biografia

Lucélia Leal Cabral: Cacica Lucélia Pankará

Autor(es): Edivania Granja da Silva Oliveira
Biografado: Lucélia Leal Cabral: Cacica Lucélia Pankará
Nascimento: 1977
Povo indígena: Pankará
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Etnias, Pankará, Estado, Pernambuco
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Lucélia Leal Cabral nasceu em 15/12/1977, na Fazenda Roçado, Serra do Arapuá, que à época pertencia ao município de Floresta, atualmente Carnaubeira da Penha/PE e é nomeada Aldeia Roçado.  É filha de Maria José Leal Cabral e Pedro Alves Cabral. Os avós maternos são Josefa Alice da Conceição e Luiz Pereira Leal, conhecido pelo apelido de “Luiz Preto”. Afirmou que possui relações parentais com as lideranças da tradição na Serra do Arapuá, o avô, “Luiz Preto” é primo do Pajé Pedro Limeira e a avó, Josefa Alice é da família Caxeado, prima do Pajé Manuelzinho Caxeado.

Afirmou que desde a tenra infância participava das migrações sazonais nos períodos de secas, quando a família descia a Serra do Arapuá para trabalhar na Fazenda Garrancho, Zona Rural da Velha Itacuruba, plantando nas margens e ilhas da Velha Itacuruba e nos períodos chuvosos retornavam a Serra. Enfatizou que a infância foi muito boa, “pois vivi grandes momentos ao lados dos meus avós, com maravilhosas noites no Terreiro, deitados em esteiras ouvia as histórias belíssimas contadas pelo meu avô” LUCÉLIA LEAL CABRAL, 2019).

Relatou que seu primo, Geraldo Leal Lopes, participou também das migrações sazonais da Serra para a Velha Itacuruba, casando com uma negra da Fazenda Garrancho, área conhecida como Poços dos Cavalos, atual Comunidade Quilombola Poços dos Cavalos. Portanto, a família habitava a região da Velha Itacuruba desde a década de 1960, com o estabelecimento de moradias também da tia, Maria Josefa e esposo, Manoel Miguel, pais de Geraldo Leal, trabalhavam de meeiros plantando arroz. E em 1988, após a construção da Barragem de Itaparica, as terras agricultáveis de Poços dos Cavalos foram inundadas, Geraldo Leal e a família receberam um valor em dinheiro correspondente a indenizações dos plantios e foram reassentados na Zona Urbana da Nova Itacuruba.

Estudou na Serra do Arapuá até a antiga 4ª Série Primária, atual 5º ano do Ensino Fundamental I, como não existia outras modalidades de ensino na Serra foi morar na casa do primo, Geraldo Leal, na Nova Itacuruba em 1989. Nessa época, com 12 anos começou a trabalhar nas roças, “alugada”, por diária, plantando cebola, tomate e colhendo feijão. Trabalhava durante o dia e estudava a noite, necessitava ajudar a família. E em 2001, a mãe com o restante da família estabeleceram também moradia no Nova Itacuruba, na área periférica, também trabalhando nas roças de “alugados”, por diárias ou vivendo de “biscates”.

Relatou que com todo sacrifício conseguiu concluir o Curso de Magistério[1], a graduação em Pedagogia, obteve aprovação em concurso público para docente e desde 2006 faz parte do quadro de professores da Secretaria Municipal de Itacuruba. Concluiu em 2016 o Curso de Especialização em Educação Intercultural, modalidade Lato Sensu, promovido pelo IF Sertão PE Campus Floresta.

Em artigo produzido por Lucélia Leal, como requisito para obtenção do título de Especialista em Educação Intercultural, defendido em 2016, evidenciou que, “desde 1965 viviam na região de Itacuruba, nas margens do Rio São Francisco, na Ilha de Surubabel e nas ilhas do Coité e Inveja”. Destacou ainda que, as terras em que os indígenas “transitavam” entre a Serra do Arapuá, as margens e ilhas, “sempre foram preservados os terreiros sagrados do Povo Pankará da Serra do Arapuá em seus trânsitos para Itacuruba (CABRAL, 2016, p. 05).

Afirmou que sempre ouviu os mais velhos narrarem sobre o rio São Francisco como local de refúgio e de sobrevivências nas difíceis secas.  Também espaço de história, memória e do sagrado, com grande significado espiritual e ambiental. Relatou que, “o Pajé Pedro Limeira sempre afirmou que a partir da vazão do rio, observado por eles de cima da Serra do Arapuá, sabiam o tempo e se teriam ou não boas colheitas” (CABRAL, 2016).

Enfatizou que os Pankará no Serrote dos Campos é fruto da mistura, com origens na Serra do Arapuá. São das famílias Limeira e Cacheado, os “troncos velhos” Pankará e os indígenas do Serrote dos Campos são as “pontas de ramas” Pankará, resultado do processo de trânsito entre a Serra do Arapuá e o rio São Francisco em períodos de secas, quando atravessavam o rio para participar de rituais no povo Tuxá em Rodelas. Assim, como outros grupos étnicos ocupavam vários espaços às margens e em ilhas do São Francisco (CABRAL, 2016). Destacou que sempre tiveram os direitos negados. Na década de 1980 foram impactados com a Barragem de Itaparica, perdendo seus trabalhos e formas de sobrevivências.

O processo de mobilização para o reconhecimento étnico e a ocupação do Serrote dos Campos foi motivado pela falta de terra para plantios e para práticas dos rituais, pois como moravam na zona urbana da Nova Itacuruba não possuíam trabalho e nem perspectivas de melhoria de vida, além de enfretarem perseguições e discriminações por praticarem os rituais, denominados de “feiticeiros ou macumbeiros”.

Então, decidiram buscar reconhecimento étnico como também buscar a retomada de uma área, reconhecida pelos mais velhos como Território Sagrado, fazendo parte dos locais que usavam nas travessias para o povo Tuxá. Para tanto, consultaram o Pajé Pedro Limeira que após ritual fez a recomendação dos “Encantados”, para buscar uma área serrana com antigos Cruzeiros”, seriam locais sagrados e antigos caminhos de trânsitos entre a Serra do Arapuá e a Velha Itacuruba.  Dessa forma foi que encontraram o Serrote dos Campos, conforme imagem abaixo,

 

Serrote dos Campos

 Foto: Edivania Granja, 2018.                                                 

           Território Pankará Serrote dos Campos

a) Cabana
 b) Caminho antigo usado pelos Pankará

 

 

 

 

 

Fotos: Edivania Granja, 2018.

 

Segundo Lucélia Leal, inicialmente a Cacica no Território Serrote dos Campos era Dorinha Pankará, obtiveram o reconhecimento imediato por todas as lideranças da Serra do Arapuá, por pertencerem “as linhagens das família dos Pajé, Pedro Limeira e Manoelzinho Caxeado” (LUCÉLIA LEAL CABRAL, 2018). Ressaltou o Pajé Manoelzinho Caxeado é também o Pajé do Povo Pankará Serrote dos Campos.

Evidenciou que em 2008, após dois anos do cacicado de Dorinha Pankará, “sob orientação e indicação dos ‘Encantados’ fui escolhida a Cacica do povo” (LUCÉLIA LEAL CABRAL, 2018), compreendendo como uma missão:

Enfrentei com muita luta, primeiro por ser mulher e ter que conciliar trabalho, família e aldeia. Já passei por muitos momentos difíceis e me fortalecia no ritual para nunca desistir. Nesses 12 anos no Território Serrote dos Campos tivemos muitas conquistas, desafios e perseguições, pois sou ameaçada de morte e vivo sob proteção do Programa de Defesa dos Direitos Humanos em Pernambuco (LUCÉLIA LEAL CABRAL, 2019).

Ressaltou também que estão mobilizados desde 2010, realizando diversas ações e denúncias contra o projeto de implantação de uma Usina Nuclear[2] em Itacuruba/PE (LUCÉLIA LEAL CABRAL, 2017).

Foi produzido pela antropóloga Carolina Mendonça um relatório de qualificação da demanda do Povo Pankará Serrote dos Campos, em 2011, protocolado na FUNAI com o objetivo de abertura de processo de administrativo, o que ainda não ocorreu. No referido relatório consta que,

O rio São Francisco, além de imprescindível à sobrevivência física do grupo, também possui uma importância fundamental do ponto de vista religioso. Os Pankará historicamente migram para a margem do rio para praticar rituais junto aos Tuxá. Na história oral e mesmo em registros oficiais e de pesquisadores do início do século XX, é recorrente os relatos das visitas rituais (MENDONÇA, 2011, Pag.05).

A identidade étnica foi afirmada por Lucélia através das práticas tradicionais, como uso de ervas para curas, a crença nos “Encantados da Jurema”, nas rezas dos Pajé e benzedeiras, na preservação e cuidada com a “Mãe Terra”. Finalizou que o objetivo do povo Pankará Serrote dos Campos é “buscar viver em harmonia com os todos os seres que habitam nosso Território, por isso é Sagrado” (LUCÉLIA LEAL CABRAL, 2019).

 

Referências

CABRAL, L. L. ÍNDIOS PANKARÁ: Entre o Rio São Francisco e a Serra do Arapuá: história, memória e espiritualidade. Floresta: IF SERTÃO PE, 2016, 12p. (No prelo).

MENDONÇA. C. F. L. Relatório de Qualificação de Reivindicações do Povo Pankará no Serrote dos Campos/Itacuruba-PE. Coordenação do GT-CGID, Funai, 2011.

 

Entrevistas

 Lucélia Leal Cabral, 32 anos, (Cacica Pankará Serrote dos Campos).  Aldeia Pankará Serrote dos Campos, Nova Itacuruba/PE. Entrevistas realizadas no Terrítório Pankará Serrote dos Campos em 04/05/2017, 05/06/2018 e 10/09/2018; Entrevista realizada na Aldeia Saquinhho em 25/05/2019, Território Pankará, Serra do Arapuá, Carnaubeira da Penha/PE.

 

NOTAS

[1] Curso de docente que habilita para ministrar aulas até a modalidade de Ensino Fundamental I. Atualmente essa modalidade é praticamente inexistente na rede de ensino.

[2]O projeto do governo brasileiro de construção de usinas nucleares tem sido alvo de críticas por diversos setores da sociedade, denunciando impactos socioambientais.

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