biografia
Dona Mundica
Autor(es): Eronilde de Souza Fermin
Biografado: Dona Mundica
Nascimento: 1901
Morte: 2002
Povo indígena: Kambeba
Estado: Amazonas
Categorias:Estado, Amazonas, Biografia, Etnias, Kambeba
Tags:Amazonas, Feminino, Kambeba
Dona Mundica, Raimunda Ferreira da Silva (19.08.1901 – 29.06.2002): Indígena Kambeba do município de São Paulo de Olivença.
Raimunda nasceu no dia 19 de agosto 1901 na aldeia Kariwazal, que significa na língua kambeba: brancozada. Esse nome os kambebas designavam aos moradores do lugar, porque estes eram considerados pessoas sábias. Hoje, devido a influencia da igreja católica, esse lugar é conhecido como Santa Terezinha. Prudencio Ondion, um devoto da santa, foi o responsável pela mudança do nome do local. Prudencio Ondion veio a ser prefeito de São Paulo de Olivença.
Raimunda Ferreira da Silva veio de uma família de agricultores e extrativistas do látex da borracha. Viveu toda sua infância e adolescência no município de São Paulo de Olivença. Aos 15 anos de idade conheceu seu esposo: Eugenio Leon Fermin, que morava num lugar chamado Santa Maria. A família do seu esposo chegou nesse local de volga (um tipo de canoa) da região do Peru e trouxeram consigo algumas famílias de kokamas que lhes ajudaram na viagem a remar até São Paulo de Olivença.
Os familiares de Eugenio vieram fugindo da guerra mundial e conflitos na região da Espanha. Era uma família numerosa. Com este casamento, Raimunda passou a se chamar Raimunda Fermin. Ela teve doze filhos, sendo que somente nove sobreviveram, são eles: Alberto, Nilo, Jose, Vitor, Julio, João, Vitoria, Eugenia e Antonio Fermin. Três morreram quando criança. Com as técnicas tradicionais de sua família, Raimunda aprendeu a ser uma boa parteira. Ela também era ortopedista de natureza, sabia fazer emplasto para qualquer osso quebrado e carne trilhada. Sabia rezar para todas as doenças. Raimunda era muito sábia. Após seu casamento com Eugenio, pai de seus filhos, a mesma saiu de Kariwazal (Santa Terezinha) da casa de seus pais e foi morar em Santa Maria, próximo a São Joaquim, onde moravam a maioria de seus compadres, como Sr. Casuza Ramos, nativo do lugar.
O casal Raimunda e Eugênio passa a trabalhar junto para criar seus filhos. Raimunda sempre era chamada para fazer os partos das mulheres do local. Nesse tempo, era costume do povo kambeba colocar como madrinha a parteira que cortava o umbigo da criança. Dona Raimunda, popularmente conhecida como Tia Mundica, tinha muitos afilhados, compadres e comadres nesta área. Depois de alguns anos, seu esposo faleceu vítima de uma hérnia que estourou e por falta de médico e sem socorro, o mesmo veio a óbito, deixando Dona Mundica viúva, com alguns filhos menores de idade para criar.
Para ela não tinha tempo ruim. Pescava, plantava, fazia roça, conhecia todos os lagos da redondeza, de onde tirava os alimentos para seus filhos. Como ela era a maior parteira da região, começou nessa época sua peregrinação. Sempre muito prestativa, Dona Mundica era chamada em todo Alto Rio Solimões para fazer os partos e tratamento de pessoas com algum membro do corpo com osso quebrado, por exemplo. Ela fazia o tratamento das pessoas e só deixava a casa depois que a pessoa doente ficava curada da quebradura do osso do corpo ou que as mulheres ficassem boas do parto, após o resguardo.
Nessa jornada, ela fazia este trabalho por amor ao povo. Não tinha remuneração fixa. Ganhava apenas alguns alimentos como peixes, banana, e outros derivados da plantação da roça. Ela fazia essas viagens de canoa a remo conduzida pelos familiares dos doentes e das grávidas em toda área do Alto Rio Solimões, no rio Jandiatuba, e demais locais da redondeza.
Dona Mundica tinha mais de cinco mil compadres, comadres e afilhados. Ajudou muita gente vir ao mundo através da profissão de parteira. Era uma pessoa de boa índole, de coração meigo e que sempre serviu o seu povo sendo digna de ser lembrada por toda a existência de nossas vidas. Uma pessoa que soube criar seus filhos com boa educação. Sabia corrigir todos no momento certo. Todas as pessoas lhe respeitavam. Hoje, sua família sabe de onde vem essa: força de guerreiros, que são do sangue kambeba de Dona Raimunda.
Com muita tristeza e saudade, ela faleceu em 29.06.2002 com 100 anos de idade e ainda lúcida de sua memória, deixando para seus familiares a maior herança: a sua historia e sabedoria tradicional milenar repassada para seus filhos e netos que hoje podem transmitir essa verdadeira bravura desta guerreira. Dá orgulho ser chamada de neta da Vovó Mundica, como era carinhosamente conhecida por todos nós, povo do Alto Solimões.
[1] Cacique Geral dos Kambebas do Alto Solimões, moradora do município de São Paulo de Olivença e neta da Dona Raimunda Ferreira da Silva.
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