biografia
Mariceia (Ahnã Pataxó)
Autor(es): Aline Pataxó
Biografado: Mariceia Meirelles Guedes
Nascimento: 1979
Povo indígena: Pataxó
Estado: Bahia
Categorias:Estado, Bahia, Biografia, Etnias, Pataxó
Tags:Bahia, Feminino, Pataxó
Mariceia Meirelles Guedes (Ahnã Pataxó)
Liderança e professora
Idade: 35 anos (1979)
Nascida em Águas Belas – Bahia
Casada, mãe de 3 filhos.
A professora Mariceia, mais conhecida por “Arnã Pataxó”, atualmente está cursando a Licenciatura Indígena no Instituto Federal da Bahia, na área de Ciências Humanas e Sociais. É artesã, liderança e grande articuladora[1] no fortalecimento cultural.
Em sua entrevista, Ahnã explica com detalhes como foi a sua vinda para a Aldeia Velha. Segundo o seu relato, ela trabalhava com artesanato, na confecção e na venda, e “devido o Povo Pataxó ainda ser um povo nômade, procurava melhorias em outros lugares”. Antes de morar na aldeia, residia na Aldeia Coroa Vermelha. Porém, havia bastante concorrência com os demais indígenas na venda dos artesanatos. Então, em 2002, ela e sua amiga, chamada Sandra, resolveram vir para as praias do Arraial D’Ajuda, para venderem os artesanatos, procurando melhorias de vendas para o sustento da família. E perceberam que o movimento de vendas era bom e começaram a frequentar constantemente as praias. Notaram, também, que a noite na Broadway (uma rua turística, muito conhecida), que fica ao lado da Praça São Braz, havia um enorme movimento, especialmente no “período do verão”.
Dessa forma, no pensamento delas, poderiam expor seus artesanatos para venda, pois já tinham viajado para vários outros lugares e estados diferentes, e nunca haviam tido problemas. Porém, quando foram comercializar os seus artesanatos no Arraial D’ Ajuda, se depararam com essa problemática: havia bastante fiscalização da prefeitura em conjunto com a Polícia Militar e não deixavam os indígenas venderem os artesanatos na praia de dia e nem na praça à noite. Ahnã relata que os conflitos eram constantes, e mesmo recebendo ameaças de serem presos os seus artesanatos, ela não desistia e continuava lutando pelos seus direitos.
Mariceia afirma ter alugado “um quartinho apenas para dormir” no bairro Guanabara (Arraial D’Ajuda), para vender os seus artesanatos no período noturno. Segundo Ahnã, neste mesmo período, ela e Sandra encontraram com cacique Ipê (na época), que era um “velho conhecido”, pois o mesmo tinha uma loja de artesanato do lado dela, na Aldeia Coroa Vermelha onde trabalhavam. Após a conversa, Ipê a convidou para conhecer a Aldeia Velha, pois ela não conhecia ainda. Ele explicou que se tratava de uma aldeia que ficava localizada próxima ao Arraial D’Ajuda, mas era uma área fechada e reservada para os indígenas. Passados dois dias de sua conversa com o Ipê, ela e Sandra foram conhecer a aldeia e gostaram muito do lugar. Saíram do quarto de aluguel e vieram para Aldeia Velha, apenas para passar uns dias, na casa do cacique, para comercializar os artesanatos, como meio de sobrevivência de suas famílias. Ficavam uns dias no Arraial e depois iam para suas residências na Aldeia Coroa Vermelha ver seus familiares.
Ahnã relata ter ficado temporariamente, um período de oito meses. Depois de algum tempo, Ipê a convidou para morar na aldeia. Em 2004, ela conseguiu um terreno, começou a construir a sua casa e passou a morar na aldeia definitivamente. Em seu relato, um dos momentos mais marcantes de sua vinda para Aldeia Velha foi quando ela ia vender artesanato na Praça da Broadway (centro), e arrumava confusões com a fiscalização da prefeitura e a polícia, pois havia bastante discriminação com os indígenas.
Segundo Ahnã, por ter experiência em viajar para outros lugares, achava que poderia expor seus artesanatos para vender na praça. Lembra que muitas vezes seus materiais (artesanatos) haviam sido apreendidos e que uma vez ela e sua amiga Sandra chegaram a ser presas. Ficaram um dia inteiro detidas na ouvidoria da Policia Militar, apenas por quererem vender seus artesanatos, que era o seu único meio de sobrevivência. Relata que nessa época o responsável pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio – Núcleo Porto Seguro), era o indígena “Zeca Pataxó”. Várias vezes ele ia ao Arraial D’Ajuda retirar os materiais que estavam apreendidos na delegacia.
Apesar de todos esses ocorridos, ela não se intimidava com as ameaças sofridas e continuava na luta pelos seus direitos e nunca desistia. Mariceia declara que as pessoas do Arraial perguntavam para os moradores da aldeia se eles residiam na Fazenda Santo Amaro e as pessoas confirmavam. Porém, ela começou a enfatizar “na cabeça dos jovens e dos mais velhos que esse era o nome antigo do local e não se chamava mais assim, mas sim Aldeia Velha” e “que na aldeia as pessoas já praticavam a cultura, mas precisava de alguém mais ousado.” A partir daí, “as pessoas de fora da aldeia começaram a respeitar e reconhecer-nos como Aldeia Indígena”.
Ahnã afirma que, neste mesmo período, começaram a vir os projetos para a comunidade. Ela e o professor José Roberto dos Santos, passaram a monitorar o projeto Arteducar (Governo do Estado e parceria com a TIM operadora de serviços de telefones celulares). Segundo Mariceia, eles trabalharam com crianças, adolescentes e jovens. Ela trabalhando na revitalização da cultura, com dança/música, e o Roberto com confecção de adereço[2]. Através desse projeto, fizeram vários movimentos culturais, dentro e fora da aldeia. Mariceia relembra alguns. Um deles foi o primeiro intercâmbio cultural com outra aldeia, o intercâmbio realizado na Aldeia Indígena Pataxó Barra Velha, no ano de 2005; apresentações de dança tradicional, no Centro de Cultura de Porto Seguro, hotéis, praça do Arraial D’Ajuda. Ahnã cita outros projetos que recorda ter vindo para a comunidade e que ela participou, como: projeto segundo tempo (Governo Federal), MEA (Associação das Mulheres em Ação) e o projeto da reserva de preservação ambiental e fortalecimento cultural. Mariceia ressalta que o projeto da reserva era sociocultural, onde participavam boa parte da comunidade, “crianças, adolescente, jovens, adultos e os mais velhos”, recebiam turista de dentro e fora do país, numa parte da aldeia que é apenas área de preservação.
Os indígenas realizavam apresentações como dança tradicional “Awê”, trilha ecológica de preservação ambiental, comida típica, pintura, palestras sobre a história do povo Pataxó e outros atrativos. Através desse projeto, tiveram algumas oportunidades para apresentar a cultura fora da aldeia. Foram convidados para viajar para vários lugares, dentre eles, “Salvador, São Paulo”, e, com isso, mobilizou toda a comunidade, “dessa forma buscando a revitalização da nossa cultura, dentro da aldeia”. Infelizmente, não houve continuidade no projeto da reserva, devido a um incêndio que teve na cabana cultural onde eram desenvolvidas as atividades citadas acima, porém, “até o momento não sabemos qual foi o motivo desse trágico acidente”.
No entanto, apesar do incidente ocorrido com a cabana, os movimentos culturais dentro da aldeia, não pararam. Segundo Ahnã, a partir daí, continuaram a crescer culturalmente e a buscar os seus direitos. Ela cita alguns desses direitos, “a oportunidade de participar dos jogos indígenas nacionais, os jogos indígenas de Porto Seguro e demais representações indígenas”. Ressalta ser muito importante estar participando desses movimentos, pois assim estará dando visibilidade para sua aldeia e ao seu povo, que é bastante discriminado pelos não indígenas.
Em sua entrevista relata que, no dia 30 de março de 2010, ganhou a etapa estadual do Prêmio Mulher de Negócios 2009[3] do SEBRAE[4], na categoria Negócios Coletivos, pelo reconhecimento de sua história de vida e empreendedorismo na aldeia em que reside. Ressalta ter saído, em abril de 2010 (Nº184), uma matéria na revista Conexão Bahia do SEBRAE, relatando que a mesma havia ganhado o prêmio. Ahnã declara “me sentir muito honrada em poder representar as mulheres baianas e, em especial a minha comunidade, através desse prêmio.”
Em 2009, Ahnã relata ter prestado o vestibular do IFBA para a Licenciatura Intercultural Indígena (LINTER), “fiz a prova, apenas para testar os meus conhecimentos, mais não tinha esperança de passar”. Porém, a mesma foi aprovada, passando na cota das lideranças. No entanto, apesar de não achar que iria passar, Ahnã afirma ter ficado surpresa com a aprovação, “mas se passei, vou honrar o nome da minha aldeia e o meu povo”. Mariceia explica como foi a sua entrada na Escola Indígena de Aldeia Velha: “entrei na escola como estágio, e acabei gostando”. Após essa experiência, em 2013, teve a oportunidade de exercer a função de professora, onde atua até hoje, nas disciplinas de Geografia e História, no Fundamental II. Ahnã declara, que na aldeia, além dela ser mãe, é professora, liderança, artesã e que faz de tudo um pouco.
Na entrevista, Ahnã afirmar que os projetos em sua aldeia são continuos, “o povo Pataxó não pode parar”. Ela descreve um projeto que atualmente está participando para o fortalecimento e afirmação cultural que é a “Varanda Cultural”. Segundo Mariceia, a “varanda cultural é um espaço físico em sua casa”, porém, não fica fixo apenas em um lugar. O desejo da professora e os demais membros da equipe (varanda), é expandir, percorrendo toda a comunidade “ir nas casas ou até mesmo na rua.” Ahnã detalha, alguns aspectos que Varanda Cultural proporciona; “trazemos um ancião para contar histórias (narrativas, contos e lendas), exibimos documentários ou filmagens, oficina de artesanato e pintura” e, dessa forma, mostramos para as crianças, adolescente e jovens, a importância de manter, afirmar e praticar a cultura. Ressalta ser um trabalho sociocultural, para a revitalização do Povo Pataxó, dentro de Aldeia Velha.
A professora Ahnã menciona que em toda sua trajetória de vida sempre participou ativamente, do movimento indígena, junto com seu povo. Segundo ela, devido a sua aldeia ser bastante próxima da cidade, em seu ponto de vista, “nosso povo vive muito vulnerável”. Declara que essa questão hoje é o que mais a preocupa “manter a cultura viva dentro da comunidade”. Pela proximidade e o fácil acesso ao Distrito do Arraial D’Ajuda e demais povoados, “estamos praticamente espremidos”, no meio dessas circunvizinhanças, tendo o contato direto com os não indígenas, pois isso é inevitável. No entanto, Ahnã ressalta ser importantíssimo demostrar para os jovens, que eles devem dar continuidade na luta pelos direitos de seu povo, e ela afirma que, para isso “temos que manter nossa cultura, porque o índio sem cultura, o quê que somos?”. Em seu relato, Mariceia, relata, que a luta pelo território, por uma saúde de qualidade, uma educação diferenciada e para os indígenas estarem hoje em uma Universidade, “essa luta não foi nossa não! Foi de nossos mais velhos, que morreu lutando, por esses direitos” e que é preciso todos valorizarem essas lutas, conquistadas pelas lideranças. Ahnã ressalta que é o dever de todo indígena que sai representando suas respectivas aldeias e contribuir com sua comunidade, de acordo aos conhecimentos adquiridos nas Universidades e demais instituições, por terem saído de suas aldeias representando o seu povo.
Notas
[1] Incentivadora e estimuladora no fortalecimento cultural de seu povo.
[2] Confecção de artesanato do povo Pataxó, dentre eles: brincos, cocares de pena (ornamento que os indígenas usam na cabeça).
[3] Site: www.mulherdenegócios.sebrae.com.br
[4] Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Bahia
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