade. Mas a Natureza Sagrada não ensinou para Dona Judite apenas o segredo das plantas, revelou para ela, com o passar dos anos, a sabedoria do nascimento, porque começou a ajudar as mulheres no parto e assim tornou-se a parteira da aldeia, sempre presente e disposta a ajudar em qual quer situação.
Começou a trabalhar como professora substituindo a irmã, Isabel, com a idade de 16 a 17 anos, depois
passou a dar aula pelo município no turno da manhã na Aldeia Gitó. Fez um curso em Arcoverde pela rádio difusora para poder dar aula e durante todo o dia ouvia a rádio Olinda para auxiliar nas aulas que dava no período da manhã.
Era solteira quando iniciou sua vida profissional de parteira e professora, existia um número enorme
de analfabetos no povo, conseguiu alfabetizar sua mãe de 70 anos e outras pessoas com 60, 50, 20 anos. As aulas aconteciam na igreja do Brejinho, até que o chefe do posto da FUNAI a contratou para reabrir a escola da aldeia que estava fechada há mais de 12 anos, por conta da resistência dos índios de Brejinho em aceitar professores não índios. Assumir a escola de Brejinho foi uma responsabilidade difícil, pois ela precisou até enfrentar sozinha as ameaças de alguns homens que a queriam expulsar da escola. Com sua determinação, força e fé nos Encantos de Luz, e mesmo sendo mulher naquela época, conseguiu intimidá-los e defender a escola.
Como parteira, além da sabedoria da Natureza Sagrada e do uso das plantas medicinais que a ajudavam
durante os partos, Dona Judite recebeu formação em enfermagem e chegou até a estagiar em um hospital no município de Pesqueira. Fazer parto nesta época era de grande risco, pois as parteiras mais velhas do povo sofriam dificuldades como a distância entre as casas, as aldeias, a falta de transporte e, muitas vezes, as índias eram encaminhadas para os hospitais. Mas, com Dona Judite, que usava das plantas e de sua espiritualidade, nenhuma criança chegou a morrer em suas mãos.
O primeiro parto que ela fez foi na aldeia São José de uma índia da aldeia Vila de Cimbres. Ela conta que
ficou muito assustada, mas pediu força aos Encantos e conseguiu fazer o parto. A partir de então fez parto nas várias aldeias do território como São José, Brejinho, Gitó, Caípe, Pendurado, Passagem, Cana Brava, Caetano, Santana, Lagoa, São Brás, Curral de Boi (Boa Vista) onde nasceu duas crianças gemeas, Tionante, Pedra D’Água, Santa Rita, Trincheira, Matinha, entre outras. Com Dona Judite as mulheres Xukuru, apesar das dificuldades de estrutura, começaram a se sentirem mais seguras em ter
o parto natural em casa e não em hospital.
No ano de 1976 se casou com José Hélio e teve três filhos. Tinha que cuidar das crianças, da casa e
dar conta do trabalho todos os dias. Trabalhava tanto que não tinha tempo para comer e nem para dormir, lembra que deixava as mamadeiras das crianças prontas para o marido ou a sogra darem para seus bebês.
Inicia sua missão na época do cacicado de seu José de Ismael, só veio a conhecer Xicão através do seu
esposo. Certo dia Xicão fez uma visita em sua casa e, com o passar do tempo, Xicão chamou Dona Judite e o chefe do posto para serem os padrinhos do seu filho mais velho, Luiz. Quando Xicão assumiu o cacicado do povo Xukuru e inicia a luta pela terra, a contribuição de Dona Judite ao seu cacique e ao seu povo foi dando assistência aos guerreiros e guerreiras na entrega de alimento, de medicamento, fazendo curativos, aplicando injeções, fazendo partos, entre outras ações na área da saúde. Esse atendimento acontecia no posto da aldeia São José, as pessoas vinham de muito longe e ela precisava estar lá para atende-las.
Ao lembrar do cacique Xicão Dona Judite diz: “os fazendeiros tiraram a vida de Xicão pensando que a
luta ia se acabar, mas ficou mais forte, ele fez brotar uma felicidade grande nas pessoas, por que antigamente tinha muita miséria em nossas comunidades”.
Dona Judite tem uma trajetória de vida dentro da luta do povo Xukuru, seu trabalho como professora e
sua missão como parteira tem sido até hoje de grande importância na vida das comunidades e das mulheres do nosso povo. Ela é uma guerreira Xukuru e fez tudo isso por que tem muita fé em Deus e na Natureza Sagrada através dos Encantos e de Mandarú.
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