biografia

Dona Marina

Autor(es): Ivanira Orcelina dos Santos
Biografado: Marina Maria da Conceição
Nascimento: 1923
Povo indígena: Truká
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Estado, Pernambuco, Etnias, Truká
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Marina Maria da Conceição nasceu no dia 7 de junho de 1923 na aldeia Umbuzeiro, filha de Pedro Ciriaco dos Santos e Maria Graciliana da Conceição, ambos naturais da Ilha de Assunção, território tradicional Truká, no município de Cabrobó (PE). Marina é agricultora aposentada e reside na mesma aldeia desde que nasceu, perdeu seus pais ainda pequena, não chegando a conhecê-los, foi criada por um tio e protegida pelos Encantos de Luz toda a sua vida.
Muito nova começou a trabalhar cuidando da casa, ia para o rio lavar roupas e fazia várias outras
atividades. Marina teve uma vida muito humilde, mas sempre se fez presente na constituição da história do seu povo, trabalhava na agricultura plantando feijão, batata, mandioca entre outros. A mandioca era transformada em farinha e, como nesta época não tinha casa de farinha em Truká, ela atravessava o rio até a Bahia para usar a casa de farinha de José de Arfo, pagando uma porcentagem ao dono da casa de acordo com cada cuia de farinha produzida pelo agricultor.
Durante a farinhada a massa fresca era lavada para a retirada da goma para fazer a tapioca. Quando se trata do modo de fazer essa tapioca fica dito que era da massa fresca misturada à massa seca e, em lugar da frigideira, era usado um caco de pote quebrado e o fogão era no chão e chamava-se trempe, por ser feito com três pedras; assim, a tapioca era feita para o café da manhã e seu preparo não levava coco.
Ainda sobre a agricultura, ela relata que no princípio o plantio era nas vazantes do rio São Francisco, e quando ficava seco se jogava água com a cuia de cabaça e eram cultivados alimentos sem agrotóxico e de boa qualidade que serviam para o consumo familiar.
Depois de alguns anos passou-se a produzir agricultura por irrigação e ainda com 80 anos de idade as
pessoas exerciam atividades na roça, sem reclamar da vida. Em relação à alimentação, Dona Marina relata que se alimentava com o peixe e o pirão de batata, o qual era pescado por ela mesma, pois no seu percurso de vida também foi pescadora e pescava com anzol de vara.
Então, ela retrata um pouco da história do rio São Francisco, destacando que antigamente no rio havia
uma série de peixes como traíra, dourado, mandim, surubim e outros, que ela pescava com facilidade.
Hoje já não existem os mesmos peixes porque a construção da barragem de Sobradinho na Bahia alterou a vida do rio e os peixes desapareceram. Dessa forma fica clara a existência de situações difíceis referentes aos peixes e ao rio, o que preocupa as pessoas até hoje.
Para os índios Truká, lutar pela defesa do Velho Chico é lutar pela existência do próprio povo, já que ele faz parte da vida de cada índio. Não existe Truká sem rio, nem rio sem Truká. Portanto, é necessário estar consciente de como lidar com o rio e com os peixes para evitar tantos problemas.
No ano de 1946 Marina se casou com Deodato José dos Santos, com quem teve sete filhos: Manoel,
Sebastião, Antônio Pedro, Maria e Maria das Graças, mas dois destes faleceram ainda bebê e também se
chamavam Manoel por terem sido batizados em casa.
Por força do destino o casal se separou e Marina ficou sozinha com cinco filhos pequenos para criar, enfrentando enormes dificuldades e preconceitos, já que tempos atrás uma mulher separada não era vista com bons olhos pela sociedade. Mesmo assim, Marina não era uma mulher de fraquejar, ela partiu para a luta e arregaçou as mangas, como diz o nosso povo, de enxada na mão partiu para o roçado e foi plantando na agricultura e colhendo que criou seus filhos.
Marina foi e ainda é uma grande guerreira, sempre se fez presente nos rituais do povo desde o início do
reconhecimento da etnia Truká. Ela fazia parte e era muito importante nos momentos de Ciência e no Toré feitos por Acilon Ciriaco da Luz, seu tio, ao lado de outras companheiras de luta, e assim educou os seus filhos para a luta no próprio povo, sendo que seus filhos Manoel Deodato, Sebastião Deodato e Antônio Pedro (conhecido por Chofreu), foram lideranças que deram grandes contribuições nas lutas territoriais do povo Truká, desde o princípio das primeiras retomadas. Manoel Deodato faleceu no ano de 2003 e seu nome foi dado à escola indígena chamada Manoel Deodato dos Santos na aldeia Caatinga Grande.
Diante da perspectiva de resgatar o território Truká, Marina não hesitou em fazer parte do movimento junto aos seus familiares, sua participação nos trabalhos de Toré começou muito cedo com seu tio
Acilon Ciriaco da Luz, irmão de Pedro Manoel Ciriaco da Luz. Diz ela: “A gente achava bonito e ele
cantando, começava junto com ele e quando pensava que não, “fulano” se manifestou, mais sempre isso
cantando, dançando”.
Marina foi uma das primeiras mulheres a dançar o Toré junto com Maria de Quinca, Maria Prosperina e
outras poucas mulheres. Acilon as chamava para que elas pudessem dançar e receber os Encantos de Luz.
O ritual sempre teve a participação de mulheres e de outros homens que abriam os trabalhos e cantavam os toantes, desde então vem sendo praticado, ao longo dos anos, nos dias de sábado e quarta-feira com a importante presença das mulheres no universo sagrado.
O Toré é um ritual sagrado que traz fortalecimento espiritual por meio de orientações dos Encantos de Luz, transmite sabedoria e está ligado à natureza. O Toré é uma dança para comunicação com o mundo sagrado e precisa ser praticado na aldeia desde a infância para que cada criança aprenda com
os Encantados. Marina recebia os Encantos, os quais passavam orientações à Acilon e demais lideranças
de luta, pois tudo que acontecia era com permissão dos Encantados de Luz. Então, ao perguntar desde
quanto tempo ela trabalhava com os Encantos, Marina relata que quando começou ainda era moça! Era
jovem e tinha 23 anos.
Em sua sabedoria Marina reflete sobre os desafios nos tempos de hoje para a relação entre a juventude
e os mais velhos. Fala que falta respeito com as pessoas mais velhas: “a diferença que eu acho é porque
antigamente os novos respeitavam os velhos”. Ela diz que lhe deixa triste e indignada tudo que representa o desrespeito de algumas pessoas da nova geração, uma vez que respeitar os mais velhos faz parte do conjunto dos valores que são importantes para o povo Truká.
Nesse sentido, parece importante refletir sobre o papel de cada pai e mãe na aldeia, assim como do
cacique, das lideranças e de toda comunidade, de como atuam nas questão com a nova geração, diante da grande necessidade de fortalecimento dos nossos saberes, costumes e tradições, cabendo aqui um novo pensar.
Falar da história de vida de Dona Marina Maria da Conceição é não esquecer do protagonismo de uma
mulher da tradição do povo Truká. Sua vida inteira compõe uma interlocução com o próprio mundo histórico da etnia Truká.

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