biografia
Dona Valdira
Autor(es): Edivanha Bezerra da Silva
Biografado: Valdira Ana da Silva
Nascimento: 1954
Povo indígena: Kabiwá
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Estado, Pernambuco
Tags:Feminino, Kabiwa, Pernambuco
Valdira Ana da Silva, conhecida como Dona Valdira, é agricultora, artesã e uma importante mulher no ritual do nosso povo. É guerreira, luta por seus ideais, sempre busca preservar os costumes e valores do nosso povo e repassar sabedoria para os/as mais jovens, para que a cultura Kambiwá seja fortalecida. Nasceu no dia 25 de abril de 1953, na aldeia Baixa da Alexandra, território do povo Kambiwá. É filha de João Amâncio da Silva e Maria Ana da Silva. Com a família aprendeu a agricultura, o artesanato, o ritual e os valores da sociedade Kambiwá os quais carrega até hoje. Aos 18 anos casou-se com Ivan Pereira da Silva, conhecido como Seu Ivan, uma importante liderança de nosso povo e, juntos, tiveram 14 filhos.
Desde pequena Dona Valdira aprendeu a fazer artesanato e, com o conhecimento cedido pelas forças
da Natureza Sagrada, foi aprimorando-se em criar os objetos que são importantes para os rituais sagrados de nosso povo. Além do trabalho com a fibra do caroá, aprendeu a criar com madeira, palha do ouricuri, sementes, entre outros.
Durante todo o processo de confecção das roupas dos rituais, ela diz que canta muito e explica o passo
a passo: arranca o caroá, depois tira os espinhos, faz o fio e traz para casa. Os fios são contados por dúzia para ter a noção do tamanho da peça que se quer fazer.
Depois do caroá ser batido, é espremido, lavado e posto para secar. Em seguida, são feitas as cordinhas para poder confeccionar os artesanatos. Os objetos rituais confeccionados por ela são: a roupa do Praiá, a saiota para dançar o Toré e o aió, que é a bolsa de caroá símbolo do povo Kambiwá.
Aprendeu com as pessoas mais velhas o Toré e o Praiá. O Praiá é um ritual dos nossos antepassados e é
também como chamamos a roupa feita da fibra do caroá, que vai da cabeça até os pés. Enquanto ritual, é realizado nas noites de lua cheia, onde são invocadas as Forças Encantadas para iluminar o nosso povo e ajudar na resistência Kambiwá. Nesse caminho, Dona Valdira também se fez Mãe de Praiá, isto é, ser responsável de zelar por eles, os Praiás, sendo esta uma posição importante no ritual e ela fala com muita felicidade.
Ela diz que mesmo não sendo seus filhos de sangue, esses jovens apadrinhados por ela são considerados filhos – filhos de Praiá – são seus filhos no ritual. No terreiro ela participa ativamente: canta, dança, deixa tudo pronto para a realização dos rituais, além de ser uma grande motivação e inspiração para os mais novos participarem cada vez mais dos rituais e irem dançar o Toré.
Para Dona Valdira muita coisa mudou desde antigamente, uma das coisas que ela menciona são os hábitos alimentares: “antes, a gente caçava e hoje, a caça está muito mais difícil porque os fazendeiros
(invasores da terra indígena) desmataram muito a caatinga”. Também conta que antigamente as matas
eram muito verdes, naquele tempo tinha imburana, coqueiro Ouricuri, caixa a cumbri, facheiro, mandacaru e caroá. Quando era no tempo do coco da palmeira Ouricuri, muitas das sementes eram comidas e vendidas, Valdira fazia muitos colares para vender com a semente do ouricuri. Ela conta que vendia o fruto do imbu e que caçava. Haviam muitos animais na mata como o tatu peba, tamanduá, cutia, preá, veado, muitos tipos de passarinho. Caçavam muito para comer, conheciam inclusive as horas que as caças estavam andando para pegá-las no mato.
A Terra Indígena Kambiwá foi regularizada na década de 1990, a homologação foi em 1998. Para
conseguirmos nosso território de volta fizemos muitas retomadas, foi muita luta da comunidade até que
o Estado brasileiro regularizou. Antes da demarcação, a família de Dona Valdira trabalhou na terra dos
fazendeiros como rendeira, durante muito tempo o sustento dependia desta condição de empregado na
própria terra. Dona Valdira me contou que o nome Kambiwá significa “volta à Serra Negra”, que é o local de origem do nosso povo. Muitos dos nossos antepassados saíram de lá expulsos, sob pressão e sofrendo humilhações, perseguidos por fazendeiros e grileiros que tinham interesse na Serra. Apesar da incansável resistência, a violência do colonizador foi grande e se deu a expulsão dos índios da Serra Negra. A estratégia de permanecer no entorno do nosso lugar de origem foi construir moradia na localidade Baixa da Alexandra, nossa primeira aldeia fora da Serra Negra e depois deu-se a formação das demais aldeias constituindo nosso território no século XX até os dias atuais.
Atualmente, nosso território tem oito aldeias reconhecidas: Nazário, Serra do Periquito, Pereiro, Santa
Rosa, área de Retomada, Baixa da Alexandra, Tear, Ingá; e ainda há a aldeia Peitudo em fase de reconhecimento.
Dona Valdira atua na luta do nosso povo há muitos anos, nesse caminho acompanhou de perto
muitas perseguições e preconceito contra os índios, tanto dos fazendeiros como da polícia. Muitas lideranças foram perseguidas, ela conviveu com essa perseguição contra a sua família, seu esposo Ivan
chegou inclusive a ser preso e torturado no tempo da ditadura militar. Apesar da perseguição sua família
não desistiu da luta, Seu Ivan foi um dos guerreiros que acompanhou o movimento indígena na Assembleia Constituinte na década de 1980 em Brasília, que resultou nas conquistas dos nossos direitos na Constituição Federal de 1988. Enquanto Seu Ivan estava em Brasília, Dona Valdira garantia a luta cotidiana no território, seja para assegurar o sustento da família através do artesanato ou ainda para juntar as forças rituais que davam a sustentação ao movimento indígena em Brasília. Ao lado dos filhos, filhas e dos parentes praticavam o ritual pedindo proteção às forças encantadas. Outra luta que Dona Valdira tem amplamente contribuido é pela Educação Escolar Indígena. Hoje a realidade da educação escolar em nosso povo mudou, temos escolas indígenas em todo território, nessas escolas são os próprios indígenas que ensinam. Nesse caminho, Dona Valdira, com toda sua sabedoria, foi professora de arte indígena de sua aldeia, na área de Retomada, sempre procurando repassar para as crianças a importância da valorização da cultura para o fortalecimento da identidade do povo Kambiwá. É uma mulher muito sábia, ela mesma não frequentou a escola quando jovem, o que aprendeu foi na lida
cotidiana através da natureza sagrada.
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