biografia
Cacica Dorinha
Autor(es): Edivania Granja da Silva Oliveira
Biografado: Cacica Dorinha
Nascimento: 1964
Povo indígena: Pankará
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Etnias, Pankará, Estado, Pernambuco
Tags:Feminino, Pankará, Pernambuco
A Cacica Dorinha nasceu em junho de 1964, na Serra da Cacaria, sendo neta de Luiz Limeira. Filha do Pajé Pedro Limeira e de Emília Olindina dos Santos, conhecida como Dona Emília. E em companhia também dos 11 irmãos, viveu a infância e adolescência na Aldeia Cacaria, localizada na Sera da Cacaria/Serra do Arapuá, Carnaubeira da Penha (PE). Destacou que “sempre vivi sob a orientação e no acompanhamento dos rituais praticados pela minha família, sempre estive em contato com as tradições religiosas indígenas”. Afirmou que a família sempre sobreviveu das práticas agrícolas e de artesanato produzidos pelos pais (MARIA DAS DORES DOS SANTOS, 2018).
A cacica[1] é a representante política do seu povo. A liderança Nenem Pankará, atribuiu qualidades e admiração. Afirmou que “é uma cacique que os índios consideram destemida, uma guerreira de muita coragem, “que não tem medo de nada” (MANOEL GONÇALVES DA SILVA, 2019).
Em outro estudo sobre a sua vida destacou que o pai era pobre e criou os filhos na roça. A infância foi muito saudável, dedicada ao trabalho e as brincadeiras de crianças, com bonecas feitas de barro e milho verde. Ao nascerem eram batizados no ritual da Jurema. E desde criança tinha acentuada sensibilidade espiritual e sempre gostou de participar do Toré com o Pai (NOVAES, 2010).
Em relação a educação, a Cacica disse que iniciou os estudou na Aldeia, mas teve poucas oportunidades de estudos, pois precisou ajudar nos afazeres domésticos, na agricultura, na criação de animais e na educação dos irmãos mais novos. Mas, mesmo sem a conclusão do 2º Grau exerceu por alguns anos a função de professora na escola da Aldeia. E aos 23 anos de idade casou com Heraldo Adalberto da Silva, tiveram quatro filhos: Angelina, Marcondes, Mauricélio e Lidiane. Os filhos são considerados “o maior presente que recebeu na vida”.
Diante da necessidade de oferecer melhores condições de vida para os filhos, principalmente na área de educação, saiu da aldeia e foi residir na cidade. E ao chegar a Floresta (PE) priorizou a educação para toda família, matriculou os filhos, o esposo e também decidiu continuar os estudos. Morou um tempo na casa do sogro. Para a sobrevivência da família foi prestar serviços domésticos na casa de uma vizinha e o esposo trabalhava como pedreiro, conseguindo manter os cuidados básicos dos filhos. Dorinha destacou que conseguiu concluir o antigo 2º Grau, atual Ensino Médio. Decidiu fazer o Curso Técnico de Auxiliar de Enfermagem, antes de concluir o referido curso, estagiando de forma voluntária na Clínica de Saúde Santa Isabel, serviço médico-hospitalar particular localizado na cidade de Floresta.
Após a conclusão do curso começou a exercer a função remunerada nesta instituição de saúde. Também prestou concurso público, logrando aprovação. Tornou-se funcionária pública e atua como Técnica em Enfermagem no Hospital Municipal de Petrolândia (PE), cidade circunvizinha. Portanto, a Cacica através de estudos habilitou-se como técnica, profissional da área de saúde e servidora pública. Trajetória bem diferente do pai e avô, como afirmou o Pajé Pedro Limeira, não tiveram oportunidades de estudos.
Sobre a participação no processo de mobilizações dos Pankará, a Cacica Dorinha afirmou que em 1998 passou a fazer parte das mobilizações em defesa do seu povo,
A partir de então, eu junto com as lideranças de meu povo alcançamos muitas conquista após enfretamentos de vários desafios. Considero como um dos maiores desafios enfrentados na minha caminhada, enquanto líder do meu povo foi a luta pelo reconhecimento do povo, logo em seguida, a conquista pela Saúde e por uma Educação Específicas, que atendesse as necessidades do meu povo. Atualmente um dos maiores desafios ainda é a demarcação do território, ainda em processo de delimitação. Considero como as maiores dificuldades na minha atuação, como líder do povo, o enfrentamento das constantes ameaças, perseguição e descriminação por parte dos políticos e posseiros que habitam o território da Serra do Arapuá. Mesmo assim, seguirei firme em defesa dos direitos do meu povo (MARIA DAS DORES DOS SANTOS, 2018).
A década de 1990 foi considerada um período marcante para o país, com várias Legislações e regulamentações relacionados a Constituição Brasileira, promulgada em outubro de 1988. Em relação aos indígenas no Sertão do São Francisco, a referida década foi importante pela ocorrência de um acentuado processo de novas ou “retomadas[2]” de mobilizações étnicas. Neste sentido, a Cacica afirmou que participou de forma efetiva no processo da autodenominação dos indígenas, que em companhia do Pai, o Pajé Pedro Limeira, e do Pajé Manoelzinho Caxeado, foram participar do I Encontro Nacional dos Povos Indígenas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial, na cidade de Olinda (PE), em janeiro de 2003.
Destacou que antes da viagem sonhou que andava entre a Serra da Cacaria e do Arapuá, na região do Boqueirão, onde haviam muitas flores brancas, borboletas e palavras voando. Havia um jardim e no centro uma palavra, Pankará. Ao chegarem no Encontro no momento de fazer a identificação do povo, sentiu uma forte dor no peito, lembrou do sonho e do nome Pankará, apresentaram o ritual e autodenominaram povo Pankará, “povo resistente”. Então, “alguém de Brasília que participava do evento afirmou que os indígenas na Serra do Arapuá existiam há muitos anos, que tinha registro de documento deles, com o nome Pacará” (MARIA DAS DORES DOS SANTOS, 2019). Mas, o sonho revelou Pankará e foi escolhido para a identidade do povo.
Após o retorno a Serra, a Cacica Dorinha continuou o processo de mobilizações com os indígenas na Serra do Arapuá e em junho de 2003, através de um ritual foi escolhida Cacica, escolhida pela Natureza e formado um Conselho Tribal, composto por 12 lideranças. A partir do ritual foi apresentada aos indígenas da Serra e reconhecida como liderança, como Cacica (OLIVEIRA, 2014).
O processo de organização política com escolha de cacicado e de Conselho Tribal faz parte das práticas de organização política de praticamente todos os povos indígenas no Nordeste, implantado no passado em muitos grupos pelos funcionários do SPI. Dorinha Pankará afirmou que além do cargo de Cacica ocupa outros cargos e funções na organização sociopolítica do Povo Pankará,
Sou Presidente do Conselho local de saúde, represento meu povo no seguimento de usuário no Conselho Distrital de Saúde de Pernambuco, membro da Comissão e Organização de Professores Indígenas de Pernambuco (COPIPE), membro do Conselho Estadual de Educação Indígena de Pernambuco, como também represento as Mulheres Indígenas na Secretaria de Mulheres de Pernambuco via Apoime. Sinto orgulho de representar meu povo e contribuir na luta junto aos demais povos indígenas do Brasil, sinto que carrego esta luta como uma Missão de Vida (MARIA DAS DORES DOS SANTOS, 2018).
Sobre a condição de mistura, a Cacica afirmou que os índios na Serra do Arapuá ao longo do tempo misturaram com não indígenas. E, próximo a Serra tem o Quilombo Tiririca dos Crioulas com relações parentais e históricas com os Pankará. A afirmação da identidade não é pela aparência física, mas pela preservação da tradição, da cultura e das mobilizações. Destacou que,
Tenho as ascendências que meus antepassados deixaram cravadas com sua história aqui, na Aldeia Cacaria. Esse nome vem desde a época em que os índios eram espancados e, muitas vezes, mortos. Eles eram enterrados em jarras [urna funerária] e hoje existem muitos cacos dessas jarras (GOMES, 2017, não paginado).
Dorinha afirmou que o avô enfrentou muitas perseguições dos “posseiros” – “donos das terras”, à época do avô, entre 1940 a1980, os indígenas eram “tratados como escravos”, obrigados a pagar “rendas”. A Serra do Arapuá foi ocupada por famílias poderosas das cidades de Floresta e Carnaubeira da Penha. Os “posseiros” praticavam violências para submissão dos indígenas, mas essas mesmas famílias permanecem agindo para submissão do povo Pankará, com uma nova estratégia: a apropriação da identidade indígena para usurpar o poder do povo, na intenção de fazer a gestão do Território Indígena Pankará. Em concordância com a afirmativa do antropólogo Hohenthal registrada em tópico anterior, na história de vida do seu Pai, Pajé Pedro Limeira.
Também relatou que atualmente existe uma grande tensão na Serra do Arapuá devido à demora na finalização do processo de demarcação e desintrusão das terras, com ameaças e perseguições. Os não-indígenas, denominados pelos Pankará de “posseiros” estão fazendo investidas e ameaças para os indígenas comprarem as terras que sempre foram habitadas pelas famílias indígenas, nunca saíram da Serra, mesmo quando proibidos, escondiam a identidade indígena e praticavam os rituais sagradas à noite, nas matas e na Serra Umã. Afirmou que quando ocorrer a finalização do processo de demarcação e desintrusão no Território Pankará não terá pagamento de indenizações a indígenas, somente aos não indígenas e declarou que existem mais de 70 não indígenas ocupando o Território Pankará.
O processo de demarcação e desintrusão da Terra Indígena Pankará Serra do Arapuá iniciou em 2010, com a emissão da Portaria 413 e o reconhecimento do povo e do Território Serra do Arapuá como área indígena. Com a previsão de delimitação de 15 mil hectares e em 2014 foi finalizado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação – FUNAI (RCID[3] – FUNAI), realizando atividades, nomeado de Grupo de Trabalho (GT – FUNAI), com a participação dos Pankará. Relatou a Cacica após a finalização e entrega do referido relatório pela FUNAI ocorreu um acentuada tensão, com constantes ameaças de mortes.
Em 2010, o estudo sobre a história de vida da Cacica Dorinha evidenciou disputas e conflitos provocados por SPI/FUNAI e pelos poderes governamentais: Federal, Estadual e Municipal para o reconhecimento do povo Atikum, Serra Umã, a negação de direitos dos indígenas na Serra do Arapuá ao reconhecimento específico, resultando em acentuado processo de perseguições e violências exercidas pelos “posseiros” relacionados com a política partidária na região, na negação dos direitos e do reconhecimento étnico dos Pankará (NOVAES, 2010).
Portanto, o acirramento de conflitos e disputas podem ser interpretados como estratégias dos não indígenas que são representantes das famílias com “posses” na Serra, dominam o poder político local e os Pankará foram e são envolvidos no jogo das disputas por acesso ao poder municipal.
E por fim, a Cacica afirmou que tem a missão de lutar pelo povo, mesmo perseguida e ameaçada irá cumprir o dever até o final da vida.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, P. F. de.; SILVA, R. de F. e. A retomada da educação escolar pelos índios Pankará. Polis, 38, p. 01-14, 2014. Disponível em: http://polis.revues.org/10049. Acessado em 28/02/2019.
GALLOIS, D. T. “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?. In: RICARDO FANY (Org.). Terras Indígenas & Unidades de Conservação da natureza – o desafio das sobreposições. São Paulo : Instituto Socioambiental, 2004, p.38-41. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/dgallois-1.pdf. Acessado em 02/07/19.
GOMES, E. De como a ambição massacra um povo – Depoimento: Dorinha Pankará. Revista Continente, especial da edição 196, abril, 2017, não paginado. Disponível em: https://revistacontinente.com.br/edicoes/196/depoimento–dorinha-pankara. Acessado em 25/09/2017.
NOVAES, Z. V. da S. M. Dorinha Pankará: expressão de liderança indígena no Brasil. Belém do São Francisco: Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco, 2010, 38p. (Monografia Especialização em História e Cultura Afro-brasileira e Indígena).
OLIVEIRA, E. G. da S. Os índios Pankará na Serra do Arapuá: relações socioambientais no Sertão pernambucano. Campina Grande, UFCG, 2014, 133p. (Dissertação Mestrado em História).
Entrevistas
Maria das Dores dos Santos (Cacica Dorinha Pankará), 55 anos. Aldeia Cacaria; Serra do Arapuá, Carnaubeira da Penha/PE. Entrevista realizada na cidade de Floresta em 30/06/2019. Entrevista realizada na Aldeia Saquinho em 25/05/2019, Território Pankará.
Manoel Gonçalves da Silva (Nenem), 57 anos. Aldeia Marrapé, Serra do Arapuá, Carnaubeira da Penha/PE. Entrevistas realizadas na cidade de Petrolina/PE em 21 e 22/04/19.
Notas
[1] Optei o uso da palavra cacique no feminino Cacica.
[2] Termo utilizado pelos indígenas do Nordeste relacionado a área que reivindicam como direito ao território. Em Pernambuco também é utilizado para designar o processo de estadualização das escolas indígenas, na mobilização pela autonomia e pelo direitos a Educação Específica e Diferenciada (ALMEIDA; SILVA, 2014).
[3] O referido documento é parte do processo administrativo demarcatório aberto pela Fundação Nacional do Índio, definido através do Decreto n. 1775/96. É uma peça técnica objetivando o embasamento do processo de reconhecimento de um território indígena (GALLOIS, 2004).
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