biografia

Pajé Manoelzinho Caxeado: Manoel Antônio do Nascimento

Autor(es): Edivania Granja da Silva Oliveira
Biografado: Pajé Manoelzinho Caxeado: Manoel Antônio do Nascimento
Nascimento: 1942
Povo indígena: Pankará
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Etnias, Pankará, Estado, Pernambuco
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O Pajé Manoelzinho Caxeado[1] (Manoel Antônio do Nascimento) nasceu em dezembro de 1942. Relacionou a identidade étnica com o Ambiente, a Serra do Arapuá onde habita os Pankará, em Carnaubeira da Penha/PE: “Nasci no torrão da Serra, na Aldeia Lagoa. Nasci dentro da Aldeia. A mãe que me pegou, a parteira era índia, tinha muita experiência na reza, oração e tenho orgulho de ser Índio Pankará” (OLIVEIRA, 2014, p. 38). Afirmou ainda que,

A mãe de “pegação” e de leite, a madrinha Maria Amélia Caxeado era mestre da Aldeia Lagoa, aprendeu muito com ela nos rituais. Mulher que tinha muito conhecimento, disciplinou muitos índios da Serra do Arapuá.  A Aldeia Lagoa é o ‘Tronco Velho’ dos antigos. Madrinha Amélia vivia doente, meu avô foi atrás dos Tuxá, quem ajeitou ela foi Roque Tuxá. Meu avô era parente dos Tuxá, pelo lado de Roque Tuxá, da mãe dele, Anália, era parente da gente da Serra Umã. Também o pai de tio Manoel de Souza, era aqui da Lagoa e a mãe era Tuxá. Ele da Lagoa casou com uma índia Tuxá e trouxe a índia para cá, pra Serra (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2019).

Salientou que os indígenas cada um tinha os conhecimentos dos antigos índios na Serra do Arapuá, com o modo próprio de “conviver e de ser”. E quem “disciplinou” tanto os vizinhos índios Atikum quanto os “caboclos” da Serra do Arapuá foram os indígenas Tuxá que tinham guardado os primeiros conhecimentos.  Em relação ao seu nome e as relações parentais relatou:

Meu conhecimento de geração é Manoel Antônio do Nascimento, agora o nome indígena é Caxeado. A família nossa vem da geração desse apelido Caxeado. A gente antigamente não tinha nome, era da Baixa, era do Alto, da Ladeira, né. A nossa família, a nossa geração é Atikum Serra Umã e Serra do Arapuá, é o mesmo povo. O povo Atikum tem a Aldeia Atikum, mas nós é Atikum também. Agora com a separação já tinha os Pankará (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2018).

Filho de Antônio Manoel do Nascimento, índio Atikum e Maria de Tereza de Jesus. Manoelzinho Caxeado casou com Adalvina Idalina do Nascimento. Tiveram cinco filhos, Imaculada Adalvina do Nascimento Santos, Eraldo Manoel do Nascimento, Iolanda Adalvina Nascimento, João Batista do Nascimento e Maria dos Desterros do Nascimento. Em outra entrevista afirmou:

A minha mãe era dos índios Cariri, no Ceará. E meu pai foi trabalhar nas moagens, nos plantios de cana. Era tradição da família, os caboclos irem para o Ceará, sabiam fazer o mel e quando dava o ponto do mel colocavam em cabaças. Para facilitar inventaram caixas para colocar o mel para virar a rapadura. Por isso, meu bisavô virou conhecido como caixeiro de mel. Minha mãe teve 12 filhos, 02 morreram, dos 10 filhos só eu nasci na Serra, os outros nasceram no Ceará. Eu tinha a mediunidade e quando acontecia isso, corria e vivia uns dias no mato. Era bem presepeiro. Sempre tive uma vida sofrida (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2019).

O Pajé Manoelzinho Caxeado reafirmou que a história da sua família é a “chave” na Serra do Arapuá, pois é a família que tem mais pessoas na Serra e expande por toda região do Pajeú, toda a região de Floresta. O avô, Zé Caxeado, era do Olho D’água do Padre, indígena do povo Atikum e casou com uma parente, Maria de Souza, que habitava na Serra do Arapuá, mas toda família era oriunda da vizinha Serra Negra. Destacou a importância da Serra Negra para os indígenas no Sertão,

A Serra Negra é a mãe de todos, todo mundo é filiado nela. É o grande tronco-velho. E a dispersão dos índios da Serra Negra foi atribuído as inúmeras perseguições dos brancos com índios e foram tomando tudo, matando os índios. Quem conseguiu não morrer, fugiu tudo. Por isso, que tenho parentes em tantos áreas, daqui das Serras, dos Tuxá, mas tenho até parentes em Águas Belas, nos Fulni-ô e nos Kambiwá também. Viviam tudo correndo de um lado para outro, meu avô contava essa história, a avô dele contava que veio fugida da Serra Negra (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2019).

As relações com os Tuxá e os Atikum foram descrita pelo Pajé Manoelzinho Caxeado, “Meu avô e pai iam fazer os movimentos com os Tuxá e Atikum, tudo escondido, era muita perseguição naquele tempo. Eles iam de jumento ou a pé”. Reafirmou que eram intensas as movimentações de travessias no rio, “transava daqui para Rodelas e de Rodelas pra cá. Roque Tuxá morou um tempo aqui na Serra, depois voltou para a Bahia e não soube mais notícias dele” (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2018).

Em um texto sobre a história de vida de Roque Tuxá foi afirmado que esse indígena morou um período na Serra do Umã com os índios Atikum, no início da década de 1950, quando tinha 19 anos. Ao retornar a Rodelas enfrentou perseguições de “coronéis” que ocuparam as terras. Fugiu e em 1952 ingressou na Companhia de Navegação do São Francisco, na função de marinheiro, trabalhando no trecho Juazeiro (BA) a Pirapora (MG). Estabeleceu residência em Pirapora com quase toda a família “Anália”[2]. Atualmente a liderança sociopolítica e religiosa dos Tuxá é exercida pela neta, Anália Moisés Tuxá, em Pirapora (SANTOS JÚNIOR, 2018). Portanto, Anália Tuxá e Roque Tuxá fazem parte das memórias dos Pankará habitante na Serra do Arapuá, pois são citados como grandes lideranças religiosas, conhecedores da “ciência do índio”.

O Pajé Manoelzinho Caxeado destacou que desde a infância faz usos de plantas, barro e madeira da Serra para fazer “os elementos que dá força aos índios, como o cocá que são feitos de palhas de Catolé, colares feitos de sementes e os caquis [cachimbo] são feitos de madeira ou de barro” (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2019). Em entrevista durante o I Encontro Terra Toré, no Território Indígena Pankará, na Serra do Arapuá, para a produção do documentário “Terra Toré[3]” em 2007, demonstrou diversas formas de usos de plantas locais na terapêutica e na ritualística Pankará,

Usam para curas espirituais e medicinais […] recomendou que só deve retirar as partes das plantas no período da manhã, pois bem cedo, ‘estão frias e estão todas contentes’ […] não fazer nenhuma extração das plantas à tarde, pois ‘estão quentes e elas mudam o planeta, o planeta muda. E o sol está guiando, está descendo’ […]. Afirmou ainda que aquele local era da medicina, ‘a mesma coisa de estar dentro de uma Farmácia’. E que até pouco tempo nenhum índio da Serra procurava médico, pois ‘todos eram criados’ na medicina da Serra, na ‘ciência do índio’. […]. Segundo o Pajé, a Jurema ‘serve para aplacar dor de dente, depois que ele é pisada até virar pó, coloca-se no dente doente até o dente cair’. A Jurema é uma planta sagrada para os Pankará, pois ‘passa o segredo para o Toré’, mas ressaltou o Pajé que somente algumas pessoas recebem o segredo da Jurema (OLIVEIRA, 2019, p. 166 e 167).

Em relação a “ciência do índio” foi afirmado pelo Pajé Manoelzinho Caxeado que “a ‘ciência’ quem tem são “os pajés, os mais velhos e que a sabedoria e a luta vêm dos ancestrais, os bisavós, os avós e das histórias vivida por cada índio” (OLIVEIRA, 2014, p. 98). Evideciando que as práticas socioculturais são entrelaçadas com o Ambiente e histórias familiares cotidianas expressas através das memórias dos indígenas Pankará.

A família é da Aldeia Lagoa, atual habitação do Pajé e familiares.  O avô nunca quis fazer documento do terreno. Afirmava que o documento eram os cachimbos e os cacos de aribé[4], encontrados quando cavavam para plantar. Mas, a área da Lagoa nunca esteve nas mãos de fazendeiros, os “posseiros”. Manoel Caxeado relatou que o avô narrava que a família Carvalho, oriunda da região de Água Branca, área próxima a Serra do Arapuá, com a “desculpa das secas” foram subindo a Serra com o gado, tomando as terras: “mas não foi através de guerras. Iludiam o povo, ofereciam carne ou cavalo e trocavam por terras”. Afirmou que só não perderam as terras aqueles que não aceitaram fazer as trocas, como a sua família. Outra forma que os fazendeiros tomavam as terras dos “caboclos” era no momento da preparação para plantio, pois quando faziam roçados e brocas[5], aproveitavam para aumentavam a área, “limpando terras além do limite da posse. Evidenciando os esbulhos de terras que os indígenas Pankará enfrentaram ao longo do tempo, praticados por famílias representantes da oligarquia na região.

 

Referências

OLIVEIRA, E. G. da S. Os índios Pankará na Serra do Arapuá: relações socioambientais no Sertão pernambucano. Campina Grande, UFCG, 2014, 133p. (Dissertação Mestrado em História).

_____________. “Terra Toré Pankará”, Carnaubeira da Penha-PE. In: SILVA, Marcos Antônio; LIMA, Marinalva Vilar de. (Org.). Narrar a história na contemporaneidade: o cinema e a experiência histórica. São Paulo: LCTE Editora, 2019, p. 156-167.

SANTOS JÚNIOR, R. C. Mestre Roque Moisés, o grande Cacique e Pajé do Povo Tuxá Setsor Bragaga de Pirapora Minas Gerais. In: Os brasis e suas memórias. Disponível em: https://osbrasisesuasmemorias.com.br/mestre-roque-moises/. Acessado em 05/06/2019.

SILVA-FORSBERG, M. C. da; FEARNSIDE, P. M. Manejo agrícola dos caboclos do rio Xingu: um ponto de partida para a sustentação de populações em áreas degradas na Amazônia brasileira. In: Internacional Institute of Tropical Forestry, USDA Forest Service (Anais). Rio Piedras, Puerto Rico, p, 93-97, 1995. Disponível em:  https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/7360952/Manejo%20Agricola.pdf?response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DSilva-Forsberg_M.C._and_P.M._Fearnside..pdf&X-Amz-Algorithm=AWS4-HMAC-SHA256&X-Amz-Credential=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A%2F20190626%2Fus-east-1%2Fs3%2Faws4_request&X-Amz-Date=20190626T214323Z&X-Amz-Expires=3600&X-Amz-SignedHeaders=host&X-Amz-Signature=ab4247706a9c2e71fd1084423fa301dff73c61ef64d6e121abe627b99a709bcc. Acessado em 26/06/2019.

 

Entrevista:

Manoel Antônio do Nascimento, Pajé Manoelzinho Caxeado, 77 anos. Aldeia Lagoa, Serra do Arapuá, Território Pankará, Carnaubeira da Penha/PE. Entrevistas realizadas na cidade de Floresta/PE em 19/02/2018 e em 06/06/2018; Entrevistas realizadas na Aldeia Brejinho em 09/05/2019 e no Terreiro Sagrado Gameleira em 30/06/2019, Território Pankará, Carnaubeira da Penha/PE.

 

Notas

[1]A denominação Caxeado iniciou com o trabalho de construção de caixotes para mel realizado pelo bisavô, morando sazonalmente na Serra do Araripe (Ceará), como também outros membros da família (MANOEL ANTÔNIO DO NASCIMENTO, 2019).

[2] Denominação atribuída a liderança política e religiosa exercida pela mãe, Anália Tuxá.

[3]“Terra Toré” com produção, roteiro, imagens e direção de Ângelo Bueno, Eliana Monteiro, Ernerto Teodósio, Geertje Van Der Pas, Júnio Tupã, Otto Mendes e Roberto Saraiva. Edição Telephone Colorido e parceria do Conselho Indigenista Missionário-CIMI/Nordeste (OLIVEIRA, 2019).

[4]Utensílio doméstico feito de barro. Um tipo frigideira.

[5] Práticas de preparação da terra denominado de roçados e o ato de retiradas de ervas daninhas. A broca é a derrubada de árvores, o desmatamento da área que será usada para plantios agrícolas. Práticas realizadas por indígenas, quilombolas e agricultores tradicionais. Formas de manejos agrícolas realizados em todas as regiões brasileiras (SILVA-FORSBERG; FEARNSIDE, 1995).

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