biografia

LUIZ BORGES

Autor(es): Ayalla Oliveira Silva
Biografado: Luiz Borges
Nascimento: 1778
Terra indígena: Aldeamento São Pedro de Alcântara ou Aldeamento de Ferradas-Ilhéus
Estado: Bahia
Categorias:Estado, Bahia, Biografia
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LUIZ BORGES E OS “ÍNDIOS POSSEIROS” EM UNA, NO SUL DA BAHIA, DURANTE O SÉCULO XIX[1]

SILVA, Ayalla Oliveira[2]

Luiz Borges nasceu, provavelmente, em 1778.  Aos 57 anos de idade compunha o levantamento censitário de 1835[3], do aldeamento São Pedro de Alcântara ou aldeamento de Ferradas-Ilhéus[4], no qual ele foi referido como índio natural da vila dos índios de Olivença[5], livre, viúvo e lavrador. Luiz Borges vivia em Ferradas com a filha, a índia Virgínia de 27 anos, também viúva e lavradora; com a sobrinha, a índia Flora de 17 anos, também natural de Olivença, e com o neto Manuel Lorenzo de três anos de idade e natural de Ferradas.

Embora Luiz Borges tenha sido escolhido para nomear e inaugurar este ensaio, é importante esclarecer ao leitor, que, nas próximas páginas, Borges não figura como ator de um texto biográfico. Infelizmente, as fontes consultadas, e aqui utilizadas, não dão conta da construção de uma biografia, mesmo “inevitavelmente fragmentária”, nos termos de Carlo Ginzburg[6].

Contudo, a escolha de começar o texto com Luiz Borges tem a ver com a própria proposta do ensaio: pensar a trajetória histórica e as estratégias forjadas por parcela dos indígenas do sul da Bahia – mais precisamente, os de Una[7] –, utilizadas com o intuito de manter o acesso e relativo controle das suas terras, em contexto de espólio, durante o processo de expansão da ocupação territorial daquela região, no século XIX, e como demonstrativos da intensa mobilidade e interação exercida pelos indígenas e das relações sociais por eles construídas, para muito além do perímetro da vila de Olivença. Naquele contexto, as fronteiras territoriais, ali delineadas, podem ser mais bem compreendidas se vistas convertidas em espaços sociais de trânsito e interação entre indígenas e não indígenas, processo no qual os índios de Olivença, a exemplo de Luiz Borges, participaram ativamente do movimento da expansão da ocupação territorial como “índios posseiros”.

A figura do posseiro continuou a ser central no Brasil, mesmo após a promulgação da Lei de terras de 1850, que tinha como papel central restringir o acesso a terra por meio dos seus dispositivos legais, inicialmente por meio da compra e, posteriormente, também por meio do aforamento. No sul da Bahia, em contexto de maiores interesses em expandir as fronteiras da ocupação fundiária e agrícola – as quais incidiam, inclusive, sobre as terras indígenas –, o sistema do apossamento de terras se manteve, e parcela dos índios, cujo domínio sobre suas terras estava ameaçado, participou daquele processo, se adequando às práticas de acesso a terra e se identificando ou sendo apresentados como posseiros, tratados,aqui, como categoria social e política. Portanto, Luiz Borges representa uma experiência de vida que era comum a vários outros homens, a várias outras mulheres e famílias de Una, bem como a outras áreas do Sul da Bahia oitocentista, no processo das transformações políticas, sociais e econômicas, vivenciado naquela região e época, quando eles construíram, para si e para suas famílias, novos lugares e papéis sociais.

O contato e a interação entre os grupos étnicos que habitavam a capitania, e posterior comarca de Ilhéus, se deram nos primeiros momentos da presença dos portugueses na nova colônia. Teresinha Marcis marca a atuação dos aldeamentos de catequese na Capitania no momento posterior à “[…] guerra empreendida contra os tupiniquins, ordenada e conduzida pessoalmente por Men de Sá”[8], em 1559. A partir de então, outros aldeamentos foram formados, como o de São Miguel, em 1561, e o de Nossa Senhora de Assunção, ambos em Camamu[9].

Na ocasião da presença do ouvidor Freire de Veras, na Capitania de Ilhéus, em 1759 –  quando designado a realizar trabalhos de reformas nos aldeamentos, os quais compreendiam a instalação das suas vilas[10] no contexto de implementação das diretrizes do Diretório pombalino –, além dos aldeamentos Nossa Senhora das Candeias do Maraú, vila nova de Barcelos, de 1690, Santo André e São Miguel do Serinhém, vila nova de Santarém criados por volta de 1672[11]  –,  ele constatou a atuação do aldeamento de Nossa Senhora da Escada dos Ilhéus, vila de Olivença cujo primeiro registro de batismo datava de 1682[12].

Durante o século XIX, além da permanência das experiências coloniais de catequização dos indígenas, temos a vila de Olivença aqui referida no rol dos aldeamentos que foram implantados, somam-se a esta vila diversos estabelecimentos de catequese na comarca de Ilhéus tendo em vista o confirmado por Paschoal de Mattos, em 1870, que comunicou ao presidente da província que existiam em Ilhéus as aldeias [aldeamentos coloniais] Catulé, Barra do Salgado, S. Pedro de Alcântara, Santo Antônio da Cruz, Olivença, Lagoa e Cachimbo[13]. A comarca de Ilhéus, portanto, vinha de uma histórica trajetória da atuação dos aldeamentos de catequese indígena.

Tanto os estudos envolvendo os aldeamentos e as vilas de índios coloniais, a exemplo do estudo de Marcis[14], quanto os estudos sobre os aldeamentos indígenas no século XIX, a exemplo do estudo de Silva[15] estão preocupados em demonstrar que os indígenas, naquela região, empreenderam novas formas de organizar social e politicamente as suas vidas a partir dos processos de contato e interação com o mundo colonial, o que João Pacheco de Oliveira denomina processo de territorialização[16].

Em pesquisa atual, tenho observado que, a partir da segunda metade do século XIX, maiores interesses incidiram sobre a ocupação das terras do sul da Bahia para fins da colonização e agricultura, sobretudo para a criação e expansão da lavoura do cacau, e que nesse cenário, a política indigenista passou a caminhar mais afinada com a política de terras, contexto no qual muitos aldeamentos da província da Bahia passaram por um processo de abandono administrativo. Tal abandono estava amparado num discurso que produzia a “decadência” desses aldeamentos bem como na ideia da ineficácia do modelo de catequese praticado naqueles estabelecimentos para a promoção da “civilização” dos indígenas. Essas ideias foram gestadas, principalmente, nos discursos dos Diretores Gerais dos Índios em correspondência com os presidentes da Província, aspecto no qual não me ocuparei nesse ensaio e que exploro detidamente na tese de doutorado, em curso.

Por ora, é importante salientar que, na província da Bahia, o desmonte dos aldeamentos de catequese era um processo que estava associado ao acelerado avanço sobre as terras dos indígenas, fossem eles aldeados ou não. Ainda que em termos legais, na segunda metade do século XIX, a questão indígena tenha deixado de “ser essencialmente uma questão de mão de obra para se tornar uma questão de terras”, como asseverou Manuela Carneiro da Cunha[17], na prática, a exemplo do sul da Bahia, trabalho e terra indígenas eram questões correlatas. Tanto havia aldeamento cuja atuação era central para a garantia do sucesso do projeto de colonização quanto havia aldeamento cujas terras eram expropriadas, e os índios, consequentemente, passavam a ocupar outros lugares sociais. Naquele processo, parcela alçou a categoria de posseiro, mas outros tantos permaneciam na região como trabalhadores rurais – ponho em destaque Luís Borges, que foi classificado como lavrador no censo de Ferradas de 1835.

No sul da Bahia, um exemplo do processo de expropriação das terras indígenas, por meio dos instrumentos legais oriundos da Lei de Terras de 1850, é o caso, principalmente, do aforamento de terras indígenas no rio Una, na comarca de Ilhéus.

Aforamento e espólio: os efeitos da Lei de Terras de 1850 sobre o patrimônio dos índios em Una, no sul da Bahia

Em meados do século XIX, Una configurava uma zona em processo crescente do movimento de expansão da colonização, como veremos adiante. Neste contexto, guardando as suas especificidades, o processo de usurpação das terras indígenas, neste território, estava sendo colocado em prática em nível do que acontecia na maioria das províncias do Império, e tal processo era amparado nos dispositivos da legislação de terras brasileira, em voga desde 1850, como foi o caso das terras indígenas pedidas por aforamento[18] ao governo por Antero Augusto de Albuquerque Bloem, filho de João Bloem, sargento-mor do Exército Brasileiro.

 Antero Augusto de Albuquerque Bloem se encontrava na província baiana, pelo menos desde 1858, quando do nascimento do seu filho João Paulo de Albuquerque Bloem.[19] Como vamos acompanhar a seguir, Antero Bloem teve seu pedido aprovado em todas as instâncias e repartições imperiais e, talvez, tal assertiva se devesse à figura do seu pai João Bloem, que ocupou patente no exército, cuja atuação mereceu um capítulo do livro Um engenheiro francês no Brasil, de Gilberto Freyre, de 1940. O capítulo intitulado Um engenheiro alemão trata da atuação de João Bloem, sargento-mor dos engenheiros, em 1830, à frente das obras públicas na capital pernambucana, ocupando o posto de “Encarregado da Architectura da Cidade”[20].

As terras pedidas em aforamento por Antero Bloem se tratavam por certo de um aldeamento em processo de desmonte; contudo, em nenhum momento do tramitar dos ofícios e pareceres, constam informações acerca de tal aldeamento, tais como: o nome do aldeamento, etnia que o compreendia, número de indígenas, e quem o dirigia. Sobre este último aspecto era muito provável que fossem os capuchinhos italianos em razão da sua atuação marcante no sul da Bahia, no século XIX, na administração dos aldeamentos de catequese indígenas.

No caso em questão, o passo a passo da transação acerca da tomada das terras indígenas por aforamento pôde ser rastreado e acompanhado na documentação, por esse motivo ele foi escolhido como demonstrativo de uma realidade mais ampla da aplicabilidade de uma política de destituição dos direitos específicos das populações indígenas na comarca de Ilhéus, em meados do século XIX. Processo que envolvia diversas autoridades e demonstra bem a questão das articulações locais em torno do processo da apropriação fundiária, o qual envolvia autoridades locais, provinciais e gerais: o diretor da Repartição Geral das Terras Públicas, o Presidente da Província, o delegado da Repartição Especial das Terras Públicas, o Diretor Geral dos Índios, o Inspetor-geral e o Juiz Comissário.

A maior parte destes órgãos e cargos mencionados acima foi criada a partir da Lei de terras de 1850, com o objetivo de fazer aplicar a lei e a consequente regularização da propriedade da terra no Império do Brasil. O primeiro destes foi a Repartição Geral das Terras Públicas[21]. Também, em cada província deveria funcionar uma Repartição Especial das Terras Públicas, subordinada ao presidente da província e dirigida por um delegado do Diretor-Geral das Terras Públicas bem como um Inspetor-geral ligado à Repartição Especial da Província, responsável pela medição das terras públicas.

Assim, sendo da sua ossada, em 1861, Pedro Eunásio da Silva Dória, delegado da Repartição Especial das Terras Públicas da Bahia, reportou-se ao presidente da província para tratar do requerimento de aforamento de terras indígenas em Una, solicitado por Antero Augusto de Albuquerque Bloem. O pedido foi transmitido por ele da seguinte maneira:

Antero Augusto d’Albuquerque Bloem requer à V. Exa. o aforamento de terrenos, que tem sido habitado por Indios nas margens do [rio] Una da comarca de Ilhéos. Esses terrenos estão hoje devolutos, porque a população indígena, aldeando-se em diversos lugares, as tem abandonado. O §8 da Lei nº 1.114 de 27 de Setembro de 1860 permite que se afore terrenos nas circunstancias do requerido, ampliando por conseguinte o Art. 1 da Lei 601 de 18 de Setembro de 1850, que não permitte a acquisição de terrenos devolutos senão por titulo de compra. Sendo por tanto, facultado o aforamento, parece-me que o supplicante está no caso de ser attendido; e que é sem duvida conveniente dar esses terrenos a cultura[22].

A lei 1.114, a qual Pedro Dória se referiu, era a Lei Orçamentária de 1860, que fixava as despesas e receitas do Império para o exercício dos anos 1861 e 1862[23]. Pedro Dória destacou, em seu documento, que os índios haviam abandonado as suas terras, tendo os terrenos sido tornados devolutos; e, segundo a referida lei, as terras de “antigas missões de índios”, em abandono, estavam livres para o aforamento a particulares. Vale lembrar que era uma prática comum o deslocamento dos índios de um aldeamento para outro, por parte dos diretores locais. Todavia, estes deslocamentos podiam ser utilizados, como de fato o foi, neste caso, como justificativa para considerar as terras desocupadas e apropriadas à comercialização. O parecer favorável, emitido pelo delegado do diretor geral das terras públicas ao aforamento das terras dos índios, contou com a anuência do presidente da província, que sugeriu que fosse ouvido, sobre o caso, o diretor das aldeias da comarca de Ilhéus, e julgava conveniente, ao progresso, dar ao requerente as terras indígenas à margem do rio Una, por aforamento [24].

Muito embora o diretor geral dos índios, em seu parecer, tenha ressaltado a falta de clareza sobre a situação das terras indígenas da área solicitada, bem como lançasse dúvida acerca da informação de que os índios haviam abandonado as terras, ele concordou com a decisão da Inspetoria Especial em disponibilizar as terras indígenas ao requerente. Justificou a sua decisão argumentando que ela estava em consonância com os objetivos mais imediatos daquele momento – a ocupação das terras para a agricultura – deixando em último plano os interesse dos índios e seus direitos.

O Inspetor-geral da Repartição Especial das terras Públicas da província, responsável pela medição das terras devolutas, em ofício, devolveu o requerimento de Augusto Bloem ao Delegado da Repartição Especial contendo os pareceres favoráveis do Diretor da Repartição Geral, do Inspetor do Arsenal da Marinha e do Diretor Geral dos Índios. Novamente, foi citada a lei 1.114 de setembro de 1860 a fim de sustentar a legibilidade da decisão do aforamento a particulares das “terras das antigas missões dos índios que estivessem abandonadas”. O inspetor Manoel Maria de [Toledo] acenou favorável à transação quando afirmou: “quer o Dr. Delegado do Director Geral das Terras, quer o Director Geral dos Índios reconhecem que não existem mais Indios aldeaidos nos terrenos de que se trata; portanto, na qualidade de devolutas, julgo que podem ser dadas de aforamento ao Supplicante”[25].

Na sequência do desenrolar da negociação, o delegado do Diretor da Repartição Geral esclareceu quais eram as etapas necessárias cumprir, conforme a legislação vigente, para o aforamento das terras requeridas:

Parece-me que dois são esses meios – proceder-se a demarcação segundo o processo estabelecido – ou mandar dar posse do terreno verificado por uma vistoria perante o juiz comissário respectivo, visto como esses terrenos já são determinados e conhecidos. Não convem o primeiro meio, porque é assaz dispendioso, e, por conseguinte oneroso á Fasenda Publica, que não ficará indenisada com o preço da renda[26].

No caso, optou-se pelo segundo tipo de procedência, o que significa dizer que a decisão final sobre as terras dos índios coube ao juiz comissário de Ilhéus. Como bem observou Lígia Osório, o cargo do juiz comissário era um cargo administrativo criado pela Lei de terras de 1850, o qual desempenhava papel central. Tratava-se de uma posição geralmente ocupada por figuras a serviço das forças sociais e políticas locais, que não ficavam satisfeitas com a centralização administrativa acerca da questão da terra. O juiz comissário intermediava a intervenção dos locais nas decisões do governo central[27].

Este intermédio é inusitado haja vista que cabia ao juiz comissário atuar sobre as terras particulares; a cargo das terras públicas deveria estar o inspetor-geral, que, aliás, já havia se manifestado favorável ao aforamento. Por fim, a decisão sobre o destino das terras dos índios em Una coube a uma figura local, e se tratava de ninguém menos que Egídio Luís de Sá, que, além de juiz comissário, era representante dos grandes proprietários rurais de Ilhéus. Ele exercia, também, o cargo de presidente da Câmara de Ilhéus e, de posse de suas diferentes atribuições, deliberou favorável ao requerente do aforamento das terras indígenas no Rio Una[28]. Ao que parece, nenhum órgão responsável pelo regulamento da posse da terra interpunha empecilho às decisões em favor dos particulares no sul da Bahia. Dessa maneira, Tanto na instância local quanto na central, Antero Bloem não encontrou qualquer dificuldade para a obtenção do parecer favorável aos seus ensejos sobre as terras dos índios.

Este conjunto de ofícios, requerimentos e pareceres, trocados entre os órgãos responsáveis por colocar em prática as diretrizes das políticas de terra e indigenista na região, demonstra bem o delineamento da política de destituição dos direitos dos índios sobre o domínio de suas terras: primeiro, inserindo-os em aldeamentos ou transferindo-os; segundo, alegando terem eles abandonado as terras da aldeia ou estarem misturados aos nacionais; e, por fim, tornando as suas terras livres à privatização e comercialização. Trata-se do estágio final de um processo funesto destinado aos índios no Império, como bem argumentou Carneiro da Cunha, o passo a passo mesquinho de uma expropriação total dos direitos patrimoniais indígenas[29]. Mas vale frisar que, a despeito dos usos dos instrumentos legais para fins de expropriação de suas terras, os índios lutaram para manter os seus direitos fosse por meio do enfretamento direto com os colonizadores, fosse forjando novas maneiras de acesso e manutenção dos seus territórios, uma realidade comum a várias regiões do Império brasileiro, como temos acompanhado nos estudos atuais sobre a problemática indígena.

O caso das terras indígenas do rio Una, descrito e analisado, bem serve de exemplo para o que parecia representar a realidade de instabilidade a que os indígenas do sul da Bahia estavam submetidos, no que dizia respeito à garantia dos seus direitos patrimoniais quando o espólio de suas terras se deu sem contestação de qualquer autoridade governamental. Contudo, ele também serve de antessala para compreendermos o cenário político no qual os muitos indígenas do sul da Bahia forjaram novos lugares sociais.

Os indígenas continuaram a empreender a guerra no sul da Bahia, como os botocudos e pataxós, que acompanhamos em outro estudo, mas também resistiram de outras maneiras ao se apropriarem da lógica e das práticas da sociedade envolvente local e, também, participando do processo do apossamento de terras, abrindo ou comprando sítios de terceiros, como foi o caso dos camacãs do aldeamento de Ferradas, aldeamento criado em 1814 e que, em meados do século XIX, passava por um processo de abandono administrativo, ocasião na qual os aldeados passaram a abrir sítios fora do seu perímetro. Inserem-se neste contexto os índios posseiros de Una, parte deles, provavelmente, fosse proveniente da vila de Olivença. Aos “índios posseiros” de Una é que deterei atenção na sequência deste texto.

A categoria social do “posseiro” e os “índios posseiros” em Una

Desde o período colonial, a figura do posseiro era central em torno da questão da terra no Brasil. Na perspectiva de Márcia Motta, a incapacidade da Coroa em manter o controle sobre o processo de ocupação de terras estimulou o crescimento do apossamento[30].  Neste cenário, a Lei de Terras de 1850, marco da legislação agrária brasileira representou o esforço do governo em regularizar a propriedade da terra no Império do Brasil. Como já mencionei, foram diversos os órgãos em nível geral, provincial e local criados para fazer-se cumprir a referida lei, que em um dos seus direcionamentos instituiu que as províncias onde existissem terras devolutas deveriam ser divididas em distritos e escolhido um inspetor-geral (ligado à Repartição Especial de Terras Públicas) responsável por fazer as medições necessárias.

Dentro desse contexto, me deparei, em 2016, no Arquivo Público do Estado da Bahia, com um longo relatório acerca do levantamento das terras públicas do Distrito de Una, cuja divisão se dava em seis quarteirões. O relatório data de 1854, produzido imediatamente após a regulamentação da Lei de Terras de 1850 e constituía o esforço do governo da Província em mapear as terras devolutas daquela parte sul da Bahia, apresentando levantamento detalhado das sesmarias existentes, assim como a situação legal de cada uma, e das posses estabelecidas em sesmarias e em terras públicas.  A figura 1 apresenta o Distrito de Una dividido nos respectivos quarteirões.

Figura 1 – Mapa do distrito de Una dividido em quarteirões, 1854

Fonte: Mapa por mim elaborado a partir do Relatório do Distrito de Una, o qual compõe o conjunto da documentação intitulada Correspondência recebida de juízes (1851-1859). Arquivo Público do Estado da Bahia, série justiça, seção colonial e provincial, maço 2397, ano 1854[31].

O relatório do Distrito de Una, além de demonstrar as localidades e o movimento da expansão da ocupação fundiária em Una, discrimina, nominalmente, os proprietários e herdeiros das terras das sesmarias e os posseiros estabelecidos naquela zona da expansão fundiária do sul baiano. Dentre os posseiros discriminados em todos os quarteirões do distrito de Una, foram registrados 64 (66) indivíduos identificados na categoria de índio. Os “índios posseiros” do Distrito de Una estão representados, no mapa (Figura 1) por setas que foram utilizadas com o objetivo de demonstrar o movimento aproximado da presença deles em cada quarteirão.

            O que significa para a narrativa histórica dos indígenas do sul da Bahia a presença da figura do “índio posseiro” no processo da expansão da ocupação territorial sul baiana, na segunda metade do século XIX? Quem eram os “índios posseiros”? Menos preocupada em obter respostas conclusivas, intento, neste texto, empreender uma reflexão capaz de complexificar a questão que envolveu terras e índios no sul da Bahia, durante a segunda metade do século XIX, e avançar um pouco mais na compreensão da trajetória histórica dos indígenas nesse eixo sul baiano, durante o Oitocentos.

Marcelo Henrique Dias e Girleane Santos Araújo, em Ocupação territorial em uma fronteira indígena do sul da Bahia: Una e Olivença em meados do século XIX, analisaram o processo da ocupação de terras em Una, comarca de Ilhéus, na segunda metade do século XIX, a partir dos Registros Paroquiais de Terras da freguesia de Olivença. No artigo, os autores teceram alguns apontamentos acerca das fronteiras fluidas entre Una e a Vila dos Índios de Olivença, no processo da expansão e ocupação fundiária daquela região[32].

 A partir da análise dos Registros Paroquiais de Terras da capela de Santo Antônio da Barra de Una, freguesia de Olivença, Dias e Araújo observaram que Joana de Tal e Plácito Manoel do Carmo foram identificados como índios, nos registros das posses daquela freguesia. Joana não registrou a sua posse, mas foi reconhecida como possuidora de terra pelo seu confinante; também Plácito foi identificado como índio pelo seu confinante, pois, muito embora ele tenha efetivado o registro de sua posse, não o fez como índio. Os pesquisadores, em questão, cotejaram a hipótese, portanto, de que existissem outros índios posseiros que não tivessem registrado as suas posses ou, ao fazê-lo, não tivessem se declarado indígena[33].

Dias e Araújo têm razão ao considerarem a possibilidade de haver mais índios participando do processo da expansão fundiária, por meio do apossamento, na região em foco. De fato, muitos dos índios posseiros de Una não registraram as suas terras; é quase nula a parcela dos índios, mencionados nos ditos quarteirões, que aparecem como declarante nos registros de terras daquela freguesia. Esta constatação se deu quando do cruzamento dos nomes contidos nos relatórios dos quarteirões com os nomes dos registros de terras de Una, disponíveis no referido estudo, fato que me chama a atenção, inclusive, para outra questão: a possibilidade da mesma situação se repetir para os registros de terras da freguesia de Ilhéus, pois não há declarantes índios registrando terras naquela freguesia, muito embora flagremos os índios de Ferradas abrindo sítios na estrada Ilhéus-Vitória, em 1858[34]. Esta informação confirma a prática do apossamento de terras por parte dos indígenas provenientes dos aldeamentos, no sul da Bahia.

Segundo o relatório referente ao Distrito de Una, o primeiro quarteirão compreendia a parte mais habitada daquela localidade, onde se situava Santo Antônio, capela da povoação –  tinha início pela parte do norte da Barra de Una e terminava no lugar denominado Ponta do Mangue. A maior parte das posses era modesta, composta de casas cobertas de palha e outras de telha; a maior parte das posses desse quarteirão era ocupada com o cultivo de coqueiros.

No primeiro quarteirão de Una existia um total de 39 casas, dentre as quais a da índia Florinda, viúva; a do índio José Joaquim; a do índio Eugênio Francisco; a da índia Silvéria; e  a de outra índia cujo nome  não consegui identificar  no documento. Portanto, no primeiro quarteirão, a maior parte das posses, inclusive as dos índios, referia-se aos terrenos com suas casas de moradia, todas elas cobertas com palha[35], como demonstro no quadro1.

Quadro 1 – Índios posseiros do primeiro quarteirão do distrito de Una: Barra de Una à Ponta do Mangue

NOME TIPO/TAMANHO DA POSSE
1 Florinda Casa de palha e coqueiros/30 braças em quadro
2 José Joaquim Casa de palha
3 Silvéria Casa de palha
4 Índia [il.] Casa de palha
5 Eugenio Francisco Casa de palha

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia. Governo da Província. Série justiça. Correspondência recebida de juízes (1851-1859). Seção do arquivo colonial e provincial. Maço 2397. Ano 1854.

O segundo quarteirão também ocupava a faixa litorânea de Una. Ele tinha início pela costa do mar, em direção ao sul até a Barra Comandatuba, com distância de duas léguas e meia em direção centro-oeste até o Rio Braço do Sul do Maruim. A parte habitada do segundo quarteirão compreendia o lugar denominado Ponta do Mangue até o lugar de nome Cajueiro. As posses daquele quarteirão foram registradas do lugar denominado Cajueiro até a localidade de Capororocas. 14 posseiros, com plantações de coqueiros e outras lavouras, estavam estabelecidos naquela zona. Dentre os posseiros identificados naquela região, foram mencionados os índios: Pedro Gomes (ele também aparece no quarto quarteirão, que compreendia o rio Cachoeira do Una, com uma casa de farinha), João Calisto, José Alexandrino e José da Serqueira. Além da área de ocupação entre Cajueiro e Capororocas, menciona-se que, da Ponta do Mangue até o lugar chamado Mundéu, existiam “09 casas avulsas, sem quintal, por entre pés de coqueiros, cujos ocupantes [eram] índios”[36]. Ver quadro 2.

Quadro 2 – Índios posseiros do segundo quarteirão do distrito de Una: Costa do mar à barra Comandatuba

NOME TIPO/ TAMANHO DA POSSE
1 Pedro Gomes 68 braças
2 João Calisto 121 braças
3 José Alexandrino 36 braças
4 José da Serqueira 50 braças
5 Manoel Pereira Terreno c/ casa de palha
6 Luís José Antonio Terreno c/ casa de palha
7 José Antonio Mascarenhas Terreno c/ casa de palha e alguns coqueiros
8 Delfina Maria Terreno c/ casa de palha
9 Manoel [Lazerido] Terreno c/ casa de palha
10 Francisco Ignacio Casa de palha com alguns coqueiros
11 Ignez Maria (Bittencourt) Terreno c/ casa de palha
12 Severiano de tal pardo (Severiano Francisco) Terreno c/ casa de palha
13 Pedro Archanjo do Rozario Terreno de 45 braças c/ casa de palha 3º possuidor por compra de um terreno c/ 200 pés de coqueiros

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia. Governo da Província. Série justiça. Correspondência recebida de juízes (1851-1859). Seção do arquivo colonial e provincial. Maço 2397. Ano 1854.

Um aspecto importante a ser destacado no quadro 2, acima,  é que os índios, alusivos às numerações  de 5 a 13, pareciam ter se estabelecido em suas posses de forma comunitária no lugar denominado Mundéu, na Ponta do Mangue, cujas casas eram separadas por pés de coqueiros, apenas. Isto é muito significativo do ponto de vista da compreensão acerca das diversas formas de resistir, empreendidas pelos indígenas em situação de contato e interação com o mundo colonial. Pois, nesse caso, os observamos reproduzirem as suas relações coletivas, mesmo participando do processo de apossamento que tendia a ser uma prática individual de acesso a terra.

Outro aspecto presente no relatório, sobre o qual precisei pensar à luz de uma bibliografia específica, é a questão do uso dos nomes e sobrenomes usados pelos índios no processo de reconhecimento das posses. Existe uma ampla discussão na Antropologia acerca da antroponímica lusófona e da prática nominativa aplicada a estudos de caso entre grupos étnicos das mais variadas realidades, assunto que abordarei mais adiante deste ensaio para pensar o uso dos nomes entre os “índios posseiros” do distrito de Una. Por ora, quero observar a fluidez do uso do sobrenome por parte dos mesmos índios.

O relatório do distrito de Una, documento que norteia a minha análise no presente estudo, está dividido em seções. Na primeira seção, as pessoas acima relacionadas aparecem na categoria de índio seguida de nome próprio, em alguns casos; em outros, elas aparecem na categoria de índio, com nome próprio e sobrenome. Já na terceira seção do relatório, as mesmas pessoas aparecem com um nome próprio ou nome próprio seguido de sobrenome, mas todas elas destituídas do prefixo “índio”.

Observei que os índios das respectivas numerações (5 a 13) – elencados no quadro 2 –, foram relacionados em conjunto nas diferentes seções do documento; portanto, ainda que alguns deles tenham aparecido apenas com o nome próprio ou com o  nome e sobrenome na primeira seção, e na terceira seção não estivessem categorizados como indígena, a menção a eles em coletividade, em ambas as seções, pertencentes a um mesmo lugar de referência, me permite reconhecer, com segurança, se tratar das mesmas pessoas, como foram os casos da índia Ignez Maria (que aparece na terceira seção como Ignez Maria Bittencourt), do índio Severiano de tal pardo (que aparece na terceira seção como Severiano Francisco) e do índio Pedro Arcanjo do Rozario (que  aparece na terceira seção como Pedro Arcanjo).

Aqui, abro uma chave para pensar um pouco o caráter de fluidez no uso dos sobrenomes em detrimento do uso mais rigoroso dos nomes próprios portugueses à luz do que asseverou Pina Cabral. O autor observou que, no sistema antroponímico lusófono, “a essencialidade do nome próprio opõe-se à natureza adjetival e agregada do sobrenome que possui, portanto, menos peso ontológico”[37]. Tal assertiva pode nos ajudar a pensar o uso fluido dos sobrenomes nas diferentes seções do relatório em questão. Por outro lado, a não atribuição do sobrenome aos índios, em um documento elaborado num processo assimétrico de poder, podia significar, também, certa ideia de distinção social, marcando se tratar de alguém que não tinha origem familiar, já que o nome próprio, quando utilizado como nome de família, sugere, segundo o mesmo autor, “uma origem familiar em alguém que ‘não tinha nome de família’, por ser bastardo, por ser exposto ou por ser extremamente pobre”, ou seja, marca, assim, uma ideia de “subalternidade”[38].

A referência ao índio Severiano de tal pardo é bastante interessante, porque nos remete de pronto a uma questão cara ao Império no que dizia respeito à classificação e gerência da população. A Severiano atribuiu-se dupla classificação da cor, nos termos de Ivana Stolze[39], e desnuda, a meu ver, dois aspectos importantes. Um deles diz respeito aos processos de mistura e às relações interétnicas nos aldeamentos de catequese a partir da legislação pombalina e colocado em prática de forma mais acentuada durante o Oitocentos, incluindo-se aí os casamentos mistos e a inserção de colonos nos aldeamentos, pois o índio Severiano de tal pardo estava acessando ou sendo classificado tanto na categoria de “índio” quanto na categoria de “pardo”. O outro aspecto, diz respeito à complexidade do jogo das classificações e ordenações das cores no Império. Como bem observou Stolze: “Índios, mulatos, pardos, crioulos, pretos, africanos, nacionais, livres, escravos, brancos [eram] peças de tabelas manuscritas e impressas, ou então objetos de casas reservadas às ‘observações’ onde se procurava dar conta do que parecia insubmisso à ordenação”[40].

            Um último aspecto a ser observado, com base nas informações apresentadas no quadro 2,  diz respeito à informação de que Pedro Arcanjo do Rozario era possuidor de um terreno – por meio de compra – de 80 a 100 braças. Este terreno continha 200 pés de coqueiros no lugar denominado Ponta do Mangue. O exemplo de Pedro Arcanjo evidencia que os indígenas fizeram parte do processo da expansão da apropriação territorial, colocado em prática em Una, tanto através do apossamento quanto por meio da compra. Este caso serve para demonstrar a complexidade das relações sociais entre índios e não índios na região e, também, a capacidade de os indígenas estabelecerem novas formas de se manter em seus territórios, fosse individual ou coletivamente, no contexto em que a legislação fundiária do Império estava voltada a promover a “desamortização e privatização” das terras comunais dos indígenas[41].

O terceiro quarteirão tinha início ao norte da Barra de Una, à margem sul do rio Aquy [Acuípe] e limitava-se com a vila dos índios de Olivença, com extensão de três léguas pela costa de sul a norte e, para o centro, se estendia por uma légua até o lugar denominado Mamão. Daquele lugar até a costa, havia 11 índios estabelecidos com plantações de mandioca[42].

O documento não deixa em evidência, mas é muito provável que, a exemplo de outros quarteirões, os indígenas que viviam naquela localidade estivessem organizados de forma comunitária para o trabalho, porque – salvo os índios citados, com suas casas, roças ou plantações individualmente –, os demais são mencionados em coletivo. É provável que os índios do terceiro quarteirão, localizados entre Mamão e a costa, tivessem formado os seus sítios e compartilhassem a divisão do trabalho.

Nota-se, além disto, que no mapa do Distrito de Una (Figura 1), dividido nos respectivos quarteirões acima expostos, o terceiro quarteirão estava fora dos limites do território de Una. Tratava-se, de fato, de uma região de fronteiras extremamente fluídas entre não índios e os índios da vila de Olivença. Região marcada, inclusive, pela prática do estabelecimento de sítios, por parte dos índios, para além das terras do aldeamento e posterior vila de Olivença.

Em relatório elaborado no contexto da aplicação do Diretório dos Índios, na comarca de Ilhéus – no processo da demarcação das terras do aldeamento para a criação da vila de índios –, o ouvidor Luís Freire de Veras mencionou a existência de outras terras que estavam em posse dos mesmos índios para além do perímetro do aldeamento. O relatório também deixava em evidência a legitimidade de os índios da vila, então criada, expandirem seus limites territoriais, conforme suas necessidades, conquanto que o fizessem em terras incultas[43].

Também Balthazar da Silva Lisboa, juiz conservador das matas e ouvidor da comarca de Ilhéus, em 1798, afirmou que os únicos moradores em diversas localidades entre o rio Acuípe e Una eram os índios da vila de Olivença[44]. Essa informação é um indicativo muito convincente de que os índios posseiros do terceiro quarteirão, estabelecidos desde a localidade de nome Mamão até a costa, se tratassem dos índios da vila de Olivença. Muito provavelmente, os índios posseiros do segundo quarteirão, instalados entre as localidades Cajueiro e Capororoca, também fossem provenientes daquela vila indígena (ver Figura 1) tendo em vista a histórica fluidez do trânsito e a atuação dos índios da vila de Olivença na região.

O processo de formação e expansão fundiário em Una e Olivença, durante o século XIX, correspondia a uma realidade fronteiriça móvel, nos termos de Laura Muñoz, para quem se deve entender a fronteira como um “espaço onde dois mundos se tocavam pela colonização […], pelo intercâmbio […], [no qual] seu caráter de fronteira excedeu o de uma linha divisória e se converteu, melhor, em uma área ampla, variável e complexa, de contatos, cruzes e mesclas”[45]. Não por acaso, a Câmara da vila de Olivença denunciou em dada ocasião “a criação de gado solto nos arredores das roças dos índios”[46]. Contudo, os mesmos índios não estavam limitados a estabelecerem suas roças no perímetro das terras demarcadas, como ficou explicitado na ocasião da criação da vila. Em outras palavras, a fronteira geográfica, naquela região e época, se converteu em espaço de sociabilidades e trânsitos entre o mundo dos indígenas e dos não indígenas.

Já o quarto quarteirão do Distrito de Una, segundo o relatório, compreendia todo o rio Cachoeira e, aqui, ele é denominado de Rio Cachoeira de Una ou apenas Rio Cachoeira, ver mapa (Figura 1). Até bem pouco tempo atrás, não era possível localizar o referido rio na toponímia da região. Contudo, com base no estudo recente de Marcelo Dias e Girleane Araújo, através da consulta cartográfica e do cruzamento dos limites das posses contidas nos Registros Paroquiais de Terras de Una e visitas em lócus, defendo que o Rio Cacheira de Una correspondia a parte do rio Una caracterizado por intensas corredeiras de água que formavam cachoeiras na confluência entre os seus braços: Rio Braço do Sul do Una e Rio Braço do Norte do Una[47].

Das informações registradas sobre aquele quarteirão, se menciona a existência de três sesmarias: duas ao norte e uma ao sul do Rio Cachoeira de Una. Tal assertiva destoa das informações colhidas por Dias e Araújo, que identificaram nos Registros de Terras de Una, sete sesmarias instaladas naquele mesmo rio[48].

Conforme consta no relatório, a primeira sesmaria pertencia aos herdeiros do seu terceiro possuidor, José Antônio Ferreira, da cidade da Bahia [Salvador], “seguindo rio acima, sua frente vai athé a 5ª caxoeira denominada Sequeiro Grande. Dahi para cima athé o lugar denominado Repartimento achão-se 18 posseiros situados em terras públicas”. Dentre os posseiros relacionados na sequência do relatório do quarto quarteirão estão os índios João Mendes, Francisco Gonçalves, Sebastião Barbosa, Zeferino Antônio, Luiz Borges e José Antonio do Bomfim. Ver Quadro 3.

Quadro 3 – Índios posseiros do quarto quarteirão do distrito de Una: Rio Cachoeira de Una

NOME TIPO/ TAMANHO DA POSSE
1 João Mendes
2 Francisco Gonçalves
3 Sebastião Barbosa
4 Zeferino Antonio
5 Luiz Borges
6 José Antonio do Bomfim Posse 2º ocupante por compra
  Mais 3 índios (não há menção a seus nomes)

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia. Governo da Província. Série justiça. Correspondência recebida de juízes (1851-1859). Seção do arquivo colonial e provincial. Maço 2397. Ano 1854.

O relatório traz ainda a informação de que “no lugar denominado Repartimento despejava o rio denominado Braço do Norte. Neste rio, achavam-se situados três índios que trabalhavam juntos”[49]. Muito embora estes índios não tenham seus nomes revelados no relatório, a informação de que eles trabalhavam juntos, me permite, mais uma vez, observar que muitos dos “índios posseiros” estavam estabelecidos comunitariamente. Nesse sentido, tanto eles podiam ter escolhido obter e cultivar terras de forma coletiva quanto podiam ter estabelecido suas posses com moradia individual e fazerem uso comum da terra ou, ainda, se organizarem comunitariamente para o trabalho, mantendo roças individuais.

A extensão do rio Cacheira de Una é identificada como o núcleo de ocupação territorial mais antigo daquela região, em processo de expansão da fronteira da ocupação territorial, pelo fato de se configurar em região de antiga disputa pela terra e nela estarem localizadas as sesmarias que viriam a ser objeto de partilha entre os respectivos herdeiros, conforme Dias e Araújo observaram nos registros de terra da paróquia. Estes autores frisam que nesta zona foram registradas poucas posses e que menor ainda era o número das posses em primeira geração, o que já indicava a não disponibilidade de terras para fins da ocupação na região do quarto quarteirão do distrito de Una à época[50].

Isso não significa dizer, entretanto, que estava vetada a prática da posse naquela zona do rio Cachoeira, pois, na segunda metade do XIX, as posses naquela área foram mais facilmente estabelecidas por transmissão do primeiro para o segundo ou o terceiro ocupante por meio de doação, herança ou venda como foi o caso da posse do índio José Antônio do Bomfim, que comprou uma sorte de terras, em 1853, como segundo ocupante do sítio aberto por Pimentel, no lugar denominado Garapas.

O quinto quarteirão, que se estendia do lugar chamado Pau do Cedro ao Ribeirão Salobro, contava com a atuação de vários índios registrados na condição de posseiros. Menciona-se no relatório a presença de seis a oito índios localizados acima do lugar denominado Pau do Cedro e mais oito índios até o rio Salobro. Em terrenos, entre ribeirões, localizavam-se de nove a 10 índios com pequenas roças de mandioca em terras de sesmaria que se encontravam em abandono[51]. Perfazia um total de 23 a 26 o número dos posseiros indígenas registrados no quinto quarteirão, em Una. Diferentemente dos demais, não há menção aos nomes dos índios desse quarteirão, e segundo a informação contida no relatório, todas as posses haviam sido estabelecidas em antigas sesmarias que se encontravam em estado de abandono. Notei, além disso, que os índios são mencionados sempre em grupo nas respectivas localidades, o que só reforça a inferência de que a maior parte deles se organizava comunitariamente para o trabalho, mantendo as suas moradas e roças próximas umas às outras.

O sexto e último quarteirão compreendia os rios Maruim e Braço do Sul do Maruim: “Pelo rio Braço do Sul acima em terras que se consideravão publicas, achão-se situados 16 moradores com posses e casa habituais athé a 1ª pancada do dito rio”, dentre eles, 3 índios[52]. Ver quadro 4.

Quadro 4 – Índios posseiros do sexto quarteirão do distrito de Una: Rio Maruim ao rio Braço do Sul

NOME TIPO/TAMANHO DA POSSE
1 Manoel José Cardoso
2 João Felix
3 Januário Bento

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia. Governo da Província. Série justiça. Correspondência recebida de juízes (1851-1859). Seção do arquivo colonial e provincial. Maço 2397. Ano 1854.

            Em estudo sobre a Serra do Padeiro, aldeia que atualmente conforma a Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, Daniela Alarcon sublinhou a distribuição da população da TI nas seguintes regiões: “Acuípe de Baixo, Acuípe de Cima, Acuípe do Meio, Águas de Olivença, Cajueiro, Campo de São Pedro, Curupitanga, Cururutinga, Gravatá, Lagoa do Mabaço, Mamão, Maruim, Pixixica, Santana, Santaninha, Sapucaieira, Serra das Trempes, Serra do Padeiro, Serra do Serrote, Serra Negra e a vila de Olivença”[53]. Nesse sentido, tenho observado que parte da conformação da atual TI de Olivença apresenta bastante semelhança com o movimento da presença e atuação dos “índios posseiros” dos quarteirões do Distrito de Una. Ver Mapa (Figura1) acima.

Como pude observar, várias das localidades que compõem a TI eram ocupadas pelos “índios posseiros” no século XIX, a exemplo de Mamão, Cajueiro, Maruim, Acuípe e Sapucaieira, o que me permite construir uma primeira aproximação e tentativa de diálogo entre o estudo que tenho desenvolvido acerca das políticas indígenas e indigenistas levadas a cabo no sul da Bahia no Oitocentos e os estudos que se debruçam sobre os tupinambás de Olivença e a construção atual do respectivo território indígena, a exemplo da pesquisa de Daniela Alarcon.

Seguindo o raciocínio acerca do território comum correspondente à atuação e ao domínio dos “índios posseiros” em Una e à conformação atual da TI Tupinambá de Olivença, existem outras localidades daquele território que não receberam, no XIX, a mesma nomenclatura que receberam no século posterior, ou sequer tinham nomenclatura alguma, mas se trata do mesmo desenho regional anterior como a área do litoral nas proximidades do que é referida, hoje, como Lagoa do Mabaço, e também o Rio Braço do Norte do Una, que alcança a região da Serra do Padeiro, além do próprio Rio Una e o braço sul do Rio Maruim.

Além das observações referidas acima, é importante frisar que, todo o terceiro quarteirão estava fora do território de Una e que seus limites compreendiam a Cajueiro e à vila dos índios de Olivença. E mais, o que correspondia ao quarto quarteirão ou parte dele (Rio Cachoeira de Una) parece fazer parte do desenho atual da TI. Pois, lembremos que Luiz Borges, índio natural da vila de Olivença e que passou parte da sua vida em Ferradas, fez o caminho de volta e estabeleceu uma posse no dito Rio Cachoeira. Desse modo, a organização de parcela dos indígenas da região na categoria social de posseiro e parte dela – possivelmente índios dissidentes da vila de Olivença –, constituem mais um elemento para a compreensão da trajetória histórica dos indígenas no Sul da Bahia.

            Autores, a exemplo de Marcis (2004), Viegas e Paula (2009), Dias e Araújo (2016), já apontaram que, pelo menos desde meados do século XVIII, os índios do aldeamento jesuítico Nossa Senhora da Escada formavam sítios fora do perímetro do aldeamento, como já elucidei nesse texto. Vale destacar, contudo, que a prática de estabelecer sítios foi comum aos índios oriundos da experiência do antigo aldeamento de catequese, durante o século XIX, como forma de eles se manterem em seus territórios, forjando novas formas de organização e interação com a sociedade envolvente.

            Novamente, fazendo referência ao trabalho de Alarcon, os indígenas das diversas localidades da TI preservam a relação de “comunidade”, estruturada por laços de parentesco, compadrio e vicinalidade, ao mesmo tempo em que na TI se mantém uma relação dinâmica entre tais comunidades e o território indígena como um todo[54]. Essa ideia atual de comunidade é importante de ser observada neste texto, porque ela também está presente nas relações construídas pelos índios posseiros em quase todos os quarteirões do distrito de Una na década de 1850.

É recorrente, no documento referido, a menção de que os índios, daqueles quarteirões, compartilhavam uma mesma localidade bem como trabalhavam juntos. Logo, é possível considerar, com muita possibilidade de acerto, que a organização atual dessas “comunidades”, da TI de Olivença, tivesse sua origem nas relações construídas não apenas na experiência colonial, mas, sobretudo, no tecido social construído no processo de apossamento de terra ao longo do século XIX em quase todo o território de Una cuja dinâmica de organização se dava nos moldes comunitários, em grande medida. A dinâmica de apossamento, praticada pelos índios, certamente extrapolou os limites territoriais do Distrito, uma vez que se tratava de uma região de fronteiras fluidas e intercambiáveis, alcançando as regiões das serras, pelos cursos dos rios, por exemplo, como pode ser visto no mapa  correspondente à figura 1.

            Portanto, recuperar a experiência de parcela dos indígenas da região sul da Bahia, dentre eles os tupinambás de Olivença, ao evidenciá-los acessando a categoria de posseiro e se adequando à lógica e à dinâmica da apropriação territorial levada a cabo durante o século XIX em Una, me permite compreender um pouco mais as experiências atuais das populações indígenas no sul da Bahia bem como a percepção de como o Território Tupinambá atual foi se desenhando a partir das novas relações políticas e sociais forjadas ao longo daquele século.

 Como tenho observado no processo de comparação entre alguns aspectos da estruturação social da TI atual e as configurações sociais e de terra empreendidas pelos “índios posseiros” na documentação sobre aquela mesma região, muitas das “comunidades” que constituem a TI, hoje, correspondem às localidades de antigos agrupamentos de sítios ou terrenos abertos pelos índios posseiros que ali se estabeleceram e recriaram seus laços de sociabilidade e parentesco no processo da expansão da agricultura e da colonização em Una, colocado em prática de forma mais acentuada a partir de 1850.

Luiz Borges, Pedro Gomes e João Mendes: entre ser “índio”, “posseiro” e “morador”

Em O nome e o como, Carlo Ginzburg salientou ser possível realizar uma pesquisa onomástica mesmo para tratar abordagens nas quais os indivíduos “pertençam a estratos sociais de elevada mobilidade demográfica”[55], contexto no qual o pesquisador terá que contar, segundo ele, com o fator sorte na apreensão de registros e proceder “um pouco mais às apalpadelas”. Ou seja, o pesquisador que se dedica a trabalhar com estratos sociais demograficamente móveis é obrigado a aprender lidar com uma documentação que se apresenta, muitas vezes, rarefeita, imprecisa e fragmentada; ainda assim, o nome funciona como uma “bússola” na perspectiva de Ginzburg. Desse processo de investigação, disse o autor: “pouco a pouco emerge uma biografia, seja embora inevitavelmente fragmentária, e a rede das relações que as circunscrevem”[56].

Contudo, não é demais lembrar que a ideia presente neste ensaio não é construir uma narrativa biográfica nos termos da palavra acerca de Luiz Borges, Pedro Gomes e João Mendes, mesmo porque as fontes disponíveis e aqui utilizadas são fragmentadas ao extremo e não dão conta de traçar suas trajetórias individuais sequer de maneira fragmentadas. Na realidade, este texto exprime a tentativa de construir uma narrativa sobre a reorganização social de uma parcela de indígenas, do sul da Bahia, que acessaram a categoria de “posseiro”. Para isto tomei os casos apresentados como uma “bússola”, utilizando-os de empréstimo, e um pouco a contrapelo do termo de Ginzburg.  

Luiz Borges, Pedro Gomes e João Mendes foram escolhidos dentre os índios posseiros para figurar essa seção do texto por serem citados em diferentes fontes, o que me permite seguir o leve rastro deixado por eles na documentação a fim pensar, de forma mais ampla, a trajetória histórica de parte dos indígenas do sul da Bahia comum às suas experiências. Vale lembrar que se trata de uma região e de um contexto de espólio do patrimônio territorial indígena e de expansão da apropriação fundiária para fins da lavoura do cacau e do turismo, nos quais os indígenas se adequaram à lógica de acesso a terra, ali privilegiada. Em outras palavras, podemos observar que uma parcela dos índios do sul da Bahia assumiu novas categorias sociais, tais como as de “posseiro” e “morador”, ora mantendo ora suprimindo a categoria de “índio”. Vamos aos nossos personagens. Lembremos que compunha o quadro do levantamento censitário de Ferradas, de 1835, o índio Luiz Borges, com idade de 57 anos, viúvo, livre, lavrador e natural da vila dos índios de Olivença.

            Ferradas ou São Pedro de Alcântara foi um aldeamento dos guerens e camacãs instalado em Ilhéus, em 1814. A partir da segunda metade do século XIX, o aldeamento de Ferradas sofreu um processo de abandono administrativo e muitos dos aldeados passaram a abrir sítios fora do perímetro do aldeamento. Nesse contexto, é provável que Luiz Borges tenha voltado para a região de Una, nas proximidades da vila de Olivença, onde possivelmente mantinha laços de sociabilidade. Além disso, como já vimos em outro momento desse texto, a fronteira territorial e social entre os índios de Olivença e o território não indígena era de intensa fluidez e interação, pelo menos desde meados do século XVIII. As fronteiras pareciam ser de fato bastante móveis haja vista Luiz Borges ter migrado de Olivença para Ferradas, onde vivia com a sua família, filha e neto naturais de Ferradas e, ao que tudo indica, Luiz Borges fez o caminho de volta para a região de Olivença anos mais tarde, participando da dinâmica de apossamento de terra e abertura de sítios em Una.

            Na relação dos posseiros do relatório do quarto quarteirão do distrito de Una, de 1854, que compreendia o rio Cachoeira de Una, mas também o Braço do Norte do Una e o Rio Maruim, o índio Luiz Borges foi relacionado como um dos 18 posseiros que estavam instalados entre a 5ª cachoeira denominada Sequeiro Grande e a localidade denominada Repartimento, onde desaguava o rio Braço do Norte do Una. Luiz Borges, portanto, de índio aldeado e lavrador em Ferradas, parece ter passado à categoria de “índio posseiro” na zona da expansão da ocupação territorial de Una, processo que contava com atuação marcadamente perceptível dos índios de Olivença.

            Perceber a movimentação de Luiz Borges no território sul que compreendia a vila de Olivença, Ferradas e a área norte do rio Cachoeira do Una deixa bastante em evidência não só a fluidez do trânsito indígena na região, para além da zona da expansão fundiária de Una, como também a elasticidade da própria fronteira da ocupação e expansão territorial sul baiana, em meados do XIX.

            Sobre o nosso segundo personagem, no segundo quarteirão do distrito de Una, que compreendia a faixa litorânea e seguia na direção centro-oeste até o Rio Braço do Sul do Maruim, no rol dos posseiros citados entre as localidades Cajueiro e Capororocas, o índio Pedro Gomes apareceu ocupando terreno de 32 braças, sem casa de morada. Contudo, o mesmo Pedro Gomes apareceu na região do quarto quarteirão, que compreendia o rio Cachoeira, ele foi citado como dono da casa de farinha que marcava o limite da frente da sesmaria dos herdeiros de Manoel Diogo de Souza.

            Portanto, corroboro o que Dias e Araújo, ao analisar o processo da ocupação e expansão fundiária em Una, afirmaram: “a fronteira agrícola se manteve aberta para quem se determinasse a romper a floresta, abrir e estabelecer seus marcos de ocupação”[57]. Ainda que eu considere importante relativizar tal processo à luz do que asseverou Lígia Osório no já clássico Terras devolutas e latifúndio, “a abundância de terras era um dado relativo e socialmente determinado”[58].

O certo é que, Pedro Gomes posseiro na faixa litorânea de Una, também obteve uma posse com benfeitorias em uma região bastante longínqua da primeira, muito provavelmente na imediação entre o rio Cachoeira do Una e o seu Braço do Norte. A atuação de Pedro Gomes demonstra, portanto, que os índios acompanharam o movimento do avanço da expansão territorial agrícola da região.

            Seguindo um pouco mais Pedro Gomes, ainda em 1854, ele apareceu no já referido segundo quarteirão com mais uma posse pessoal, em cujo terreno ele habitava em uma casa de palha. Essa informação está registrada em uma das subseções do relatório dos quarteirões de Una: Relação das pessoas que ocupão terreno Nacional que não foi pedido por Sesmaria e que sempre foi conhecido por Realengo. Neste documento, Pedro Gomes já não apareceu identificado na categoria de “índio”, mas como “morador” daquele Distrito. Muito provavelmente, ele habitava nas proximidades da outra posse que mantinha no segundo quarteirão, sem casa de morada e já referida acima.

            Das posses de Una, contidas nos Registros Paroquiais de Terras da Freguesia de Olivença – registradas entre os anos de 1857 a 1860 – , Pedro Gomes da Costa registrou uma posse localizada no Rio Braço do Norte, a qual  ele frisou lhe pertencer “desde 1854”[59]. Sugiro a possibilidade de Pedro Gomes e Pedro Gomes da Costa se tratarem da mesma pessoa. Levanto tal hipótese por se tratar de pessoas com o mesmo nome próprio e primeiro sobrenome em comum e com posses na mesma localidade. É possível que, ao registrar a terra na paróquia, Pedro Gomes o tenha feito sem se apresentar como índio e utilizando um sobrenome, haja vista a flexibilidade do uso dos sobrenomes observada nos registros documentais.

Aqui, eu retomo a reflexão acerca do uso do nome português para pensar essa questão. Conforme João de Pina Cabral, a legislação portuguesa conferia uma maior importância ao nome próprio em detrimento do sobrenome que, segundo o autor, ganhava “uma considerável margem de manipulação antroponímica”[60]. O uso do nome próprio com maior frequência em detrimento do uso do sobrenome pode ser verificado ao analisar a aparição dos nomes dos índios na documentação, pois em alguns casos é apresentado apenas o nome próprio; em outros, o mesmo indivíduo aparece em um documento apenas com o nome próprio e em outro, com nome próprio e sobrenome; além disso, o mesmo indivíduo pode também aparecer com um ou dois sobrenomes em diferentes documentos, ou seja, enquanto o nome próprio é sempre o mesmo há enorme flexibilidade no uso do sobrenome, como foram os casos de Ignez Maria (Ignez Maria Bittencour), Severiano de tal pardo (Severiano Francisco) e Pedro Arcanjo do Rozario (Pedro Arcanjo) de quem já tratei nesse texto. O uso do sobrenome de forma elástica, portanto, parece se aplicar também a Pedro Gomes (Pedro Gomes da Costa) e a João Mendes (João Mendes Mascarenhas) de quem trato nessa seção do texto. 

            A exemplo disso, João Mendes, índio posseiro no Rio Cacheira, era, ao que tudo indica, João Mendes Mascarenhas, que registrou uma posse situada no mesmo rio Cachoeira, constante no livro de registros da capela de Santo Antônio da Barra de Una, Freguesia de Olivença. Na relação dos posseiros do quarto quarteirão, o índio João Mendes apareceu relacionado logo após o alemão Balsca, que parece se tratar de Balso Prene (os nomes estrangeiros são recorrentemente escritos de maneiras diferentes nos documentos), que registrou uma posse também no rio Cachoeira e aparece na tabela dos registros de terras elaborada por Dias e Araújo, logo após João Mendes Mascarenhas.

Portanto, as citações a João Mendes e Balsca bem como a João Mendes Mascarenhas e Balso, habitantes e posseiros nas mesmas localidades, não parecem se tratar de coincidências. Posso inferir, com base nas referências a ambos os posseiros no relatório do quarto quarteirão, que João Mendes e o alemão Balsca eram vizinhos. Além disso, João Mendes acessou, para além das categorias de índio e posseiro, a categoria de morador, pois ele apareceu, na terceira seção do relatório de Una de 1854, como “morador” daquele distrito. Sendo assim, João Mendes podia muito bem se tratar do João Mendes Mascarenhas que registrou uma posse na freguesia de Olivença entre os anos de 1857 a 1860.

Por meio do cruzamento dos nomes dos índios, apresentados no relatório de cada quarteirão, com os nomes dos moradores dos respectivos quarteirões – os quais aparecem como possuidores de terras em sesmarias em subseção do mesmo relatório –, foi possível identificar que eles migraram da categoria de índio para a categoria de morador. Eles, inclusive, aparecem classificados, na subseção, obedecendo à mesma ordem das relações da seção principal do relatório. No quadro 5 estão apresentados os índios, “moradores” dos respectivos quarteirões.

Quadro 5 – Os índios “posseiros” que migraram para a categoria de “moradores” no Relatório dos quarteirões de

                   Una

1º QUARTEIRÃO 2º QUARTEIRÃO 4º QUARTEIRÃO 6º QUARTEIRÃO
Eugênio Francisco José Alexandrino João Mendes João Felix
José Joaquim Pedro Gomes Francisco Gonçalves  
    Sebastião Barboza  
    Zeferino Antônio  

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia. Governo da Província. Série justiça. Correspondência recebida de juízes (1851-1859). Seção do arquivo colonial e provincial. Maço 2397. Ano 1854: “Rellação das pessoas que ocupam terrenos nacionais que não foram pedidos por Sesmaria e que sempre foram conhecidos por Realengo”.

Nesta subseção que compreendia a relação das pessoas ocupantes de terras não pedidas por sesmarias ao governo, o índio João Mendes aparece como “morador” no rio Cachoeira, lado do norte, com posse pessoal de 150 braças de terras[61].

Parece ser possível considerar, portanto, que muitos índios daquela faixa sul baiana “escolheram” – diga-se com muitas aspas – cultivar de forma coletiva ou individualmente a terra como posseiros, categoria social central no processo da construção e expansão fundiária da região, no século XIX. A análise da documentação me permite observar que, de fato, os índios não ficaram alheios ao processo de apossamento de terras e tampouco às consequências da intensificação da colonização, quando parte deles transitou entre as categorias de índio, posseiro e morador.

Não é demais salientar que este é um contexto no qual a política indigenista, subsidiária da política de terras de meados do XIX, submeteu os índios a um duro projeto de deslegitimação das suas organizações sociais e expropriação das suas terras coletivas. Segundo Vânia Moreira, individualizar os índios era uma estratégia política que estava associada à individualização das terras comuns, seguida também de sua desamortização e privatização[62].

Maria Regina Celestino de Almeida nos mostra os processos das reconfigurações étnicas assumidas pelos índios a partir do contato e interação no processo da colonização na América portuguesa.  Ela observou que “ao ingressar nos aldeamentos, os índios tinham expectativas próprias e lutavam para realiza-las. Para isso, faziam acordos com padres e autoridades e participavam ativamente do processo de mudança orientado por eles, porém, davam-lhes rumos e sentidos próprios”[63]. No sul da Bahia de meados do XIX, contexto de esfacelamento das aldeias e destituição dos direitos indígenas às terras comunais, é possível dizer que eles continuaram se reconfigurando política, social e etnicamente com base na experiência vivenciada pelos índios posseiros em Una apresentada e analisada neste ensaio.

 Em contexto de instabilidade do domínio sobre a terra, parte dos índios habitantes do sul da Bahia se adequou à nova paisagem regional que se desenhava a partir da segunda metade do século XIX, caracterizada pela expansão fundiária e agrícola e por maiores interesses em ocupar terras habitadas por índios, projeto político amparado na legislação de terras de 1850, que se apresentava extremamente nociva aos direitos territoriais indígenas.

No sul da Bahia, a classificação dos índios nas categorias de posseiro e morador representou, antes de tudo, a maneira como os indígenas foram inseridos nos levantamentos do governo no que diz respeito à ocupação fundiária da região. Mas devemos também ter em conta outra possibilidade igualmente possível para certos casos: a de que os próprios índios tenham se apropriado de tais categorias para se autodefinirem perante as autoridades, forjando um novo papel e lugar social para eles e suas famílias na região.

Nesse sentido, na realidade do sul da Bahia, diante do processo da expansão fundiária e destituição dos direitos dos índios, historicamente garantidos pelo indigenato, não me parece demais considerar que transitar entre as categorias de “índio”, “posseiro” e “morador” se tratasse de uma possibilidade vislumbrada por eles para manter o acesso a terra, ainda que em condições limitadas e desiguais.

REFERÊNCIAS

Fontes

APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854.

APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relação das pessoas que ocupam terrenos nacionais que foram pedidos para demarcar e que sempre foram conhecidos por realengo.

APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, Repartição Especial das Terras Públicas, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), maço 4613, 24 de fevereiro de 1861. Grifo da fonte.

APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), Diretor Geral dos Índios, maço 4613, 12 de março de 1861.

APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), ofício do inspetor-geral da Repartição Especial das Terras Públicas, maço 4613, 06 de abril de 1861.

APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), ofício do delegado do Diretor Geral das Terras Públicas, maço 4613, 1861.

APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), ofício do Juiz comissário de Ilhéus, maço 4613, 08 de julho de 1861.

APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1866-1889), maço 4614, 20 de abril de 1870.

Sítios consultados

Câmara dos Deputados

 http//:www2.camara.leg.br

Senado Federal

http//: www12.senado.leg.br

Genealogie online

http//:www.genealogieonline.nl

Bibliografia citada

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Notas


[1]Este texto compõe, de forma ligeiramente modificada, um dos capítulos da minha tese de doutorado, em andamento.

[2] Doutoranda em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPHR-UFRRJ) e professora substituta da Universidade Federal do Sul da Bahia (CJA-UFSB), e-mail: ayallasilva@yahoo.com.br.

[3] Censo de Ferradas (Aldeamento São Pedro de Alcântara). Arquivo Público do Município de Ilhéus, 1835.  A transcrição do presente documento me foi disponibilizada pela historiadora Mary Ann Mahony e trata-se de parte dos registros documentais colhidos em ocasião da sua pesquisa de doutorado, em 1989.

[4] Aldeamento São Pedro de Alcântara ou aldeamento de Ferradas era assim referido o núcleo colonial dos indígenas camacãs e guerens, localizado na estrada Ilhéus-Vitória, em 1814, e dirigido pelos frades capuchinhos italianos. Não se tem notícias, na documentação do século XIX, sobre a origem da duplicidade desse nome do aldeamento. Contudo, Ferradas, desde sempre, foi marcado como entreposto regional – local de descanso dos viajantes e animais de carga que desciam do interior da província para Ilhéus e encontravam, nesta localidade, a segurança necessária para o pouso da viagem, prevenindo-se contra a ação dos indígenas não aldeados. Portanto, algumas vezes, as nomenclaturas aparecem como sinônimas; outras, Ferradas figura como o local que abrigava o aldeamento e servia de passagem para pessoas e tropas. Ferradas permaneceu com esta terminologia após gradativa dissolução do aldeamento na década de 1860 e manteve a sua função de importante entreposto regional. À época, Ferradas pertencia à comarca de Ilhéus (uma categoria administrativa colonial) e era gerida política e juridicamente pela vila de Ilhéus. Em início no século XX, passou a vilarejo do então município de Itabuna, tendo sido convertido em um bairro do referido munícipio, posteriormente.

[5] A partir da vigência do Diretório pombalino, em 1759, os antigos aldeamentos jesuíticos foram transformados em vilas, foi nesse contexto, portanto, que o aldeamento Nossa Senhora da Escada dos Ilhéus passou à categoria de vila e, desde então, referida como vila dos índios de Olivença. Atualmente, o distrito de Olivença, localizado há 15 quilômetros de Ilhéus, integra aquela municipalidade.

[6] GINZBURG, Carlo. “O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico”. In: A micro-história e outros ensaios. Difel, 1989.

[7] A atual cidade baiana de Una limita-se com os munícipios Ilhéus, Buerarema, Santa Luzia, Arataca e Canavieiras pertencia, à época, ao território administrativo da comarca de Ilhéus, província da Bahia. A partir das diretrizes da Lei de terras de 1850, o território espacial de Una foi caracterizado de Distrito.

[8]MARCIS, Teresinha. A integração dos índios como súditos do Rei de Portugal: uma análise do projeto, dos autores e da implementação na capitania de Ilhéus, 1758-1822. Tese de doutorado. Universidade Federal da Bahia. Salvador-BA, 2013, p.189.

[9] Idem, p.191.

[10] MARCIS, Teresinha. Op., cit., 2013, p.196.

[11] Idem, p. 199.

[12] Idem, p. 197.

[13] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1866-1889), maço 4614, 20 de abril de 1870.

[14] MARCIS, Teresinha. Op., cit., 2013.

[15]SILVA, Ayalla Oliveira. Ordem Imperial e Aldeamento Indígena: camacãs, guerens e pataxós no Sul da Bahia. Ilhéus: Editus, 2018.

[16]

[17]CUNHA, Manuela Carneiro da. “Política Indigenista no século XIX”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: FAPESP, Companhia das Letras, 1992, p. 133.

[18]Em face do que definia a Lei de Terras de 1850 sobre a posse da terra, apenas mediante a compra, em lei complementar de 1860, o Império decidiu alargar o regime de posse, por meio do aforamento de terras devolutas, através da Lei Orçamentária de 1860 (lei 1.114). Contudo, o aforamento foi regulado definitivamente no Código Civil de 1916, em seus artigos 678 e 679, que previa o seguinte: “Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável; O contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-se arrendamento, e como tal se rege”:  http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-1-pl.html.

[19] A árvore genealógica da família Bloem foi acessada em: https://www.genealogieonline.nl/de/petroucic-genealogy/I310988.php#bronnen.

[20] FREYRE, Gilberto. “Um engenheiro alemão” In: Um engenheiro Francês no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. José Olímpio, 1940, pp. 92 a 98.

[21] Cf. SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas: Editora da UNIPAMP, 1996, p. 167: “Essa repartição, chefiada por um Diretor-Geral das Terras Públicas, deveria dirigir e organizar a medição, descrição e divisão das terras devolutas e propor ao governo quais as terras que deveriam ser reservadas para a colonização indígena e estrangeira, quais as destinadas à fundação de povoações, à venda e à marinha. Deveria também promover a colonização nacional e estrangeira e organizar o registro das terras no domínio particular em todo o Império”.

[22] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, Repartição Especial das Terras Públicas, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), maço 4613, 24 de fevereiro de 1861. Grifo da fonte.

[23] No capítulo III, artigo 11, inciso 8 fica estabelecido: “Para aforar ou vender, na conformidade da lei nº 601 de 18 de Setembro de 1850, os terrenos pertencentes às antigas Missões e Aldêas dos Indios, que estiverem abandonados, cedendo todavia a aparte que julgar suficiente para a cultura dos que nelles ainda permanecerem, e os requererem”: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=58984&norma=74840. Acessado em 15 de março de 2017 às 20h45min.

[24] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), Diretor Geral dos Índios, maço 4613, 12 de março de 1861.

[25] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), ofício do inspetor-geral da Repartição Especial das Terras Públicas, maço 4613, 06 de abril de 1861.

[26] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), ofício do delegado do Diretor Geral das Terras Públicas, maço 4613, 1861.

[27] SILVA, Lígia Osório. Op., cit., p. 169.

[28] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1823-1881), ofício do Juiz comissário de Ilhéus, maço 4613, 08 de julho de 1861.

[29] CUNHA, Manuela Carneiro da. Op., cit., p. 146.

[30] MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. 2ª ed. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008.

[31] O mapa do distrito de Una foi construído a partir das informações contidas no relatório dos quarteirões do mesmo distrito, com o suporte de informações contidas em outros documentos utilizados na pesquisa de doutoramento, bem como nos registros de terras e no mapa presentes no artigo de Dias e Araújo: Ocupação territorial em uma fronteira indígena do sul da Bahia: Una e Olivença em meados do século XIX. O relatório do distrito de Una traz, de forma bem detalhada, a divisão territorial daquela região, com a extensão e os limites dos quarteirões em léguas, bem como o nome das localidades de povoamento e as distâncias entre elas, o que me permitiu construir um mapa cuja divisão territorial se aproxima da composição geográfica e social real daquela região à época.

[32] DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. “Ocupação territorial em uma fronteira indígena do sul da Bahia: Una e Olivença em meados do século XIX”. Revista Territórios e Fronteiras, Cuiabá, vol. 9, n. 1, jan.-jun., 2016.

[33] Idem, p. 234.

[34] APEB: Seção colonial e provincial, série agricultura, comissão de medição dos aldeamentos dos índios (1856-1864), maço 4612.

[35] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relatório do primeiro quarteirão.

[36] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relatório do segundo quarteirão.

[37] PINA-CABRAL, João de. “Recorrências antroponímicas lusófonas”. Dossiê Outros nomes, histórias cruzadas: os nomes. Etnográfica. Vol. 12 (1), 2008, p. 8.

[38] PINA-CABRAL, João de. Op., cit., p. 4.

[39] LIMA, Ivana Stolze. Cores, marcas e falas: sentidos da mestiçagem no Império do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 91: A autora levanta como questão central, pensar a “linguagem oficial” do Império, através das diversas tentativas de realização de um censo geral. Processo no qual o Império se esforçava para conhecer, ordenar e gerir os seus habitantes enquanto população, subdividindo uma totalidade de habitantes em categorias classificatórias “para melhor geri-lo e para restaurar as hierarquias sociais”.

[40] Idem, p. 90.

[41] MOREIRA, Vânia Maria Losada. “Deslegitimação das diferenças étnicas, “cidanização” e desamortização das terras de índios: notas sobre liberalismo, indigenismo e leis agrárias no México e no Brasil na década de 1850”. Mundos do Trabalho, vol. 4, n. 8, julho-dezembro de 2012.

[42] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relatório do terceiro quarteirão.

[43] DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. Op., cit., pp. 217-218.

[44] Idem, p. 2018.

[45] MUÑOZ, Laura. “Bajo el cielo ardiente de los trópicos: Las fronteras del Caribe em el siglo XIX”. In: Fronteiras: Paisagens, personagens, identidades. GUTIÉRREZ, Horácio; NAXARA, Márcia R. C. e LOPES, Maria Aparecida de S. (orgs.). Franca: ENESP, São Paulo: Olho d’Água, 2003, p.55. Tradução minha.

[46] MARCIS, Teresinha.  A “hecatombe de Olivença”: Construção e reconstrução da identidade étnica-1904. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia: Salvador, 2004, p. 72.

[47] DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. Op., cit., p. 229.

[48] Idem, 228.

[49] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relatório do quarto quarteirão.

[50] DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. Op., cit., pp. 228-229.

[51] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relatório do quinto quarteirão.

[52] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relatório do sexto quarteirão.

[53] ALARCON, Daniela Fernandes. O Retorno da Terra:As retomadas na aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, sul da Bahia. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília, 2013, p. 22.

[54] ALARCON, Daniela Fernandes. Op., cit., p. 22.

[55] GINZBURG, Carlos. Op., cit., p. 175.

[56] Idem, p. 176.

[57]DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. Op., cit., p. 235.

[58] SILVA, Lígia Osório. Op., cit., p. 337.

[59]  DIAS, Marcelo Henrique; ARAÚJO, Girleane Santos. Op., cit., p. 228.

[60] PINA-CABRAL, João de. Op., cit., pp. 4-7.

[61] APEB: Seção colonial e provincial, série justiça, correspondência recebida de juízes (1851-1859), maço 2397, 1854. Relação das pessoas que ocupam terrenos nacionais que foram pedidos para demarcar e que sempre foram conhecidos por realengo.

[62] MOREIRA, Vânia Maria Losada. Op., cit., p. 69.

[63] ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 169.

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