biografia

Maria Luciete Lopes

Autor(es): Edivania Granja da Silva Oliveira
Biografado: Maria Luciete Lopes
Nascimento: 1967
Povo indígena: Pankará
Estado: Pernambuco
Categorias:Biografia, Etnias, Pankará, Estado, Pernambuco
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Luciete Pankará nasceu em 21/07/1967, na Aldeia Mingu, localizada na região da Serra do Catolé/Serra do Arapuá. A origem da família é da Aldeia Mingu. Evidenciou que o nome Mingu foi atribuído a “mãe avó” da sua mãe, que era conhecida como Mãe Mingu, uma liderança tradicional,

Na Aldeia Mingu praticamos o toré desde os nossos antepassados. Desde muito pequena com meus 6 anos praticava o toré nos terreiros das casas, como na casa de tia Didi, tia Sergia e mãe Lainha irmã mais 1velha da minha mãe que levava a gente para o toré. Lembro-me que na casa de tia Sergia a gente dançando o Toré cantava os toantes:

 

Ô jureminha…cadê juremá…

Ô jureminha…cadê juremá…

Ô jureminha, jurema preta do meu congá.

E tinha outro toante que cantávamos e depois de adulta eu vejo outros povos indígenas também cantando, que é:

Olha a folha da jurema que o vento vai levando…

Olha a folha da jurema que o vento vai levando

E vai levando e vai levando e os cabocos acompanhando…

E vai levando e vai levando e os cabocos acompanhando (MARIA LUCIETE LOPES, 2019).

 

Destacou também que existe outro importante Terreiro, o de Manoel Maior, localizado na Aldeia Mingu, aos 10 anos de idade iniciou a participação neste Terreiro. Fazendo parte da memória o toante cantando no citado Terreiro,

 

Mané Maior do Pé da Serra

Mané Maior do Pé da Serra

E ele vem triunfante, ele vem vencendo guerra…

E ele vem triunfante, ele vem vencendo guerra

Bota na cuia que eu quero beber…

Bota na cuia que eu quero beber

E a depois que eu beber, eu balanço o maracá…

E a depois que eu beber, eu balanço o maracá (MARIA LUCIETE LOPES, 2019).

 

O toante cantando por Luciete pode ser interpretado que o “Mané Maior” foi uma possível liderança da região, transformado em “Encantado”. Como também o uso do “vinho da Jurema” no ritual, solicitado para “bota na cuia que eu querer beber”, para depois “balançar o maracá”, aspectos fundamentais do ritual do Toré, elaborados com plantas e sementes da Caatinga, como a Planta Jurema que a raiz é extraída para fabrico do “vinho” e o “maracá” confeccionado do fruto seco da planta “Cabaça” e suas sementes ao serem balançadas produzem sons.

Sobre a família relatou que o pai é da Aldeia Lagoa, das famílias Souza e Caxeado. Os avôs paternos moraram na Aldeia Água Grande, ainda na atualidade existe a casa dos avós naquela Aldeia. Afirmou que antes do processo de mobilização étnica não eram nomeados os lugares em aldeias. Então, o local ou região denominada Água Grande tinha como “posseiro” Totonho Novaes e os avós paternos eram moradores deste “posseiro”, na condição de meeiros[1] e pagavam ao “posseiro” a metade da produção.

A família materna de Luciete Pankará é da família Gameleira. Ressaltou que os pais são primos. Após o casamento passaram a morar na Aldeia Mingu, mas continuaram mantendo as práticas agrícolas na Aldeia Água Grande, plantavam mandioca e iam fazer farinhada[2] na Aldeia Lagoa. Atualmente a maioria dos parentes paternos moram na Aldeia Cumbe, localizada próxima a Lagoa. E na adolescência descreveu que, “Íamos para a Aldeia Lagoa fazer farinhada e dançar o toré no Terreiro da casa de tia Amélia. E também íamos dançar o toré na casa de tia Osmíndia na Gameleira”. Ressaltou que a tia Osmindia, mãe de Marineide (apelido Pêdêda), atualmente lidera um grupo de indígenas Pankará na cidade de São Paulo (SP), como também a prima paterna, Chirley Pankará é uma liderança do movimento indígena em São Paulo, recentemente eleita como primeira Deputada Estadual Indígena no Estado de São Paulo (MARIA LUCIETE LOPES, 2019).

Possui relações parentais com os indígenas Tuxá.  Exemplificou que possui parentes no povo Tuxá em Ibotirama (BA), inclusive o primo paterno, Giba Tuxá do grupo que foi deslocado da Antiga Rodelas devido a construção da Barragem de Itaparica para a cidade de Ibotirama, sendo uma grande liderança do movimento, representante da Articulação dos Povos e Organização Indígena do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME. Afirmou que a família sempre foi de luta. Então, a militância e a participação em movimentos de mobilização indígena é herança dos antepassados, pois os familiares em todas as épocas lutaram pela terra indígena Pankará da Serra do Arapuá, por exemplo, o tio de seus pais, Emiliano Gameleira foi uma importante liderança, no início do Século XX, na busca pelo reconhecimento como povo da tradição.

Descreveu a atuação profissional como docente, atividade importante para a participação como liderança no processo de mobilização étnica e no fortalecimento da Educação Escolar Indígena Pankará. Trabalhou como professora no povo Atikum no período de 1997 a 1999, buscando aliar as práticas didáticas ao fortalecimento da cultura indígena, como exemplo narrou que realizava com os estudantes, acompanhada por uma liderança do povo Atikum, visitas na Serra do Arapuá, na Aldeia Mingu, região do Alto das Tábuas, com o objetivo de coletar a planta “Caruá” para a confecção de “Cataiobas[3]”, considerada a “farda do índio”. Pois, na Serra Umã, na Aldeia Sede era difícil encontrar “Caruá”. Afirmou que a atuação como professora no povo Atikum contribuiu para fazer parte desde o início do movimento de estadualização das escolas indígenas em Pernambuco, através da criação da Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco (COPIPE), “na luta de direitos a educação específica, diferenciada e intercultural”, como também facilitou o processo de reconhecimento étnico e as mobilizações pela educação e saúde específicas (MARIA LUCIETE LOPES, 2019).

Evidenciou a importante atuação na reorganização política e sociocultural do povo Pankará, através da participação no primeiro estudo antropológico realizado em 1999, objetivando o registro e valorização da “história de ocupação tradicional da Serra do Arapuá pelos Pankará e resultou no reconhecimento étnico em 2003” (MARIA LUCIETE LOPES, 2019). Membro da COPIPE e liderança indígena Pankará destacou que,

 

Tenho participado efetivamente, e nela encontro o sentido para desenvolver uma educação que nasce no território Pankará: a Serra do Arapuá.  Quando assumi o compromisso junto às lideranças e alguns educadores do Povo, efetivos do Município de Carnaubeira da Penha (PE), muitas foram as dificuldades encontradas. No território Pankará só havia 10 escolas com prédio próprio, e em péssimas condições (MARIA LUCIETE LOPES, 2019).

 

Reforçou que em 2004, após muitas mobilizações e decisão política no Povo Pankará para a estadualização da educação escolar no Território, com muita persistência e resistência perante o Estado de Pernambuco, conquistaram em 2005 a estadualização de 18 escolas. E entre 2015 e 2016 foram estadualizadas mais 05 escolas, processo fundamental para autonomia do povo Pankará, com todas as modalidades de ensino administradas pelo Governo Estadual, pois no passado as escolas da Serra do Arapuá eram administradas pelo Poder Municipal, sem nenhuma prioridade e reconhecimento da Educação Escolar Indígena. Sendo portanto, de extrema importância o processo de retomada da educação escolar foi e é fundamental para o povo Pankará, e por isso, “merece ser relatado, apesar das dificuldades, das perseguições, continuamos na luta por uma educação do nosso jeito” (MARIA LUCIETE LOPES, 2019).

Luciete Pankará, liderança da “Tradição” e da educação Pankará, referência na Educação Escolar Indígena em Pernambuco. Possui qualificação, com dois cursos de graduação, com Licenciatura em Geografia e em Educação Interecultural, com especialização lato sensu, professora há mais de 20 anos, com experiência docente e conhecimentos sobre currículo e gestão escolar, participante do processo de construção do projeto e professora convidada do Curso de Especialização em Educação Intercultural: indígenas e quilombolas, promovido pelo Instituto Federal do Sertão Pernambuco – IF SERTÃO PE.

 

REFERÊNCIAS

ARAUJO, F. E. de. Os trabalhadores da farinhada e a casa de farinha como lugar de memória. Cadernos do CEOM, Chapecó (SC), v. 30, n. 46, p. 91-100 Jun/2017.

SABOURIN, E. e CARON, P. Camponeses e Fundos de Pastos no Nordeste da Bahia. In: GODOI, Emília Pietrafesa de.; MENEZES, Marilda Aparecida de.; MARIN, Rosa Acevedo (Org.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias Estratégias de reprodução social. Volume 2.  São Paulo: UNESP, 2009, p. 89-115. Disponível em: file:///C:/Users/USUARIO/Documents/RIO%20S%C3%83O%20FRANCISCO/Hist%C3%B3ria%20social%20do%20campesinato%20no%20Brasil%20-%20Diversidade%20do%20Campesinato%20-%20v.%202.pdf. Acessado em 06/06/2019.

 

ENTREVISTA

Maria Luciete Lopes, 51 anos. Aldeia Laje, Serra do Arapuá, Carnaubeira da Penha/PE, em 25/05/2019 e 30/06/2019.

 

NOTAS

[1] Meeiro ou arrendatário na região do Submédio São Francisco são termos semelhantes. Funcionando da seguinte forma, o fazendeiro “dava” uma área de terra para o “meeiro” morar com a família e lavrar a terra. O meeiro tinha que investir na preparação, na aquisição de sementes ou raízes, no trabalho de plantios e colheitas, tendo a obrigação de destinar a metade de toda produção agropastoril para o fazendeiro, como pagamento de uso da terra (SABOURIN; CARON, 2009).

[2] Farinhada significa o processo de moagem de mandioca para fabricação de goma (tapioca) e de farinha de mandioca que exige torrar em forno de lenha. Toda o processo de transformação da mandioca em goma ou farinha exige um “especialista” e um espaço específico, a “Casa de farinha”, sendo na grande maioria, um galpão e um local de armazenamento da matéria-prima e do produto final (goma ou farinha), com fornos a lenha. A partir da década de 1970 ocorreu transformações tecnológicas e atualmente há um número reduzido de “farinhadas” (ARAUJO, 2017).

[3] Vestimenta feita de Caroá usada pelos Pankará em rituais e em mobilizações políticas.

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