biografia
Velha Marinha
Autor(es): Gleydson de Castro Oliveira
Biografado: Velha Marinha
Povo indígena: Anapuru
Terra indígena: Aldeamento Brejo dos Anapurus
Estado: Maranhão
Categorias:Etnias, Anapuru, Biografia, Estado, Maranhão
Tags:Anapuru, Feminino, Maranhão
“PEGA NO LAÇO”
Velha Marinha, como ficou conhecida, era uma indígena do povo Anapuru, originária de Chapadinha – MA, município que no século XIX pertencia ao território da atual cidade de Brejo – MA, antigo aldeamento Brejo dos Anapurus. Lima e Cardoso (1985) aponta que “no subúrbio de Chapadinha existe um local denominado Aldeia, devido à tradição que lá havia uma maloca de Anapurus” e que neste lugar “corre uma fonte encachoeirada, que certamente era brejo perene”. Hoje, este território corresponde ao bairro Aldeia, localizado a cerca de 500 metros do centro da cidade.
Segundo as narrativas orais, contadas pelos seus descendentes de geração em geração, a mãe de Marinha, de nome desconhecido, foi “pega no laço”. Sequestrada, ainda garota, pelos colonizadores numa região de chapada próxima do atual povoado Prata dos Quirinos, em Chapadinha – MA. Ela foi levada à força para uma fazenda na região, onde cresceu e depois de um tempo deu à luz a uma menina que ficou conhecida como Marinha (possivelmente alcunha do nome Maria).
Certo dia, ouviram os choros de Marinha vindo da caxixola (casa de palhas) onde elas viviam. Sua mãe fugiu da fazenda e a deixou numa rede com um doce feito de pó de farinha de mandioca e mel, o único alimento possível naquele contexto. Açúcar não existia na época, era usado mel de abelha ou rapadura para adoçar os alimentos. A mãe deixou o doce na boca de Marinha para ela comer enquanto chegava alguém na caxixola. Depois disso, ninguém teve mais notícias do paradeiro da sua mãe.
Na época, o governo da Província expediu várias ordens oficiais para que se fizesse guerra aos indígenas Anapuru, considerados “bárbaros tapuias” pelos colonizadores.
Desde o início da colonização, o povo Anapuru resistiu o quanto podia às tentativas dos colonizadores em reduzi-lo e pacificá-lo definitivamente. A resistência desses indígenas era, sem dúvida, o maior obstáculo. Os frequentes ataques investidos contra os brancos eram sua resposta de defesa ao que eles consideravam, e até hoje consideram, a invasão de suas terras e violência contra o povo. Perseguições, massacres, sequestros, escravizações e o etnocídio institucionalizado colaboraram para que o povo Anapuru fosse considerado extinto desde o século XIX.
MARINHA E SUAS SEMENTES
Marinha cresceu e teve cinco filhos. Passou a vida toda morando na zona rural de Chapadinha – MA, vivendo da roça. O indígena Sirnandes, um dos filhos da Velha Marinha, teve cinco filhos com Judite Silva Costa são eles: Paulo; Deuzuila; Vicente de Paula; Deuzenir (Pituca); e Manoel. Não se sabe o ano e o motivo do falecimento de Marinha, mas ela fez questão de transmitir as memórias da sua mãe e de seu povo aos seus filhos, netos, bisnetos e demais sementes.
Foto 01: Deuzuila em sua casa, no Povoado Carnaúba Amarela, Chapadinha (MA), 2019.
Deuzuila Silva Machado, uma das filhas de Sirnandes, nasceu no dia 27 de setembro de 1939, no Povoado Bom Jesus, zona rural de Chapadinha – MA, e atualmente mora no povoado Carnaúba Amarela, onde constituiu família. Teve onze filhos com José Castro Lima, mais conhecido como Zé Cabeça. Deuzuila teve sua biografia retratada no texto “Cavacando Memórias: Narrativas de história de vida de Deuzuila Machado, anciã indígena do povo Anapuru Muypurá do Maranhão”, publicado em 2020 na ABATIRÁ – Revista de Ciências Humanas e Linguagens.
Maria Eudy de Castro Vieira, uma das filhas mais velhas de Deuzuila, nasceu dia 15 de maio de 1961, em Chapadinha – MA e teve oito filhos. Maria Joseane de Castro Vieira, a filha mais velha de Maria Eudy, nasceu em 6 de março de 1978 em Chapadinha – MA e teve apenas dois filhos, Gleydson e Jonas.
Foto 02: Lucca Anapuru Muypurá no Encontro do Povo Anapuru Muypurá, em Brejo (MA), 2021.
Gleydson de Castro Oliveira, filho mais velho de Joseane, nasceu em 30 de janeiro de 1996, em Chapadinha – MA, e se autodeclara indígena Anapuru Muypurá. É ativista e luta em prol do movimento de retomada do povo Anapuru Muypurá no Maranhão. Desde 2019, Lucca, como popularmente é conhecido, vem mobilizando outros indígenas de Chapadinha, Brejo e região do Baixo Parnaíba Maranhense, no intuído de romper o silenciamento e apagamento imposto pelo processo de colonização e lutar pelos direitos dos povos indígenas.
Em 16 março de 2022, nasceu Tauã Pereira Anapuru. Filho de Lucca Anapuru Muypurá e Raimunda Nonata Belfort Pereira, quilombola do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru Mirim – MA. Tauã Anapuru teve que enfrentar uma batalha judicial de mais de um mês contra o racismo institucional para ser registrado civilmente como indígena. No entanto, uma decisão deferida no dia 19 de abril de 2022, no Dia dos Povos Indígenas, garantiu o acesso da criança ao seu direito, tornando-se o primeiro Anapuru Muypurá a ser registrado com o nome do povo como sobrenome e o pertencimento étnico do pai constando nas observações do assento do nascimento no registro civil. No dia 25 de novembro de 2023, nasceu o segundo filho do casal, Kayan Victor Pereira Anapuru, que também foi registrado como indígena Anapuru Muypurá. Uma conquista que entra para a história de mais de 500 anos de luta pelo direito à vida e ao território.
Em junho de 2023, baseando-se na Resolução Conjunta do CMNP/CNJ nº 03/2012, que estabelece a padronização sobre o registro de nome indígena, recorreu à Defensoria Pública de Itapecuru Mirim para reivindicar a retificação do seu registro civil e inclusão do sobrenome étnico Anapuru. Entretanto, o indígena aguarda há meses pela decisão.
Foto 03: Lucca Anapuru Muypurá segurando Tauã Anapuru no Hospital, Itapecuru Mirim (MA), 2022.
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A Velha Marinha ancestralizou-se e suas sementes teimosas seguem resistindo!
REFERÊNCIA
OLIVEIRA, Gleydson de Castro. Cavacando Memórias: narrativas de história de vida de Deuzuila Machado, anciã indígena do povo Anapuru Muypurá do Maranhão. Abatirá – Revista de Ciências Humanas e Linguagens, v. 1, p. 729-740, 2020.
LIMA, Olavo Correia; CARDOSO, Olir Correia. No País dos Anapurus. São Luís – MA: 1985.
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