biografia

Amâncio Ikõ Munduruku – IkõMuywatpu

Autor(es): Arlisson Ikõ Biatpu Munduruku
Biografado: Amâncio Ikõ Munduruku – IkõMuywatpu
Nascimento: 1960
Morte: 2020
Povo indígena: Munduruku
Estado: Pará
Categorias:Biografia, Etnias, Munduruku, Estado, Pará
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Amâncio Ikõ Munduruku – Nome próprio em Munduruku, IkõMuywatpu, nome que em seu tempo era dado pelo pai IkõBijatpu após o nascimento, esses nomes eram nomes de grandes guerreiros que se destacavam nas guerras de nossos ancestrais. Amâncio nasceu em 03 de julho de 1960, em uma aldeia antiga de campos savanas, chamada de Ũrũbuda, abaixo da Aldeia Kaburuá, cabeceira da nascente Waodadi no Rio Kabitutu, Alto Tapajós.

A história de Amâncio, começa saindo de Ũrũbuda, com o pai, mãe e irmão Tiago Ikõ Munduruku – IkõBajatpu, primeiro para serem batizados pelos padres na antiga Missão Velha, neste local foram batizados e receberam nomes de brancos, por meio de batistérios, ficaram ali por pouco tempo, seu pai queria que eles estudassem e pudessem aprender ler e escrever. Seu pai sempre via que os brancos dominavam sobre eles, quando trabalhava no ciclo da borracha e com ouro nos garimpos, por não ter conhecimento sempre era trapaceado e dizia a seus filhos que isso acontecia porque ele não sabia ler e escrever. Quando morou em Ũrũbuda, conheceu algumas aldeias do campo, onde existiam a casa dos guerreiros, chamada de “Uksa”, era uma de suas memórias mais importantes, porque era um lugar onde se transmitia conhecimentos importantes sobre a história e estratégias de resistência. As influências da borracha e ouro, foram muito ruins para o povo Munduruku, meu pai dizia que isso causava muita inveja, muita discórdia e intrigas, porque também os brancos ensinavam muito o individualismo nos seus negócios e isso fazia com que muitos parentes abandonassem suas aldeias para morar em outros lugares. Mas, ele dizia que a maior vontade de seu pai, era levá-los a estudarem. Nessas viagens, seus pais acabaram perdendo seus batistérios, e seu pai precisava trabalhar na coleta de seringas, quando o dono do seringal perguntou o nome de meu avô, ele não sabia mais, ele só sabia seu nome de origem Munduruku, e ao pronunciar o seringueiro disse que aquele nome não era um nome bom, então decidiu dar-lhe um nome, onde passou a se chamar de Clementino de Morais, e minha avó de Maria Juliana Sirma. Uma das causas muito triste na história de sua família, porém, foi preciso para serem aceitos e trabalharem nos seringais. Meu avô IkõBijatpu, decidiu descer o rio em busca de educação para seus filhos, porque ouvia dizer que Jacareacanga só oferecia até a quarta série, quando os adolescentes terminavam seus estudos, tinham que fazer novamente o mesmo ciclo, e ele não aceitava. Com o dinheiro recebido com a seringa e ouro, comprou um batelão – embarcação de médio porte, maior que uma canoa normal e desceram o rio Tapajós, chegaram até a aldeia onde morava seu tio irmão de sua mãe Vicente Saw Munduruku, cacique da aldeia Sai Cinza e ali permaneceram por duas semanas e voltaram a viajar.

Nessas viagens eles pararam em vários lugares, e permaneceram por pouco tempo, pararam num lugar chamado Mangabal, chegaram fazer um tapiri – casa pequena cercada e coberta de palhas, fizeram roças e permaneceram por pouco tempo nesta localidade, até chegarem em Pimental, comunidade onde sabiam que moravam parentes da mesma etnia. Por não conhecerem os canais de passagens pelas cachoeiras, seu pai decidiu ir caminhando para São Luís do Tapajós, porque ali morava um parente, Manoel Saw Munduruku, cacique falecido da aldeia Sawre Jaybu. Este conhecia os canais de passagens com canoas, e então ele os ajudou chegarem em São Luís do Tapajós, uma vila às margens do rio, neste lugar moraram por dois meses e continuaram sua viagem, ao chegarem em Itaituba em 1968, procuraram por um parente chamado Inácio Paygo Munduruku – PaygoBamũybu, este morava próximo do lugar onde hoje é Aldeia Praia do Índio com esposa e filhos. Lá ficaram um período de curto tempo e continuaram procurando um lugar para morar, foram para a outra margem do rio, chegaram a conhecer até o boca do Rio Tapacurá, voltaram e moraram próximo a uma comunidade chamada São José, fizeram um tapiri e plantaram roças, chegaram a cogitar morar naquele lugar, neste período seus pais fizeram amigos brancos e entregavam seus filhos para estudarem em Itaituba, chegaram morar com pariwat (não indígena) em busca de educação para seus filhos, neste período sua mãe ficou enferma e diagnosticada com tuberculose, por isso seu pai, decidiu morar mais próximo da cidade, para tratar a saúde de sua esposa.

Ao sair de São José, eles moraram as margens do Rio Piracanã, um lugar que achavam bom para morar, porém sua mãe numa noite tentando matar pernilongos – mosquitos, causou um incêndio acidental e na tentativa de salvar pelo menos as redes, queimou-se, ferindo os braços gravemente. Como aquele lugar ainda ficava distante da cidade para o tratamento de saúde, procuraram um lugar mais próximo da cidade, neste tempo a cidade possuía duas ruas somente.

Chegaram até o lugar que hoje é a Aldeia Praia do Mangue, aos poucos alguns parentes foram chegando para tratarem doenças na cidade, o pai de Amâncio, agregava todos e dava-lhes um tempo para ficarem, porque temia o pouco espaço que tinha para morarem. Com a chegada da Funai – Fundação Nacional do Índio o pai de Amâncio fazia cobranças para que tivessem segurança sobre aterra que moravam, pois haviam constantes ameaças de invasão, e muitos supostos donos da terra, porém em articulação com a Prefeitura chegaram dar para ele a segurança de morarem, pois não pertencia a ninguém a terra, se não a eles.

A primeira esposa de Amâncio foi contra o gosto de seus pais, pois era do mesmo clã, branco, nem seus pais, nem os da sua esposa concordavam, nisto resultou a separação. Por não haver mulheres do clã vermelho mais perto, ele casou-se com uma branca – Pariwat, levou-a para aldeia e com ela teve três filhos, Arlisson, André e Adria. A morte de seu pai, foi algo que desestruturou a família, ficando somente sua mãe que mais tarde veio a falecer e seus irmãos Tiago, Marcos, Francisco e Idelita. Ao falecer o patriarca alguém deveria conduzir a aldeia, então ficou a cargo do primeiro filho Tiago Ikõ. Amâncio e seu irmão Tiago chegaram a servir o exército, seu irmão Tiago engajou no exército, enquanto Amâncio decidiu cuidar do espaço que seu pai deixou. Como Tiago prestava serviços ao exército, quase não podia administrar os serviços da aldeia, Amâncio continuou fazê-los.

Todas as manhãs, visitava as poucas famílias que residiam naquele espaço, procurava saber como estavam, o que precisavam, quais eram seus incômodos, e aconselhava-os a não desistirem e tentava apoio da FUNAI para encontrar projetos que pudessem fortalecer a aldeia em busca de melhorias. Em 1995 numa reunião com aquelas famílias, os pais falavam de suas preocupações com a educação de seus filhos. Naquele tempo as escolas eram conveniadas, pagava-se uma taxa e eles com muito esforço mantinham seus filhos na escola, até começarem cobrar por uniformes, os filhos dos moradores da aldeia voltavam da escola porque não podiam entrar. Amâncio procurou a FUNAI, e o CIMI – Conselho Indigenista Missionário, para alguma solução para aqueles moradores. A FUNAI e o CIMI, através de uma indigenista chamada Terezinha Vieira, começaram articular uma educação diferenciada para aldeia, foram várias reuniões, vários momentos de trocas de ideias, e Amâncio sabia que também era preciso revitalizar a língua Munduruku na aldeia, assim como a cultura e a escola seria o lugar onde tudo começaria.

Em 1996, a Escola Indígena IkõBijatpu foi inaugurada, porém sem apoio da Prefeitura de Itaituba, os primeiros professores eram voluntários da própria aldeia, e a vida escolar dos alunos eram obtida através do apoio de uma Freira que possuía uma escola num bairro carente do município. Depois de muita insistência, a prefeitura reconheceu a importância daquela escola e começaram assim os projetos de educação escolar indígena.

A partir da escola, começavam-se abrir os horizontes para novas conquistas, e ao participar de uma audiência em Santarém, sobre os grandes projetos para bacia do tapajós, um vereador de Itaituba, disse em sua fala que não havia índios em Itaituba. Isso aconteceu porque, os índios deveriam ser consultados, e isso despertou em Amâncio que para os brancos, ser índio, era estar organizado no formato deles. Então se iniciava um novo projeto jurídico, que seria a fundação de uma Associação que pudesse representar os Munduruku que moravam nesta região. Começaram a procurar os parentes mais próximos para discutir esse projeto, eram eles, parentes de Pimental, Aldeia Sawre Apompu (km 43), São Luís do Tapajós, Aldeia Praia do Índio e Aldeia Praia do Mangue e com ajuda da Funai e CIMI, conseguiram fundar em 1998 a Associação Indígena Pariri, que se traduz num enxame de abelhas. Amâncio, foi o primeiro presidente da Associação, ao mesmo tempo, também se organizava como primeiro presidente distrital de Saúde Indígena, junto ao DSEI Rio Tapajós. Atuou por 8 anos à frente da Associação de 1998 a 2006, atuou como presidente do CONDISI – Conselho Distrital de Saúde Indígena de 2000 a 2005.

Amâncio participou de inúmeros eventos sobre Educação Escolar Indígena, foi por muito tempo delegado nato representando a Educação Escolar Indígena a nível municipal, estadual e nacional. Também participou de Conferências Nacionais de Saúde Indígena e de afirmação da cultura para os povos indígenas. Amâncio não gostava que lhe chamassem de índio, quando perguntavam a ele o porquê, ele dizia que era Munduruku. Sempre participava de todas as Assembleias dos Munduruku do Médio Tapajós e incentivou o Cacique Juarez Saw Munduruku, a sair da comunidade de Pimental para voltar ao território ancestral de nosso povo, onde marcam a história dos porcos de Karosakaybu, território hoje conhecido como Sawre Muybu ou Daje Kapa Eiipi.

Amâncio lutava na justiça pela mudança de seu nome e de seus irmãos, filhos e sobrinhos, sempre em reuniões com Juízes, Promotores e representantes de governo, colocava em pauta esse assunto, porque não aceitava o nome que carregava e que por muito insistir, conseguiu mover uma ação com apoio da Funai e pôde mudar seu nome para identidade cultural e também de outros parentes que sofriam com a mesma situação.

Esse grande líder ausentou-se das lutas por um período, por ter sofrido um grave acidente na cidade em 2010, onde teve graves fraturas na clavícula, rosto e pernas. Anteriormente já sofria de problemas na coluna, e tudo isso fez com que se ausentasse dos movimentos de luta, mas sempre estava nos bastidores, como ele dizia, aconselhando e incentivando as lutas. Também esteve ausente quando sua esposa adoeceu por complicações de diabetes, e este a acompanhava durante o tratamento até o dia de sua morte. Ele também foi quem incentivou muitos jovens a conhecerem as lutas de perto, dando-lhes oportunidades para conhecerem outros povos e entidades que atuavam na formação de lideranças jovens para continuação das lutas dos povos indígenas. E preparou muitas lideranças jovens para atuarem e darem continuidade nos projetos da Associação e das comunidades indígenas.

Atuou como professor itinerante nas turmas do Ibaorebu, projeto de formação integrada em ensino médio e técnico, onde destacava-se as seguintes áreas: Magistério Indígena, Técnico em Enfermagem e Técnico em Agroecologia, que acontecia na Aldeia Sai Cinza, e era Coordenado pela FUNAI, onde também formou-se, Técnico em Agroecologia. Amâncio enxergava o Ibaorebu como a resposta para formação intelecto cultural de seu povo e sonhava poder ver novas formações dentro do território Munduruku, inclusive a nível superior com modelos interculturais.

Em 2016, este líder começava a voltar ao movimento indígena, sempre sorridente, alegre, calmo, manso, era assim que todos o conheciam, casou-se novamente em 2018, com a Professora Claudeth Saw Munduruku, onde ambos de luta, começavam a sonhar novamente com projetos de vida para suas aldeias. Ele aos poucos estava retornando as atividades na aldeia, promovendo reuniões, aconselhando e sempre muito preocupado com o caminhar da luta pela demarcação e homologação de terras, projetos de educação diferenciada e assistência à saúde indígena no território, incentivando pesquisas sobre os resultados de mercúrio no sangue dos Munduruku, entre outros fatores que perturbam o território indígena. Na Aldeia Praia do Mangue, lidava constantemente com ameaças de invasão a terra, com invasores que entram escondido na terra para uso de drogas, captura de pássaros em gaiolas e intrusos que querem usar a terra para fazer o mal.

Em 2020, no início do ano, Amâncio foi acometido por uma pneumonia, e realizou tratamento sendo acompanhado pela equipe de saúde na própria aldeia, encerrou o tratamento e estava preocupado com ameaça do novo COVID-19 nas aldeias. Chamou seus irmãos para uma reunião, onde delegava funções para que houvesse maior empenho a respeito da área conquistada por seu pai. Falou do fortalecimento da unidade e compromisso de todos com a aldeia e a preservação de espaços separados para manutenção da floresta existente. Amâncio não entendia o mato, como lixo, entendia como vida, como forma de preservação do solo. Sempre estava preocupado com a organização da aldeia, e na medida do possível apoiava os projetos da associação, e outras comunidades.

Certa vez, sem entender, perguntei a ele por que não fazíamos uma cerca para proteger nossas criações, ele me disse: “filho, aldeia não tem muros! Por isso os pariwat vivem se confrontando, porque eles não tem certeza do que possuem. Ele continuou dizendo, aqui na aldeia, cada um sabe o que cria, o que planta, todos devem respeitar o espaço dos outros, não precisamos de muros para saber o que temos.

Era sábio ao se manifestar, sempre sabia o que falar, se preparava muito para enfrentar diversas situações, porém em 16 de maio de 2020, começou sentir febre e dores no corpo, sem saber o que acontecia, mandou chamar seu tio João Korap, outro puxador da aldeia, para pôr seus ossos no lugar, mas a febre não o deixava. Preocupada, sua esposa alertou a equipe de saúde sobre a situação, e eles obedecendo ao protocolo da SESAI sobre como agir diante da suspeita de COVID-19, aguardaram 9 dias, até fazer o teste para melhor avaliação. A família estava muito preocupada e sempre estava cobrando da equipe melhor acompanhamento.

No dia 24 de maio, a esposa de Amâncio, ligou para seu filho mais velho, informando que este deveria levar seu pai a emergência, pois os medicamentos que ele tomava, não apresentavam melhoras. A equipe foi acionada, e foi levado em ambulância para UPA de Itaituba, e ficou internado até o dia 29 de maio. Pela manhã foi visitado por seu filho mais velho, que também já buscava apoio com amigos e parceiros da associação para retirada de seu pai, tendo em vista o médico ter falado que este já precisava de UTI. O Município de Itaituba aguardava leito de UTI em Santarém, enquanto isso o quadro de Amâncio se agrava mais ainda, e por meio da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e pressão do Ministério Público Federal, o Estado assegurou um leito de UTI na Capital do Estado do Pará (Belém) para o dia 30 de maio. Amâncio às 16 horas da tarde, ligou para seu filho, muito cansado e pediu que ele o levasse para casa, pois queria morrer junto de seus familiares, seu filho entrou em desespero e começou cobrar agilidade para a represente do Polo Base. Neste momento às 17h, Amâncio foi levado ao Hospital Municipal de Itaituba para ser entubado e levado ao leito de UTI na capital, porém a UTI aérea ainda não tinha sido solicitada pela prefeitura de Itaituba. O mesmo foi entubado com muita dificuldade e saturação 40, segundo informação de uma médica intensivista que operava os respiradores da UTI do Hospital Municipal. Esta desabafava sobre a situação do indígena, e também pelo estado dos equipamentos que não funcionavam, e ainda não havia oxigênio para que fosse entubado a tempo. Com ajuda dos médicos da UTI aérea, que vieram buscá-lo, conseguiram sedá-lo e entubar, porém não houve como ser retirado naquele mesmo dia, ficando assim para o dia 30 de maio, porque aguardava melhorar a saturação. Foi retirado para Belém às 10 horas da manhã, chegando e sendo levado ao Hospital Regional Dr. Abelardo Santos, onde continuou sedado, entubado, e veio falecer às 3 horas da madrugada do dia 02 de junho de 2020.

A morte de Amâncio Ikõ Munduruku, foi um choque para todas as comunidades do médio e alto tapajós, porque ele trazia consigo, muita vida. Até hoje, as comunidades choram a perda desse grande líder.

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