biografia

Maria D’Ajuda Alves da Conceição (Pajé Jaçanã)

Autor(es): Aline Pataxó
Biografado: Maria D’Ajuda Alves da Conceição (Pajé Jaçanã)
Nascimento: 1942
Povo indígena: Pataxó
Estado: Bahia
Categorias:Estado, Bahia, Biografia, Etnias, Pataxó
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Maria D’Ajuda Alves da Conceição (Pajé Jaçanã)

Anciã

Idade: 73 anos (1942)

Nascida em Barra Velha (Registrada em Vale Verde)

Viúva, mãe 9 filhos (4 vivos), 12 netos 3 bisnetos.

 

A senhora Maria D’ajuda, mais conhecida como “Pajé Jaçanã”, participou diretamente da retomada das terras indígenas. Dona Jaçanã, em sua entrevista, relata alguns fatos marcantes das dificuldades que sofreram naquela época da retomada do território indígena Aldeia Velha. Quando ficaram na parte baixa da aldeia, “havia muito mosquito, se via doido com tanto mosquito, falta de água, bebendo a água dos animais que bebia naquelas poças”.

Durante todo esse período de retomada da terra, os primeiros moradores sofreram bastante para chegarem onde estão hoje. Porém, segundo a Pajé Jaçanã, muitas pessoas mais novas na aldeia desconhecem ou até mesmo não valorizam essas lutas enfrentadas pelas primeiras famílias.

A pajé Jaçanã afirma ter sido escolhida pela comunidade para exercer a função de Pajé, devido a sua sabedoria em fazer partos, grande força espiritual e conhecimentos com ervas medicinais para o tratamento de doenças.

Dona D’ajuda fez o seu primeiro parto aos vinte anos, “foi Cosme de cumadre Marinalva, ele é meu neto de pegação”. A pajé afirma ter feito o parto na mata, em um lugar perto da Braolândia, local onde ela residiu por algum tempo, antes de vir morar na aldeia. Dona D’ ajuda relata ter aprendido esse ofício observando as práticas da parteira que fez o seu próprio parto.

A partir daí Dona D’ajuda realizou partos em vários outros lugares, como na cidade de Eunápolis, Porto Seguro e Arraial D’ Ajuda, inclusive na Aldeia Velha. Menciona alguns casos que marcaram sua trajetória de vida, como parteira, “já fiz parto, onde nasceu um sapo, que era do tamanho de uma criança. Aqui no Arraial D’ajuda eu peguei também um baby, aquele boneco que aparecia de primeiro na televisão. Todo grossinho o bracinho, mas nasceu morto.” Em seu relato, o parto que achou mais arriscado ocorreu em sua própria aldeia; a mulher ganhou o filho com a placenta agarrada no útero, em sua opinião “não teve nenhum parto tão perigoso como esse”.

Em relação ao parto, dona D’ajuda explica que as mulheres vão para os hospitais para terem os bebês, e lá não recebem os devidos cuidados, “porque muitas vezes a criança está em uma posição, e pouca hora, pode dar um desvio, é aí aonde muitas morrem”. Os profissionais na área não ficam ali com elas, acompanhando todo o processo para ganhar o neném. E, em casa, a parteira tem todo o cuidado, fica acompanhando a paciente, até o momento final do parto, “não pode sair e deixar a mulher sentindo dor”. Têm que ter bastante conhecimentos com ervas, para ser feito os banhos que precisam, para alívio de dores durante e após o parto.

Maria D’ajuda relata com detalhes o que faz uma pajé em sua comunidade, “viver aconselhando, orando as pessoas, fazer e ensinar remédios” e que, muitas vezes, as pessoas acham que ela poderia ser mais do que o cacique. Porém, dona Jaçanã afirma que, acima de tudo, respeita o cacique e não quer ser melhor que ninguém, “ele que desenrole com o rolo dele e eu desenrolo com o meu”.

Maria D’ ajuda foi casada por 30 anos com o senhor Benedito Cancela da Conceição, com quem teve seus nove filhos. No entanto, infelizmente o seu esposo faleceu devido a uma úlcera aos 50 anos de idade. Dona D’ajuda afirma que, durante o período da primeira tentativa de retomada, o seu esposo esteve presente, contribuindo com sua ajuda. Porém, após cinco anos, teve a segunda retomada no qual o senhor Benedito já havia falecido. Mesmo com a perda do seu companheiro, a luta continuava e o desejo de conquistar a terra era o objetivo principal. Na entrevista afirma que antes de morar na Aldeia Velha, residia no Projeto Vale Verde –Distrito de Porto Seguro.

Em seus relatos, Maria D’ajuda, emocionada, relata um acontecimento que marcou a sua vida para sempre, a lamentável perda de seus cinco filhos. A Pajé Jaçanã detalha como ocorreu as mortes; dois morreram de morte súbita, “a menina tinha 1 ano e 6 meses, quando morreu de tosse coqueluche e o menino com ataque de verme”. Após a perda dos dois filhos, dona D’ ajuda afirma ter tido um sonho antes da morte de seus três filhos, “eu passava pelo campo sem fim que estava pegando fogo, e não me queimava”. Ao acordar, a Pajé relatou para o seu esposo o sonho que teve. Com uma semana depois, ela teve outro sonho que parecia a continuidade do anterior, “chegou uma mulher, que eu nunca havia visto antes e me falou que minha cabana, que era de palha, estava queimando e meus filhos estavam mortos, corre, e ao chegar lá, eles estavam brincando no quintal”.

No entanto, alguns dias depois da visão que havia tido, lamentavelmente o fato ocorreu literalmente idêntico ao sonho. Logo após presenciar o ocorrido, dona D’ajuda menciona ter desmaiado, em meio ao desespero de não poder fazer nada para salvar seus filhos, pois ao chegar no local, já estavam todos mortos. Mesmo com o passar do tempo, a Pajé afirma ter tristes lembranças do que aconteceu com seus três filhos, “quanto mais o tempo passa, mais meus pensamentos ficam fracos, isso me abala até hoje, são feridas que nunca irão cicatrizar”.

Jaçanã declara se sentir bem exercendo a função de pajé, e que têm o total respeito de todos da comunidade. Apesar de ter apenas 12 netos (no momento), as crianças que ela fez o parto, todas a consideram como “Vó D’ajuda” e tem um enorme carinho e respeito pela anciã.

Na entrevista, a anciã relata ter viajado para vários lugares, até mesmo, fora do estado da Bahia, dando palestras e transmitindo os seus conhecimentos tradicionais. Ela cita alguns lugares que recordou, “fui pra São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outros lugares, que no momento não me lembro”; foi convidada, em 2015, para palestrar em um seminário que foi realizado na Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Minas Gerais. A Pajé menciona que também foi convidada para um evento que aconteceria fora do país, em Portugal. No entanto, devido a sua saúde estar debilitada, ficou impossibilitada de ir ao evento. Mas, apesar de não ter ido, dona D’ajuda afirma ter ficado muito feliz pelo convite e o reconhecimento que tiveram com ela.

Apesar de todo o sofrimento que passou no passado, a pajé Jaçanã declara que hoje vive bem, “tenho um lugar tranquilo para morar e moro perto dos meus filhos, neto e bisnetos”. Dona Jaçanã menciona que, no decorrer do tempo, teve algumas melhorias, durante sua trajetória de vida. Segundo Jaçanã, hoje reside em uma casa melhor, “pois antes, morava em casa de palha, lona e taipa”. A anciã afirma que, devido a aldeia ser próxima da cidade e ter um fácil acesso para as necessidades que precisam, como a compra de mantimento, atendimento médico e outros. As mudanças foram continuas em todos os aspectos. A comunidade está mais tranquila, referente a conflitos entre indígenas/fazendeiro e isso a deixa feliz. Dona Jaçanã declara que, “primeiramente agradece a Deus e ao cacique Ipê, pois se hoje estamos aqui, foi por causa dele” e “pela coragem dele e dos primeiros moradores”.

A história de vida da anciã Maria D’ajuda, nos deixa uma grande mensagem de superação, determinação e de uma mulher guerreira. Apesar de ter perdido o seu companheiro e os seus filhos tragicamente, teve força de vontade e determinação para criar sozinha, os seus quatro filhos, que estavam ainda pequenos. Em sua comunidade, Dona Jaçanã é uma referência, pois além de ser a Pajé, é parteira e tem bastante conhecimento com ervas medicinais, no tratamento de diversas doenças. A mesma é procurada por muitas pessoas, para fazerem tratamento natural com ervas medicinais. A pajé Jaçanã relata que é gratificante o reconhecimento que as pessoas têm com o trabalho que ela desenvolve na comunidade.

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