biografia

Marialva Dias dos Santos (Pariri Mayná)

Autor(es): Aline Pataxó
Biografado: Marialva Dias dos Santos (Pariri Mayná)
Nascimento: 1967
Povo indígena: Pataxó
Estado: Bahia
Categorias:Estado, Bahia, Biografia, Etnias, Pataxó
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Marialva Dias dos Santos (Pariri Mayná)

Liderança e professora

Idade: 47 anos (1967)

Nascida em Ipiaú – Bahia

Casada, mãe de 2 filhos.

 

A professora Marialva, nome indígena “Pariri Mayná”, é formada em Pedagogia, tem duas pós-graduações (Psicopedagogia Clínica e Institucional/ Língua e Literatura Brasileira) e atualmente está cursando a Licenciatura Indígena, na área de Ciências Humanas e Sociais, no Instituto Federal da Bahia (IFBA). É casada há 20 anos com José Roberto dos Santos e o casal tem dois filhos.

A professora Pariri Mayná detalha como iniciou o processo de educação escolar na Aldeia Velha e relata que tudo começou na reserva da aldeia, onde moravam os primeiros moradores. Mayná não vivenciou todos os acontecimentos do período da reserva, porém o cacique Ipê, na época, lhe informou que a educação indígena iniciou em 1998, com um grupo de alunos que estudava na cabana e que funcionava como escola, mas não tinha ainda um professor contratado pela Secretária de Educação do Município. No entanto, em 1999, os indígenas, com muita luta, conseguiram a contratação da primeira professora não indígena, que se chamava Alzenir Martins.

Marialva ingressou na carreira de professora no ano de 1990, na cidade de Itabuna-BA, onde residia antes da sua vinda para a aldeia. Relata ter vindo a primeira vez na aldeia no dia 28 de dezembro 2000, devido os familiares do seu esposo morarem na aldeia desde a retomada da Aldeia Velha. Foram convidados pelo cacique Ipê (na época), ela e Roberto (seu esposo), para uma reunião na casa do cacique.

Na conversa que tiveram, “Ipê disse que estava precisando de dois professores” e eles aceitaram a proposta. Após o acordo que fizeram com o cacique, eles vieram morar definitivamente na aldeia em 2001. Neste mesmo ano, teve início as aulas na casa de Ipê com a professora Marialva e o Roberto, mas, devido ao número de alunos que só aumentava, tiveram que deslocar as atividades para a farinheira (local onde fazia farinha) por um período de seis meses.

Durante o período que permaneceram na farinheira, tiveram bastante dificuldade, por ser utilizado como sala de aula e, ao mesmo tempo, como local que produzia farinha. A professora relata que não havia nenhuma divisória entre o espaço onde os alunos utilizavam como sala de aula e onde ficavam as máquinas: “o barulho incomodava muito, nossos cabelos ficavam todos brancos de farinha e os alunos brincavam dizendo que estávamos ficando velhos”. Com esses problemas, voltaram para a casa do cacique. Porém, antes de terminar o ano, retornaram novamente para a farinheira já que a casa não comportava os alunos.

Marialva afirma ter atuado em sala, no período diurno e Roberto (esposo) com a turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno. Atuou sozinha no turno diurno por um período de dois anos (2001/2002), com uma turma multisseriada, de 1ª a 4ª série. Ao final do ano de 2002, a professora Maria Aparecida, mais conhecida como Parú, entrou para ajudá-la. Por não ter uma parede para dividir a “sala improvisada” das máquinas de fazer farinha, reuniram-se, então, o cacique, as lideranças e professoras. Fizeram uma divisória com bambus: de um lado ficava a professora Marialva com os alunos de 1ª e 2ª série e do outro, Maria Aparecida com 3ª e 4ª série.

Havia claramente um sofrimento dos alunos ao terem que estudar no espaço da farinheira, “pois o resíduo da mandioca fedia e o cheiro era muito forte”, acabava prejudicando a saúde das pessoas que estavam ali naquele local. Segundo Marialva, houve várias reuniões, entre lideranças da aldeia, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Prefeitura Municipal de Porto Seguro para tentar resolver a situação. Os dois órgãos estabeleceram uma parceria e construíram “uma sala, com dois banheiros” e os alunos se deslocaram para a escola nova, no final de 2004.

Na entrevista, a professora ressalta a importância de terem criado, em 2005, a unidade executora da escola, que era uma das chaves para o desenvolvimento da escola, onde teve a ajuda da Soraia Perelo, que, na época, trabalhava na Secretária de Educação. A partir desse momento, Marialva e as lideranças começaram a buscar recursos, participando de várias reuniões em busca da melhoria e desenvolvimento da Educação Escolar Indígena de Aldeia Velha. Segundo Marialva, em 2005, houve uma reunião em Salvador e conseguiram uma reforma para a escola.

Neste mesmo ano (2005), com a prefeitura local, ganharam a ampliação. A execução dessas duas demandas ocorreu no ano seguinte (2006) e, após a ampliação, ficaram “duas salas, dois banheiros, uma área (espaço aberto) e uma mini-secretária”.

A professora menciona ter participado de algumas reuniões em Coroa Vermelha – BA, para tratarem de assuntos referentes à educação escolar indígena nas aldeias. Durante essas reuniões, o indígena Jerry Matalawê passou para ela algumas palavras em Patxôhã que estava trabalhando no dicionário, para serem transmitidas e ensinadas em sala de aula e na comunidade e, assim, pudessem fortalecer a cultura dentro de Aldeia Velha. Devido estarem no início de todo o processo de fortalecimento e afirmação cultural, precisavam revitalizar a parte cultural na escola e comunidade, para terem o reconhecimento de todos fora da aldeia.

Segundo Pariri Mayná, “a luta foi muito grande, referente a cultura, artesanato, pintura” por não terem pessoas que faziam os artesanatos com tanta perfeição, como há atualmente. Alguns confeccionavam apenas materiais simples. No entanto, a partir desses movimentos de fortalecimento cultural, buscando melhorias para a aldeia, Marialva relata que a “educação dentro da aldeia foi desenvolvendo a cada dia”. A parceria entre escola, lideranças e comunidade, teve um bom progresso. Dentre esses avanços, Mayná ressalta que tiveram o aumento do número de professores e “que a primeira professora de cultura foi Lucinei Nobre de Souza, mais conhecida por Nei”. A professora relata que durante todo esse processo, a luta não foi fácil. Porém, os indígenas se mostravam entusiasmados e interessados em fortalecer a cultura dentro da comunidade. Na entrevista, Pariri Mayná cita os nomes de algumas pessoas que recordou que começaram a fazer na época “cocar simples” (ornamento que os indígenas usam na cabeça), “minha sogra (Dona Vilma), meu sogro (Meira), eu (Marialva), Antonildo, Rodrigo”, a partir daí, tiveram muitos avanços. Mayná menciona que “hoje temos traços maravilhosos, e pessoas que fazem lindos artesanatos na comunidade”, pois a sementinha que foi plantada no passado está surtindo resultados no presente. Marialva declara, com orgulho, o fato de ter participado diretamente da evolução e transformações que a sua comunidade passou no decorrer do tempo.

No início, Marialva achava que seria apenas uma professora dentro da sua aldeia. Porém, percebeu que não funcionava dessa forma, “seria de tudo um pouco”. Além de mãe e professora, seria liderança, representante, ajudando na cultura/artesanato e demais atividades praticadas na aldeia. Logo, passou a ser representante das Mulheres, mas, no início, não sabia como agir. Começou a participar de várias reuniões, a primeira foi em Coroa Vermelha e depois em Salvador, ao chegar lá, foi informada que seria representante das mulheres de Aldeia Velha, depois passou a ser Dona Vilma Beatriz dos Santos (sua sogra). Após ser representante das mulheres, foi convidada para participar do Fórum de Educação Escolar Indígena, onde tiveram vários debates sobre a Educação Escolar Indígena Diferenciada e, em um desses debates, discutiu-se a necessidade de terem professores indígenas com nível superior nas escolas indígenas. Segundo Mayná, “foi a partir daí que iniciou a luta para montar o LINCEEI (Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena – UNEB) e a LINTER (Licenciatura Intercultural – IFBA)”. Marialva relata que a primeira turma a iniciar foi a do LINCEEI (2006), fez a prova mais não foi aprovada. No entanto, não desistiu. Quando formaram a segunda turma, a LINTER (2010), realizou a prova e conseguiu ser aprovada.

Em sua entrevista, Marialva relata como passou a ser responsável pela escola de Aldeia Velha. No começo, a escola não tinha nem direção e nem coordenação. Para poder funcionar como escola, passou a ser o núcleo do colégio do Arraial D’ ajuda e a luta foi grande para chegar até uma escola maior. A professora menciona que Sandra Caire era responsável pelas escolas indígenas no município de Porto Seguro. Devido ao aumento de alunos, Sandra convocou Mayná para ser responsável pela escola de Aldeia Velha. Além de professora, deveria fazer as matriculas, transferências e demais documentações dos alunos. Depois de algum tempo, a escola se desenvolveu bastante, não estavam mais na farinheira e já haviam se deslocado para a primeira escola construída pela parceria entre prefeitura e FUNAI, após a ampliação do número de alunos.

Em 2009, foi construída uma nova escola, com o apoio da Prefeitura Municipal de Porto Seguro, com mais salas, banheiros, secretária, refeitório, e espaços amplos, para um melhor funcionamento da instituição. Marialva declara que, a partir daí, houve a necessidade de ter uma direção escolar, reuniram-se, então, cacique, lideranças e a comunidade, onde fizeram uma eleição para diretor(a), e devido Marialva estar à frente dos assuntos da escola, resolveram elege-la como diretora, atuando na direção da escola, do ano de 2009 a 2011.

Segundo Mayná, a experiência foi gratificante e é totalmente diferente de estar em sala de aula. Na sua opinião, a dificuldade é bem maior, porém, já estava na luta desde 2001. A dificuldade que tinha é a de que não havia uma pessoa para auxilia-la com as documentações, estava sozinha. Portanto, houve a necessidade de contratar uma secretária para ajudá-la, após várias solicitações, a Prefeitura contratou a indígena Vânia Santos Meira, “depois da entrada dela, melhorou bastante” o funcionamento da secretaria da escola. Mayná menciona alguns nomes que a ajudaram no começo, como “Soraia Perelo, Claudio Alcântara, Andrea dos Reis”, pois não tinha experiência com a direção da escola, como lidar com os professores, dentre outros assuntos relacionado ao funcionamento da escola, e “muito que aprendi com eles”. As pessoas citadas acima eram não indígenas que trabalhavam na Secretária de Educação, no setor da Educação Escolar Indígena. Segundo a professora Marialva, foram peças fundamentais para o avanço da Educação Escolar de Aldeia Velha, e “que ela não poderia deixar de citar”.

A professora Marialva menciona alguns lugares que recordou ter viajado como representante da aldeia, “participei do evento, chamado Rio + 20[1] (2012) realizado no Rio de Janeiro; reuniões no Fórum de Educação Escolar Indígena[2] (2008), em Banzaê (BA); Formação Continuada pela Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade[3] (2007) e reunião para Ampliação da Escola Indígena Pataxó Aldeia Velha através do Estado (2005), em Salvador (BA).

A professora e liderança Marialva é uma das referências em sua comunidade, referente a Educação Escolar Indígena, na luta por uma educação diferenciada e de qualidade. Em toda sua trajetória de vida se dedicou na criação de seus filhos “para que tivessem uma boa educação e se tornassem pessoas de bem”. Apesar de não estar mais na direção da escola, atualmente, continua atuando como professora no ensino infantil, trabalhando na alfabetização das crianças de 4 e 5 anos. Marialva declara que, “quando as mães de meus alunos vem me agradecer pelo aprendizado dos seus filhos, fico muito feliz em ver os resultados de meu trabalho”. Segundo Pariri Mayná, mesmo em meio às dificuldades enfrentadas no passado, a mesma se sente motivada a cada dia, através desses incentivos. Por saber que a sua comunidade precisa dela, faz com que ela siga em frente e continue na luta pela melhoria de sua aldeia.

 

Notas         

[1]A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A Rio+20 foi assim conhecida porque marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e contribuiu para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. O objetivo da Conferência foi a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes.

[2]Fórum de Educação Escolar Indígena da Bahia, realizado nos dias 3 e 4 de junho de 2008, na cidade de Banzaê, além de debater as políticas públicas e o exercício da gestão participativa, serviu também para consolidar a luta pelo fortalecimento da identidade étnica dos povos indígenas. Representantes das mais diversas etnias, do governo do estado e da Assembleia Legislativa unificaram o discurso em defesa da tolerância e respeito às tradições dos primeiros habitantes, sem esquecer a batalha por novas conquistas.

[3] […] Políticas de formação de professores indígenas focadas nas licenciaturas e no magistério interculturais, de produção de materiais didáticos e paradidáticos específicos, de ampliação da oferta de educação básica nas escolas indígenas e de fortalecimento da interlocução institucionalizada e informada de representantes indígenas com os gestores e dirigentes do MEC e dos sistemas de ensino.

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