biografia
Povo Indígena Anapuru Muypurá
Autor(es): Lucca Anapuru Muypurá
Biografado: Povo indígena Anapuru Muypurá
Povo indígena: Anapuru
Estado: Maranhão
Categorias:Etnias, Anapuru, Biografia, Estado, Maranhão
Tags:Anapuru, Maranhão
O povo indígena Anapuru Muypurá é originário da região Nordeste e ocupava, no século XVI, áreas hoje pertencentes aos estados do Maranhão, do Piauí e do Ceará. Atualmente, encontra-se em processo de retomada e autoidentificação contemporânea na região do Baixo Parnaíba, no Maranhão. Registros históricos, a exemplo o mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú, apontam que os indígenas Anapuru Muypurá já viviam nessa região no século XVII.
NOME
Os Anapuru Muypurá foram citados em documentação histórica e obras do período colonial de diversas formas, a saber: Anaperu, Amapuru, Anapuru, Muypurá, Muipura e Moipurá. De acordo com Anderson Lago, no livro “Brejo, Aldeia dos Anapurus” (1989, p. 17), os indígenas Anapuru eram divididos “em Anapurus-Mirins e Anapurus-Açu”. Açu e Mirim são palavras do Tupi que significam “grande” e “pequeno”. Para Olavo Correia Lima e Olir Correia Cardoso, no livro “No País dos Anapurus” (1985), o etnônimo Anapuru é de origem Tupi e significa: ana (forte) – puru (antropófago). Já o IBGE (1959, p. 86) afirma que, segundo uma carta de 1686 do governador do Pernambuco, Anapuru é uma corruptela de Muypurá. É um dos elementos etnológicos mais antigo conhecido dos indígenas do Brasil, a palavra significa “fruta do rio”. Hoje, o povo se autoidentifica com os dois etnônimos: Anapuru Muypurá.
ASPECTOS CULTURAIS
Não se sabe ao certo a qual tronco linguístico o povo Anapuru Muypurá pertence. Atualmente o povo fala português. Existem bibliografias que apontam como pertencente ao tronco Tupi e outras que afirmam ser de um tronco desconhecido, citado como “tapuia”. Narrativas orais locais também mencionam que era Tupi. Segundo Felipe Costa Silva (2017, p. 43), no capitulo “Os Índios Anapurus” do seu livro “Matriz de São Bernardo: de capela a santuário”:
Os índios Anapurus descendem do grupo Tupi-Guarani, cuja ancestralidade se encontra no grupo Brasílidas. Para LIMA e AROSO (1989, p. 105), “os Anapurus devem ter descido diretamente o Parnaíba”, fixando-se na região do Baixo Parnaíba, tendo localização compreendida em partes dos atuais territórios de São Bernardo, Santa Quitéria, Brejo, Anapurus e Chapadinha. Seu grande reduto, a Nação dos Anapurus, era localizado no lugar denominado Arraial do Brejo, atualmente a cidade de Brejo (SILVA, 2017, p. 39).
Para Anderson Lago (1989, p. 17), os indígenas Anapuru dedicavam-se mais à lavoura de alimentos de subsistência do que à pesca e à caça de animais.
Ademais, este povo vivia em malocas. “[…] Partiu a tropa buscar os índios e depois de alguns dias de viagem deram com uma maloca de Anapuru-Mirim com os quais pelejaram” (MELO, 2011, p. 52). Segundo Lima e Cardoso (1985), “no subúrbio de Chapadinha existe um local denominado Aldeia, devido à tradição que lá havia uma maloca de Anapurus” e que neste lugar “corre uma fonte encachoeirada, que certamente era brejo perene”. A maloca é uma grande habitação coletiva indígena, coberta de palha, que abriga diversas famílias ou uma família numerosa. Os mais velhos do povo Anapuru Muypurá contam que antigamente suas casas eram feitas de palha e as refeições eram servidas numa esteira no chão. Construíam suas malocas próximas de rios, riachos, brejos, igarapés e olhos d’agua.
Os indígenas Anapuru Anapuru Muypurá eram exímios oleiros e conhecedores da arte da cerâmica, produziam potes, aguidás, quartinhas e panelas de barro. A “Olaria velha” do aldeamento Brejo dos Anapurus era onde hoje é a comunidade Olaria, em Brejo – MA. Naquela época, os homens trabalhavam na fabricação de tijolos, adobes e telhas e as mulheres com a produção dos potes e demais artesanatos feitos de barro.
São conhecedores da medicina natural. Atualmente, ainda é possível encontrar curandeiros/pajés/benzedores que trabalham com benzimentos, garrafadas, banhos e remédios “do mato”, e indígenas Anapuru Muypurá que cultuam encantados, como Mãe d’agua, Curupira, Caipora, Caboclos Índios, Cobras encantadas e Cabeça de Cuia.
O Cabeça de Cuia é um mito indígena que possui diversas versões, contado nos estados do Piauí e Maranhão, na região do Baixo Parnaíba. Para os Anapuru Muypurá do Maranhão, o Cabeça de Cuia é um curumim encantado, guardião das águas dos rios. Amigo dos que respeitam os rios, ajuda os pescadores atraindo os peixes para suas redes, mas castiga quem destrói seus domínios aquáticos. Segundo os mais velhos, no passado, eles não podiam tomar banho nos rios e igarapés na Sexta-feira Santa da semana santa, porque o Cabeça de Cuia poderia aparecer e encantá-los. Contam também, que quando o Cabeça de Cuia sobe no sentido da nascente é porque foi buscar a enchente, quando desce, vem fazendo barulho “quebrando cumbuca na água”, avisando que logo a enchente vem. Quando ele aparece para as pessoas, só é possível ver sua cabeça coberta com uma cuia e o restante do seu corpo fica submerso.
As narrativas orais contam que entre as pedras das nascentes do bairro Aldeia, em Chapadinha – MA, os Anapuru cultuavam a imagem de uma encantada. Uma mulher que possuía uma cobra enrolada no corpo e que protegia o povo Anapuru de todos os males da humanidade.
HISTÓRICO DO CONTATO
Em 1684, o povo Anapuru já vivia nas terras da atual cidade de Brejo – MA e lutou contra os colonizadores portugueses que queriam invadir o seu território. Na época, o governo da Província expediu várias ordens oficiais para que se fizesse guerra aos indígenas, considerados “bárbaros tapuias”. Muitos foram os conflitos e guerras enfrentados contra os colonizadores.
Desde o início da colonização, o povo Anapuru resistiu o quanto podia às tentativas dos colonizadores em reduzi-lo e pacificá-lo definitivamente. A resistência dos indígenas Anapuru Muypurá era, sem dúvida, o maior obstáculo. Os frequentes ataques investidos contra os brancos eram sua resposta de defesa ao que eles consideravam, e até hoje consideram, a invasão de suas terras e violência contra o povo.
Em carta datada de fevereiro de 1730, João da Maia da Gama trata das alianças entre os índios do Maranhão. Após ter governado o Maranhão, João da Maia da Gama estava em Lisboa quando escreveu essa carta. Ele afirma que os Tremembé, mantinham comercio com os indígenas Anapuru e outros povos da região. Entretanto, “com todas essas nações tinham guerra o Estado do Maranhão”. Segundo a carta de Maia da Gama, os Tremembé proviam estes índios de “dentes de tubarão e dos da espada do peixe [espadarte] para fazerem as pontas das suas flechas em lugar de ferro e se valiam [os índios inimigos do Estado] dos ditos Tremembé para espias da saída” das tropas de guerra portuguesa. Os Tremembé avisavam os Anapurus e demais povos indígenas que “de sorte que os achávamos sempre acautelados e prevenidos para não fazerem o efeito desejado as nossas tropas”, como lembra João da Maia da Gama.[1]
A Revolta de Mandu Ladino que se estendeu de 1712 a 1719, por exemplo, teve a participação de vários povos indígenas da então capitania do Piauí, inclusive do povo Anapuru, que se revoltaram contra a crueldade dos fazendeiros portugueses. Um “divertimento bárbaro” ideado por Cunha Souto e seu irmão era libertar os prisioneiros indígenas Anapuru um por um, alcança-los a cavalo e decapitá-los com facões (BETHELL, 1999, p. 463).
Uma revolta de seus prisioneiros, em 1712, matou Cunha Souto e seus soldados portugueses, e depois espalhou-se rapidamente, tornando-se a “mais séria e mais difundida de todas as rebeliões indígenas” (BETHELL, 1999). A insurreição foi chefiada pelo indígena Aranhí e Kariri de nome Mandu Ladino e durante sete anos ela foi ganhando proporções maiores, estendendo-se pelo sertão do Maranhão, do Piauí e alcançando o do Ceará. Mandu foi morto enquanto fugia atravessando a nado a foz do Parnaíba. Encantando-se nas águas do rio. Hoje, considerado um encantado para muitos povos originários.
ALDEAMENTO BREJO DOS ANAPURUS
Depois de muitos conflitos, o líder dos indígenas Anapuru de nome Francisco Xavier, juntamente com Ambrósio de Sousa, capitão dos índios, solicitaram ao governador João de Abreu Castelo Branco as terras situadas “às margens da Ribeira do Parnaíba na parte chamada O Brejo, e Arraial que situou o Mestre de Campo Bernardo de Carvalho e Aguiar cujo alojamento estabeleceram desde o tempo de sua conversão ao grêmio desta Madre Igreja” (28 de junho de 1741. APEP, sesmarias, livro 10, fl. 77). Necessitavam estes indígenas de “três léguas de terras de comprido e uma de largo” para sustento da aldeia[2].
Em 1795, os indígenas conquistaram por meio de uma Carta de Data e Sesmaria, “três léguas de terras em quadro, fazendo pião no templo daquela povoação, correndo os seus lados norte e sul, leste e oeste, e compreendendo-se no de sua demarcação, tudo que se acha dentro das ditas três léguas” na aldeia Brejo dos Anapurus (MELO, 2011, p. 62).
Até hoje, a pedra pião que serviu para marcar o território encontra-se ao lado da Igreja Matriz de Brejo, nela está escrito “INDIOS” (OLIVEIRA, 2020, p. 737) e, acima, uma placa colocada em dezembro de 2004 pela Academia Brejense de Letras em homenagem a este marco histórico, com o poema “Histórico de Brejo!” do acadêmico Temístocles C. Furtado: “Este marco que aqui fica, / Com amor se petrifica/ Sobe os olhos de Jesus/ E um marco que indica/ Que essa terra sempre rica, / Ainda hoje pertence/ Aos índios Anapurus!…/ Foi por Carta, de Data e Sesmarias, / Do rei lhes concedia/ Que nosso Brejo veio a Luz”.
Imagem 2 – Pedra Pião do Território dos índios Anapuru do século XVIII, Brejo – MA. Fonte: Lucca Muypurá, 2020.
O documento assegurava que os “índios hajam, logrem e possuam as ditas terras como coisa sua; própria para eles e seus herdeiros, ascendentes e descendentes sem pensão, nem atributo algum, mas dízimo a Deus dos frutos que nelas tiver e lavrar”. No entanto, em 1880, quando os indígenas de Brejo dos Anapurus reivindicaram seu direito a essa terra que estava sendo tomada, foram chamados de “supostos índios”, tendo o direito ao território ao qual pertenciam violado e negado pelos os mesmos que o invadiram a primeira vez.
Esse processo foi uma estratégia etnocida de silenciamento/apagamento da identidade indígena e de negação/violação do direito originários, imposta por uma lógica colonizadora. O território da aldeia Brejo dos Anapurus foi usurpado, posteriormente recebeu o nome Vila do Brejo e atualmente é a cidade de Brejo. Perseguições, massacres, escravizações e o etnocídio institucionalizado colaboraram para que os Anapuru Muypurá fossem considerados extintos desde o século XIX.
RETOMADA
Atualmente, os Anapuru Muypurá se apresentam dispersos em várias áreas rurais e urbanas do estado do Maranhão. Contudo, o povo possui maior concentração familiar em Brejo, Chapadinha e demais municípios da região do Baixo Parnaíba. Há também famílias nos estados que fazem fronteiras com o Maranhão: Pará, Piauí e Tocantins.
O processo de invisibilidade social do povo Anapuru Muypurá começou a mudar em 2019, quando começaram a se reorganizar politicamente e estabelecer relações constantes com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e com os demais povos indígenas em processo de retomada no Maranhão (Akroá Gamella, Tremembé do Engenho e da Raposa, Kariú Kariri e Tupinambá). Os Anapuru Muypurá deram início ao processo de investigação de sua própria história, “cavacando memórias” e publicando-as nas redes sociais, e de luta pelos seus direitos originários, sendo o primeiro deles a terra.
Um dos aspectos centrais da identidade Anapuru Muypurá é a memória de uma origem comum que os ligam ao tempo do antigo aldeamento Brejo dos Anapurus, na região do Baixo Parnaíba Maranhense.
Cada família Anapuru Muypurá mantém viva a história do povo, através da genealogia dos seus ancestrais indígenas perseguidos e sequestrados no período das guerras coloniais contra os Anapuru. Os anciões são os principais guardiões dessas memórias, eles que as transmite aos seus descendentes, de geração em geração. Apesar de ter aqueles que negam uma ancestralidade indígena, devido ao processo de silenciamento e apagamento, esta ressurge repentinamente nas memórias das “avós pegadas à dente de cachorro e a laço” e nas práticas e saberes culturais do dia a dia.
Algumas famílias Anapuru Muypurá ainda mantêm suas práticas ancestrais, como o cultivo de lavouras, a cura através de plantas medicinais e benzimentos, o culto aos encantados, a confecção de artesanatos de palha e barro, dentre outras.
Na tradição oral dessas famílias, também são apontados os lugares de memórias, ou como são chamados “os lugares de índios”, onde moravam os “índios /troncos velhos”. Ali, são encontrados artefatos antigos como furnas, pedaços de cerâmicas, pedras polidas e pilões. Estes lugares são considerados sagrados pelos mais velhos.
Assim, o “ser Anapuru Muypurá” vem sendo reconstruído ao longo desse processo e é influenciado tanto pelo passado – a memória dos mais velhos e os conhecimentos repassados por eles – quanto pelo presente, tanto por experiências apreendidas através da vivência com outros povos indígenas em retomada quanto por ensinamentos apreendidos através das alianças construídas com não indígenas, a exemplo do Conselho Indigenista Missionário – CIMI.
REFERÊNCIAS
BETHELL, Leslie. História da América Latina, vol. 2, São Paulo, EDUSP, 1999.
D’OLIVEIRA, Laurindo. Ofício do Diretor Geral dos índios, 15 de março de 1880.
DOCUMENTÁRIO “Brotos Originários”, direção Priscila Aguiar, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=N0kB4Xl2owg
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA., 1959.
_________________, Chapadinha (MA). In: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. v. 15. p. 145-149. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv27295_15.pdf. Acesso em: ago. 2015.
LAGO, Anderson de Carvalho. Brejo, Aldeia dos Anapurus. São Luís: Secretaria de Cultura, 1989.
LIMA, Olavo Correia; CARDOSO, Olir Correia. No País dos Anapurus. São Luís – MA: 1985.
MELO, Vanice Siqueira de. Cruentas Guerras: índios e portugueses nos sertões do Maranhão e Piauí (primeira metade do século XVIII). 2011. 156 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, 2011. Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia.
MUYPURÁ, LUCCA. Povo Anapuru Muypurá: processo histórico e retomada no Maranhão. Agencia de Comunicação Zagaia, 2021. Disponível em: https://zagaia.org/ancias/retomada-anapuru-muypura/
NIMUENDAJÚ, C. Mapa étno-histórico de Curt Nimuendajú. Brasília, DF, Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
SILVA, Felipe Costa. Os índios Anapurus. In: Matriz de São Bernardo: de capela a santuário. Fortaleza: Imprece, 2017, pp 35-46.
[1] “Carta do ex-governador do Estado do Maranhão, João da Maia da Gama, a D. João V”. Lisboa, 24 de fevereiro de 1730. AHU, Maranhão (avulsos) caixa 17, do. 1786.
[2] Link: https://osbrasisesuasmemorias.com.br/francisco-xavier/. Acesso em 10 de março de 2021.
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